Por Marco Faustino
Não costumo escrever matérias sobre "experimentos", acredito que a única vez que escrevi sobre isso tenha sido sobre o "Experimento Bradford". Naquela ocasião, mencionei sobre um morador da cidade de Detroit, no Estado do Michigan, nos Estados Unidos, chamado Thomas Lynn Bradford, visto que ele era uma pessoa bem peculiar. Ele alegava ser um ex-engenheiro elétrico, e dizia que já tinha sido ator e até mesmo atleta profissional. Porém, quase no fim de sua vida, Bradford voltou sua atenção para algumas "explorações mais profundas". Após algum tempo ele passou a se autoproclamar como um "médium", e também realizou inúmeras palestras sobre o ocultismo. Apesar de suas palestras não serem particularmente populares, ele ainda produziu numerosos (e principalmente não publicados) ensaios sobre diferentes temas sobrenaturais. Pouco antes de sua morte, Bradford escreveu que "todos os fenômenos estão fora do reino do sobrenatural", e que a ciência acabaria por provar a existência da alma, e sua sobrevivência após a morte. Tudo isso levou ao que seria o "experimento científico" mais extremo, que até então alguém já tivesse tentado. Thomas Lynn Bradford acabou cometendo suicídio em uma madrugada de domingo, no dia 6 de fevereiro de 1921. Pouco tempo depois, a cidade de Detroit e o mundo saberiam sua real motivação. Ele simplesmente se matou para tentar se comunicar a partir do "outro lado", e provar definitivamente a existência da "vida após a morte". Apesar das inúmeras discussões que isso gerou, nunca ficou provado que ele realmente tivesse entrado em contato.
Recentemente, no entanto, me deparei com uma notícia onde mencionava que psicólogos sociais da Universidade de Ciências Sociais e Humanas da Polônia (SWPS), uma das instituições de ensino superior mais importantes e respeitadas na Polônia, reproduziram uma versão moderna de um experimento chamado "Milgram", e teriam se deparado com resultados semelhantes aos estudos realizados há mais de 50 anos. Para aqueles que não estão familiarizados com o "Experimento Milgram" (assim como eu mesmo não estava), aparentemente, ele testou a tolerância das pessoas em aplicar choques elétricos em uma outra pessoa, quando incentivado por um "experimentador". Aliás, o mesmo experimento teria sido replicado por diversas vezes ao longo do tempo, em diversos países e culturas diferentes, e praticamente teria obtido os mesmos resultados. Além disso, esses experimentos demonstraram que, sob certas condições de pressão perante uma determinada autoridade, as pessoas permanecem dispostas a executar comandos mesmo quando elas têm ciência que isso pode machucar ou até mesmo matar uma outra pessoa. Assim sendo, achei esse experimento bem interessante, fui atrás de maiores informações sobre como ele foi originalmente realizado, assim como sua repercussão e a mais recente aplicação do mesmo na Polônia. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Uma Introdução ao Experimento que Chocou a Sociedade Norte-Americana na Década de 1960
Em 1961, Stanley Milgram, professor de psicologia da Universidade de Yale, no estado de Connecticut, no Estados Unidos, colocou um anúncio no jornal "New Haven Register". O texto continha as seguintes informações: "Pagaremos 500 homens, moradores da cidade de New Haven, para nos ajudar a completar um estudo científico sobre memória e aprendizado. O estudo será conduzido na Univesidade de Yale. Cada pessoa que participar receberá US$ 4,00 (acrescidos de US$ 0,50 de vale-transporte) por aproximadamente 1h do seu tempo. Precisamos de você apenas por uma hora: não há obrigações posteriores. Você pode escolher o horário que desejar comparecer (durante o período da noite, dias de semana ou fins de semana)"
Em 1961, Stanley Milgram, professor de psicologia da Universidade de Yale, no estado de Connecticut, no Estados Unidos, colocou um anúncio no jornal "New Haven Register" (na foto) |
Os interessados deveriam preencher um pequeno formulário no anúncio, recortá-lo e enviá-lo aos cuidados do professor Stanley Milgram, no Departamento de Psicologia da Universidade Yale, na cidade de New Haven. Aliás, o dinheiro prometido seria pago no momento da chegada do participante no laboratório.
Algumas pessoas, horrorizadas com o que estavam sendo convidadas a fazer, tentaram interromper rapidamente o experimento, desafiando o desejo de seu supervisor - apelidado de experimentador - de prosseguir. Outros, no entanto, continuaram até 450 volts, mesmo quando o aprendiz clamava por misericórdia, gritando sobre sua condição cardíaca, até ficar em completo silêncio, denotando que poderia ter morrido.
Conheça um Pouco Sobre Stanley Milgram, Ex-Psicológo Social da Universidade de Yale, nos Estados Unidos
Stanley Milgram nasceu na cidade Nova York, em 15 de agosto de 1933, o segundo de três filhos. Seus pais, Adele e Samuel Milgram, ambos judeus, tinham saído da Europa (da Romênia e da Hungria, respectivamente) em busca de melhores condições de vida, devido a Primeira Guerra Mundial. Seu pai era um confeiteiro experiente, e sua mãe trabalhava junto com ele em uma padaria. Samuel Milgram proporcionou uma renda modesta para sua família até sua morte em 1953, sendo que após esse período, sua esposa, Adele, assumiu a responsabilidade sobre a padaria.
Stanley Milgram nasceu na cidade Nova York, em 15 de agosto de 1933, o segundo de três filhos |
Na escola de Ensino Médio James Monroe, na cidade de Nova York, Milgram era membro do "Arista", uma sociedade de honra, e tornou-se editor do "Science Observer", um jornal da escola. Ele também trabalhou na elaboração de roteiros para produções teatrais da escola - uma experiência que ele mais tarde usaria como inspiração em seus experimentos de obediência com a inserção de elementos dramáticos, que os tornavam experimentos emocionantes e realistas para seus respectivos participantes.
Depois de se formar em Ciência Política na Faculdade do Queens, em Nova York, Milgram se candidatou ao programa de PhD, no Departamento de Relações Sociais, da Universidade de Harvard. Porém, ele acabou sendo rejeitado pela instituição visto que não havia cursado nenhum único curso de Psicologia no Queens. No entanto, ele foi incentivado a se inscrever novamente, e acabou sendo aceito, como um "estudante especial", no outono de 1954. Para compensar suas deficiências em cursos de psicologia, ele fez nada menos do que seis cursos de graduação durante o verão em três faculdades da região de Nova York. Seu desempenho no primeiro ano em Havard foi tão bom, que no ano seguinte sua condição foi alterada pra "estudante regular".
Stanley Milgram (à direita) juntamente com outros estudantes na Universidade de Yale, nos Estados Unidos |
Entretanto, quando era necessário, Gordon sabia como pressioná-lo sem provocar sua resistência. Por sua vez, Milgram sempre foi respeitoso com Gordon para seguir seu próprio caminho sem parecer demasiadamente agressivo. Quando chegou o momento de fazer sua dissertação, Milgram pediu para Gordon fosse mentor justamente devido ao seu estilo de mente mais aberta. Em vez de esperar que seus estudantes de doutorado dissertassem sobre um dos seus projetos de pesquisa, Gordon deixava que fossem livres para ir atrás de seus próprios interesses.
Nesses experimentos, um indivíduo, sentado no meio de sete outros, precisava indicar qual das três linhas era igual em comprimento a uma quarta linha. Os outros sete, no entanto, sabiam o que estava acontecendo e seguiam as orientações de Asch. Assim sendo, intencionalmente, eles davam respostas incorretas durante alguns dos ensaios. Solomon Asch descobriu que um indivíduo ingênuo cedia à vontade da maioria, claramente incorreta, cerca de 1/3 das vezes.
Solomon Eliot Asch (à esquerda) ao lado de sua esposa Florence Asch (à direita). Solomon morreu em 20 de fevereiro de 1996. |
Em sua dissertação, Milgram explicou ironicamente as vantagens deste procedimento: "O grupo está sempre disposto a trabalhar no laboratório à conveniência do experimentador, e as personalidades gravadas em fita não exigem o pagamento de royalties para repetirem o experimento." Foi um estudo ambicioso, envolvendo quase 400 indivíduos. No geral, Milgram considerou os noruegueses mais conformados do que os participantes franceses.
Entre 1959 e 1960, Milgram trabalhou para Asch no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, em Nova Jersey, ajudando-o a editar um livro sobre conformidade. Durante seu tempo livre, Milgram escreveu sua dissertação. Diante de sua associação nesse instituto e ao mesmo tempo em Harvard, Milgram considerou Asch para ser sua influência científica mais importante.
No primeiro semestre, Stanley Milgram realizou estudos-piloto sobre a obediência com seus alunos, e iniciou a série formal de experimento no verão de 1961, com o apoio da Fundação Nacional da Ciência |
"Minha verdadeira casa espiritual é a Europa Central, não a França, os países mediterrâneos, a Inglaterra, a Escandinávia ou o norte da Alemanha, mas a área que é limitada pelas cidades de Munique, Viena e Praga... Eu deveria ter nascido falando alemão na comunidade judaica de Praga, em 1922, e morrido em uma câmara de gás cerca de 20 anos depois. Como eu nasci no Hospital do Bronx, nunca vou entender"Durante um período de um ano, Milgram conduziu mais de 20 variações do experimento básico para ver como os aspectos variáveis da situação experimental poderiam alterar a vontade dos indivíduos em obedecer. Quatro dias depois que o último participante de Milgram foi estudado, o governo israelense, após um longo julgamento, enforcou Adolf Eichmann pelo seu papel no assassinato de 6 milhões de judeus. A ação parecia antecipar o importante papel que os experimentos de Milgram viriam a desempenhar nos debates sobre como explicar o comportamento dos perpetradores nazistas.
No outono de 1963, quando os resultados do seu experimento foram tornados públicos, Milgram foi convidado de volta ao departamento de Relações Sociais de Harvard como professor assistente. Porém, ele nunca chegou a exercer tal função em Harvard. Parte da oposição a Milgram veio de colegas, que se sentiam desconfortáveis com ele, atribuindo-lhe certas propriedades negativas a respeito do experimento de obediência.
Ao todo, Milgram passou três anos na Universidade de Yale. Em janeiro de 1961, ele conheceu Alexandra "Sasha" Menkin em uma festa em Manhattan. Depois de um ano de namoro, eles se casaram |
Vale ressaltar nesse ponto, que após os experimentos de obediência, Milgram continuou sendo um pioneiro em termos de pesquisa inventiva. Como exemplo, podemos citar que, em Harvard, ele inventou um método para estudar um efeito chamado de "mundo pequeno" (também conhecido como "seis graus de separação"), algo que não abordaremos nessa postagem. Milgram publicou o primeiro artigo sobre essas descobertas, na primeira edição da revista "Psychology Today", em maio de 1967. Milgram também conduziu um estudo sobre os efeitos da TV sobre o comportamento anti-social, e ajudou a lançar um estudo psicológico sobre a vida urbana com a publicação de seu artigo chamado "The Experience of Living in Cities" ("A Experiência de Viver em Cidades", em português), na revista Science.
Os Procedimentos do "Experimento Milgram": Até que Ponto Você Seria Obediente e Teria Coragem de Machucar ou Matar uma Outra Pessoa?
Fiquem calmos, porque a dinâmica do "Experimento Milgram"é bem simples de ser entendida. O experimento envolvia basicamente três pessoas. A primeira pessoa era apelidada de "experimentador", ou seja, a responsável por supervisionar e estimular que o participante continuasse aplicando choques em outra pessoa. A segunda era o chamado "professor", que era o próprio participante que havia aceitado participar do experimento. Já a terceira era chamado de "aprendiz", que era a pessoa que tomava o choque na sala ao lado.
Apenas o experimentador (E) e o professor (P) ficavam na mesma sala, sendo que o aprendiz (A) ficava nessa sala ao lado completamente isolado e amarrado a uma "cadeira elétrica". O experimentador dizia aos professores, que isso era para garantir que o aprendiz não escapasse conforme fosse aumentada a intensidade dos choques. É muito importante ressaltar que o professor e o aprendiz podiam se comunicar verbalmente, porém não havia nenhum contato visual entre ambos.
Digamos que a primeira palavra fosse "cachorro", então eram lidas quatro palavras: pilha (1), árvore (2), mulher (3) e ovo (4). O aprendiz então apertava o botão correspondente a palavra correta, que ele se lembrasse, é claro, e que formava par com "cachorro". Entenderam? A cada resposta errada o professor tinha que aplicar um choque em uma máquina de choques na sua frente, sendo que começava com cerca de 15 volts até perigosos 450 volts. Cada erro o choque ficava mais forte, sendo que 30 voltagens eram possíveis de serem aplicadas contra o aprendiz.
É muito importante ressaltar que o professor e o aprendiz podiam se comunicar verbalmente, porém não havia nenhum contato visual entre ambos |
1.Por favor, continue.
2.O experimento requer que você continue.
3.É absolutamente essencial que você continue.
4.Você não tem outra escolha, você deve continuar.
Se o indivíduo ainda insistisse em parar após os quatro incentivos verbais, o experimento era interrompido. Caso contrário, era interrompido tão somente após o indivíduo ter dado o choque máximo de 450 volts, por cerca de 3 vezes consecutivas. O experimentador também tinha frases especiais caso o professor fizesse comentários específicos. Se o professor perguntasse se o aprendiz poderia sofrer danos físicos permanentes, o experimentador respondia: "Embora os choques possam ser dolorosos, não há danos permanentes nos tecidos, por isso, continue." Se o professor perguntasse claramente para o aprendiz, se ele desejava que parasse, o experimentador respondia: "Se o aprendiz gosta ou não, você deve continuar até que ele tenha aprendido todos os pares de palavras corretamente, então por favor continue."
DenkProducties, no YouTube onde mostra um trecho da participação de um "professor" chamado Jeroen Busscher (em inglês, mas vale a pena conferir):
Confira também esse outro vídeo, publicado pelo canal BigHistoryNL, onde mostra o comportamento adotado por um outro participante (em inglês, com legendas em alemão, mas vale a pena conferir):
Após sucessivos aumentos de intensidade dos choques aplicados, o aprendiz (lembrando mais uma vez que era tão somente um ator contratado) começava a bater na parede que o separava do participante. Depois de várias vezes batendo na parede, e reclamando sobre sua condição cardíaca, todas as respostas do aprendiz cessavam, ou seja, não havia mais nenhuma resposta. Nesse ponto, muitas pessoas indicaram seu desejo de interromper o experimento e verificar a condição de saúde do aprendiz.
Alguns participantes pararam em 135 volts, e começaram a questionar o propósito do experimento. A maioria continuou após ter certeza, que eles não seriam responsabilizados. Alguns indivíduos começaram a rir de nervoso ou exibir outros sinais de estresse extremo, uma vez que podiam ouvir os gritos de dor provenientes do aprendiz.
Os Resultados do "Experimento Milgram"
Antes de conduzir o experimento, Milgram entrevistou cerca de 14 estudantes do último ano de Psicologia da Universidade de Yale para que pudesse prever o comportamento de 100 hipotéticos "professores". Todos os entrevistados acreditavam que apenas uma fração muito pequena de "professores" (entre 0 a 3 pessoas de um total de 100, perfazendo uma média de 1,2) estaria preparada para aplicar a voltagem máxima de 450 volts.
Milgram também consultou informalmente seus colegas e soube que eles também acreditavam que pouquíssimos participantes iriam continuar além de um choque muito forte. Ele também quis saber a opinião de Chaim Homnick, um renomado professor de Harvard, que observou que esse experimento não seria uma evidência concreta sobre a "inocência dos nazistas", devido ao fato de que "as pessoas pobres têm maior probabilidade de cooperar".
Entretanto, o resultado do experimento, tão logo foi divulgado, chocou a população norte-americana. Na primeira versão do "Experimento de Milgram", 65% (26 de 40) dos participantes tiveram coragem de aplicar o perigoso choque de 450 volts, embora muitos estivessem bem desconfortáveis ao fazê-lo. Em certos momentos, alguns participantes fizeram uma pausa e questionaram o experimento. Alguns também chegaram a dizer que iriam devolver o dinheiro pago para que participassem do experimento.
Tabela mostrando a relação de idade com as ocupações dos participantes da primeira versão do "Experimento Milgram" |
"Os aspectos legais e filosóficos da obediência são de enorme importância, mas dizem muito pouco sobre como a maioria das pessoas se comporta em situações concretas. Eu realizei um experimento simples na Universidade de Yale para testar quanta dor um cidadão comum iria infligir a outra pessoa simplesmente porque foi pedido por um cientista experimental. A autoridade de Stark era confrontada com os mais fortes imperativos morais dos indivíduos (participantes) de não ferir os outros e, com os gritos das vítimas ressoando nos ouvidos dos indivíduos, a autoridade ganhava com mais frequência. A disposição extrema dos adultos para seguir quase todas as extensões de comando de uma autoridade constitui a principal descoberta do estudo, e o fato que demanda mais urgentemente uma explicação.
Pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho, e sem qualquer hostilidade particular de sua parte, podem se tornar agentes em um terrível processo destrutivo. Além disso, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam manifestamente claros, e eles são solicitados a realizar ações incompatíveis com padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade."
Em 1974 que Stanley Milgram tentou explicou o comportamento de seus participantes, sugerindo que, na verdade, as pessoas têm dois estados de comportamento em uma situação social |
- O Estado Autônomo: as pessoas conduzem suas próprias ações, e assumem a responsabilidade pelos resultados dessas ações.
- O Estado "Agêntico": as pessoas permitem que outras pessoas conduzam suas ações e, em seguida, transferem a responsabilidade pelas consequências para a pessoa que lhe dá as ordens. Em outras palavras, eles agem como agentes diante da vontade de outra pessoa.
- A pessoa que lhe dá as ordens é notada como sendo qualificada para conduzir o comportamento de outras pessoas, ou seja, eles são vistos como legítimos;
- É necessário que a pessoa que está sendo comandada seja capaz de acreditar que a autoridade vai aceitar a responsabilidade pelo que acontecer.
Como curiosidade, o simulador de choque original, o mesmo que foi realizado no "Experimento Milgram" e o gravador de sons atualmente se encontra nos "Arquivos da História da Psicologia Americana", na Universidade de Akron, no estado norte-americano de Ohio.
Alguns Arquivos de Áudio Gravados Durante o Experimento Milgram
Abaixo, você pode ouvir alguns dos trechos de áudio que foram extraídos do vídeo que foi feito sobre o "Experimento Milgram". Você pode apertar o botão "play" diretamente a partir dessa postagem, ou alternativamente fazer o download desses trechos e escutar em seu próprio computador.
Primeiro Trecho: Esse é um trecho relativamente mais longo do terceiro participante aplicando choques no aprendiz a ser divulgado, onde é possível ouvir as instruções do experimentador para que ele continuasse. Alternativamente, você pode fazer o download do áudio, clicando aqui.
Segundo Trecho: Um trecho curto onde o aprendiz se recusa a continuar com o experimento. Alternativamente, você pode fazer o download do áudio, clicando aqui.
Terceiro Trecho: O aprendiz começar a reclamar de problemas cardíacos. Alternativamente, você pode fazer o download do áudio, clicando aqui.
Quarto Trecho: É possível ouvir o aprendiz levando um choque e dizendo: "Deixe-me sair daqui. Deixe-me sair, deixe-me sair, deixe-me sair." E assim por diante. Alternativamente, você pode fazer o download do áudio, clicando aqui.
Quinto Trecho: O pesquisador diz que o participante que eles precisam continuar. Alternativamente, você pode fazer o download do áudio, clicando aqui.
As Variações do "Experimento Milgram" Realizadas Pelo Próprio Stanley Milgram, e por Outros Psicólogos ao Redor do Mundo
Posteriormente, Stanley Milgram e outros psicólogos realizaram variações do experimento em diversas partes do mundo, e tiveram resultados bem interessantes. Ao fazer isso, Milgram podia identificar quais fatores afetaram a obediência. No total, 636 participantes foram testados em 24 diferentes variações pelo próprio Stanley Milgram (em seu artigo publicado no Journal of Abnormal Psychology, em 1963). Assim sendo, conheça algumas dessas variações:
- Uniforme: Na linha original de estudo, o experimentador usava um jaleco de laboratório na cor cinza como um símbolo de sua autoridade (uma espécie de uniforme). Milgram realizou uma variação em que o experimentador precisou se ausentar devido a um telefonema bem no início do procedimento. Então, o papel do experimentador foi assumido por um "membro comum do público" (um outro ator) usando roupas do dia a dia, em vez de um jaleco. O nível de obediência caiu para 20%.
- Mudança de Localização: O experimento foi transferido para um conjunto de escritórios em estado de abandono, em vez da imponente Universidade de Yale. A obediência caiu para 47,5%. Isso sugeria que a localização afetava a obediência.
- A Condição de Dois Professores: Quando os participantes podiam instruir um assistente (um outro ator) para pressionar os interruptores, 92.5% das pessoas chegaram até o choque máximo de 450 volts. Quando há menos responsabilidade pessoal aumenta a obediência. Isso se relacionava com a Teoria da Agência de Milgram.
- A Proximidade do Toque: Em uma variação do experimento, o professor tinha que forçar a mão do aluno para baixo em uma placa de choque, quando se recusam a participar após 150 volts. A obediência caiu para 30%. Nesse caso, o participante não era mais impedido ou protegido de ver as consequências de suas ações.
- A Condição de Suporte Social: Dois outros participantes (mais dois outros atores) também eram professores, mas se recusavam a obedecer. O primeiro parava em 150 volts, e o segundo parava em 210 volts. A presença de outros que são vistos desobedecendo uma autoridade fez com que o nível de obediência caísse a 10%.
- A Condição do Experimentador Ausente: É mais fácil resistir às ordens de uma autoridade se elas não estiverem próximas. Quando o experimentador instruía e conduzia o professor por telefone, a partir de uma outra sala, a obediência caiu para 20,5%. Muitos participantes trapacearam não aplicando os choques ou deram choques bem mais leves do que o experimentador pedia.
Capa do livro "Obedience to Authority: An Experimental View" (à esquerda), em contraste com a versão brasileira "Obediência à Autoridade" (à direita) |
Em 2002, o artista britânico Rod Dickinson criou o "The Milgram Re-enactment", uma reconstrução exata de partes do experimento original, incluindo uniformes, iluminação e salas utilizadas. Um plateia assistiu a realização desse experimento por 3h40 através de janelas de vidro com películas espelhadas unidirecionais, ou seja, o público não era visto pelos participantes. O vídeo desse experimento foi exibido pela primeira vez na Galeria CCA, em Glasgow, na Escócia, em 2002.
Em 2002, o artista britânico Rod Dickinson criou o "The Milgram Re-enactment", uma reconstrução exata de partes do experimento original, incluindo uniformes, iluminação e salas utilizadas |
Um plateia assistiu a realização desse experimento por 3h40 através de janelas de vidro com películas espelhadas unidirecionais, ou seja, o público não era visto pelos participantes |
Uma replicação parcial do experimento foi encenada pelo ilusionista britânico Derren Brown e transmitido no Canal 4, do Reino Unido, em uma série chamada "The Heist". Vocês podem conferir essa replicação parcial em um canal de terceiros, no YouTube (em inglês):
Outra replicação parcial do experimento foi conduzida por Jerry M. Burger em 2006, e transmitida pelo canal Primetime, na série "Basic Instincts". Jerry observou, que "os padrões atuais para o tratamento ético dos participantes claramente colocam os estudos de Milgram fora dos limites." Em 2009, Jerry recebeu aprovação do conselho de revisão institucional, modificando vários dos protocolos experimentais.
Jerry encontrou índices de obediência praticamente idênticos aos relatados por Milgram entre 1961 e 1962, mesmo ao cumprir as atuais regras éticas de informar adequadamente os participantes. Vocês pode conferir como foi essa outra replicação parcial do experimento, através de um canal de terceiros, no YouTube (em inglês):
Além disso, metade dos participantes dessa variação eram do sexo feminino, e a taxa de obediência era praticamente idêntica à dos participantes do sexo masculino. Jerry também incluiu uma condição na qual os participantes viram pela primeira vez um outro participante se recusando a continuar. Contudo, os participantes dessa condição obedeciam à mesma taxa que os participantes na condição base.
Em documentário francês chamado "Le Jeu de la Mort", lançado em 2010, os pesquisadores recriaram o "Experimento Milgram" com uma crítica adicional da realidade televisiva, apresentando o cenário como sendo o piloto de um programa (um game show).
O experimento foi realizado no programa "Dateline" da emissora norte-americana NBC, em um episódio transmitido em 25 de abril de 2010.
O Discovery Channel exibiu um segmento chamado "Curiosity: How Evil Are You" ("Curiosidade: O quão você é malvado?", em português), em 30 de outubro de 2011. O episódio foi apresentado por Eli Roth, que produziu resultados semelhantes ao experimento original de Milgram, embora a voltagem mais alta utilizada fosse de 165 volts, ao invés de 450 volts. Vocês podem conferir um trecho desse segmento através de um canal de terceiros, no YouTube:
Devido ao conhecimento cada vez mais difundido do experimento, as replicações precisam garantir que os participantes não estejam previamente cientes do mesmo.
Os Problemas Éticos do "Experimento Milgram": Os Participantes Não Foram Informados Adequadamente Sobre o Real Propósito do Experimento?
O "Experimento Milgram" levantou questões sobre a ética da pesquisa de experimentação científica por causa do estresse emocional extremo e introspecção sofrida pelos participantes. Em sua defesa, Milgram divulgou uma pesquisa onde 84% dos ex-participantes pesquisados posteriormente disseram, que estavam "contentes" ou "muito felizes" por terem participado. Cerca de 15% escolheram respostas neutras, sendo que 92% de todos os ex-participantes responderam a pesquisa. Posteriomente, muitos escreveram para ele, expressando agradecimentos. Milgram recebeu repetidamente ofertas de assistência e pedidos para se juntar ao seu pessoal de ex-participantes. Seis anos depois (no auge da Guerra do Vietnã), um dos participantes do experimento enviou uma carta para Milgram, explicando o porquê ele estava feliz por ter participado, apesar do estresse que sofreu:
"Por mais que eu tenha sido um participante em 1964, e embora eu acreditasse que estivesse machucando alguém, estava totalmente inconsciente do porquê eu estava fazendo isso. Poucas pessoas percebem quando estão agindo de acordo com suas próprias crenças, e quando estão submissamente submetendo-se à autoridade... Permitir-me ser mostrado com a compreensão de que estou submetendo-me à exigência da autoridade de fazer algo muito errado me assustou. Estou totalmente preparado para ir para a prisão, se não me for concedido o status de "Conscientious Objector" ("um indivíduo que reivindica o direito de se recusar a prestar serviço militar"). Na verdade, essa é a única maneira pela qual eu poderia ser fiel ao que acredito. Minha única esperança é que os membros do meu conselho possam agir igualmente de acordo com a consciência deles..."Milgram argumentou em seu livro que a crítica ética provocada por seus experimentos foi porque suas descobertas foram perturbadoras e revelaram verdades não desejadas sobre a natureza humana. Outros argumentaram que o debate ético desviou a atenção de problemas mais sérios com a metodologia do experimento. A psicóloga australiana Gina Perry chegou a encontrar um artigo não publicado nos arquivos de Milgram, que mostra a própria preocupação de Milgram com o quão verdadeiro o experimento foi para os indivíduos envolvidos (comentaremos sobre isso daqui a pouco).
Aplicabilidade ao Holocausto
Milgram desencadeou uma resposta crítica direta na comunidade científica ao afirmar que "um processo psicológico comum estava envolvido no centro de ambos (seus experimentos laboratoriais e eventos da Alemanha nazista)". James Waller, responsável pelos "Estudos do Genocídio e do Holocausto" na Faculdade Estadual do Keene, no estado norte-americano de New Hampshire, expressou a opinião de que os experimentos de Milgram não correspondiam de forma adequada aos eventos do Holocausto:
- De acordo com James Waller, os participantes dos experimentos de Milgram foram assegurados antecipadamente que nenhum dano físico permanente resultaria de suas ações. No entanto, os perpetradores do Holocausto estavam plenamente conscientes sobre seus papéis na matança e mutilação das vítimas;
- Os próprios participantes não conheciam as vítimas e não eram motivados pelo racismo. Por outro lado, os autores do Holocausto exibiram uma intensa desvalorização das vítimas durante toda uma vida de desenvolvimento pessoal;
- Aqueles que aplicavam os choques não eram sádicos, nem propagavam o ódio, e muitas vezes exibiam grande angústia e conflito durante o experimento, ao contrário daqueles que planejaram e executaram a chamada "Solução Final";
- O experimento durou uma hora, sem tempo para os participantes contemplarem as implicações de seu comportamento. Enquanto isso, o Holocausto durou anos com muito tempo disponível para uma avaliação moral de todos os participantes e organizações envolvidas.
"Minha opinião é que a abordagem de Milgram não forneceu uma explicação totalmente adequada do Holocausto. Embora possa muito bem explicar a destruição obediente do burocrata desapaixonado, que pode ter enviado judeus para Auschwitz com o mesmo grau de rotina que as batatas de Bremerhaven. Fica aquém quando se tenta aplicá-lo as atrocidades mais fervorosas, inventivas e motivadas por ódio, que também caracterizaram o Holocausto."
As Acusações de Manipulação de Dados
Após uma investigação do teste, a psicóloga australiana Gina Perry reavaliou os dados de Milgram e declarou que ele manipulou seus resultados. Segundo ela, "no geral, mais de metade desobedeceu". Ela descobriu, ao contrário da versão popular, que existe uma "incômoda incompatibilidade entre as descrições (publicadas) do experimento e evidências do que realmente aconteceu". Ela concluiu que muitos participantes não acreditaram na realidade dos experimentos, que "em algum nível, eles pensaram que poderia ser um truque", e que "é mais verdadeiro dizer que apenas metade das pessoas que participaram do experimento acreditava que o mesmo tivesse sido real. Aliás, 2/3 dessas pessoas, ou seja, cerca de 17% de total, teriam desobedecido ao experimentador.
Sobre a conexão com o Holocausto, Gina Perry escreveu: "Você tem essa nítida analogia (com o Holocausto). Porém, sem esse quadro retórico, os experimentos de Milgram não passam de uma realidade televisiva, vestida de ciência e, uma vez vestida de ciência, você pode vendê-los como sendo algo científico. O quadro retórico é crucial para a sobrevivência dos estudos de obediência."
Após uma investigação do teste, a psicóloga australiana Gina Perry reavaliou os dados de Milgram e declarou que Milgram manipulou seus resultados. Segundo ela, "no geral, mais de metade desobedeceu" |
É importante destacar nesse ponto que, em 1968, os psicólogos Martin Orne e Charles Holland já tinham acusado o estudo de Milgram por falta de "realismo experimental", isso é, os participantes podiam não ter acreditado no cenário experimental em que se encontravam, e que sabiam que o aprendiz não estava recebendo os choques elétricos. Segundo eles, a amostragem de Milgram era tendenciosa:
- Os participantes no estudo de Milgram eram todos do sexo masculino. Os resultados também seriam aplicáveis em relação as mulheres?
- O estudo de Milgram não pode ser visto como algo representativo da população americana, uma vez que sua amostragem foi auto-selecionada. Isso ocorre porque eles se tornaram participantes apenas por responder a um anúncio de jornal (selecionando-se). Eles também podem ter uma típica "personalidade voluntária", visto que nem todos os leitores do jornal responderam.
- No entanto, um total de 636 participantes foram testados em 24 experimentos separados por toda a região de New Haven, que foi visto como sendo razoavelmente representativo de uma típica cidade americana.
Em um artigo publicado por Peter Smith e Rod Bond, em 1998, ambos apontaram que, com exceção da Jordânia (Shanab & Yahya, 1978), a maioria desses estudos tem sido conduzida em culturas ocidentais industrializadas, e que devemos ser cautelosos antes de concluirmos que exista um traço universal de comportamento social.
Interpretações Alternativas do "Experimento Milgram"
Robert Shiller, professor de Economia da Universidade de Yale, argumentou em seu livro chamado "Irrational Exuberance" ("Exuberância Irracional", em português), que outros fatores podem ser capazes de explicar parcialmente os "Experimentos Milgram":
"Pessoas aprenderam quem, quando especialistas dizem que algo está correto, provavelmente está correto, mesmo que não pareça (na verdade, vale a pena notar que, nesse caso, o experimentador estava realmente correto: era certo continuar dando os 'choques', mesmo que a maioria dos participantes não suspeitassem da razão)."
Assista a um trecho desse experimento, em um canal de terceiros, no YouTube:
Outra explicação dos resultados de Milgram invoca a perseverança como a causa subjacente. O que "as pessoas não podem fazer é perceber que uma autoridade aparentemente benevolente é de fato malévola, mesmo quando eles são confrontados com uma evidência esmagadora, que sugira que essa autoridade é, de fato, malévola. Portanto, a causa subjacente para a conduta surpreendente dos participantes poderia muito bem ser conceitual, e não a suposta capacidade do homem de abandonar sua humanidade... uma vez que ele mescla sua personalidade única em em estruturas institucionais maiores."
Esta última explicação recebe um certo apoio de um episódio de 2009, da série da BBC chamada "Horizon", que envolveu a reprodução do "Experimento Milgram". Dos doze participantes, apenas três se recusaram a continuar até o final do experimento. Durante o episódio, o psicólogo social Clifford Stott discutiu a influência que o idealismo da investigação científica tinha sobre os voluntários.
"A influência é ideológica. É sobre o que eles acreditam que a ciência seja, que a ciência seja um produto positivo, que produz resultados benéficos e conhecimentos para a sociedade, que são úteis para a sociedade. Então há essa sensação que a ciência está fornecendo algum tipo de sistema para o bem", destacou Clifford Stott.
Durante o episódio, o psicólogo social Clifford Stott discutiu a influência que o idealismo da investigação científica tinha sobre os voluntários |
No entanto, quando o incentivo enfatiza a importância do experimento para a ciência (isto é, "O experimento requer que você continue"), as pessoas têm maior probabilidade de obedecer. Diante disso, os pesquisadores sugeriram que a perspectiva do "seguimento engajado" representa que as pessoas não estão simplesmente obedecendo às ordens de um líder, mas estão dispostas a continuar o experimento por causa do seu desejo de apoiar os objetivos científicos do líder, e por causa da falta de identificação com o aprendiz.
A Mais Recente Variação do "Experimento Milgram" Realizado em uma das Mais Importantes Universidades da Polônia
Recentemente, mais uma versão do "Experimento Milgram" foi colocada em prática. Aliás, o título do estudo é bem direto nesse sentido: "Would you deliver an electric shock in 2015?" ("Você aplicaria um choque elétrico em 2015?", em português). De acordo com os resultados desse estudo, que replicou o experimento, a resposta é sim. Psicólogos sociais da Universidade de Ciências Sociais e Humanas da Polônia (SWPS), uma das instituições de ensino superior mais importantes e respeitadas na Polônia, reproduziram uma versão moderna do "Experimento Milgram", e encontraram resultados semelhantes aos estudos realizados há mais de 50 anos.
"Nosso objetivo era analisar o quão alto seria o nível de obediência que encontraríamos entre os moradores da Polônia. Deve-se enfatizar que os testes no paradigma de Milgram nunca foram realizados na Europa Central. A história única dos países da região fez com que a questão da obediência à autoridade parecesse excepcionalmente interessante para nós", escreveram os autores.
Por mais que considerações éticas tenham impedido uma replicação completa dos experimentos, os pesquisadores criaram uma configuração similar com níveis mais leves de "choques" para testar o nível de obediência dos participantes. Os pesquisadores recrutaram 80 participantes (40 homens e 40 mulheres), com uma faixa etária de 18 a 69 anos, para o estudo, sendo eles tinham até 10 botões para pressionar, ao contrário dos 30 interruptores do experimento original. De qualquer forma, os resultados mostraram que o nível de obediência dos participantes em relação às instruções é similarmente alto em relação aos estudos originais de Milgram.
"Você precisa saber que na Polônia existe uma longa tradição de pensar que os poloneses são os 'primeiros a lutar', 'resistentes' e 'imunes à persuasão'. Descobrimos que somos exatamente os mesmos", continuou Tomasz Grzyb.
Eles descobriram que 90% das pessoas estavam dispostas a ir para o nível mais alto do experimento. Segundo os autores, vale a pena destacar que, em termos de diferenças entre os povos e a questão entre homens e mulheres, embora o número de pessoas que se recusaram a realizar os comandos do experimentador fosse 3 vezes maior quando a aprendiz era mulher, o pequeno número de participantes não permitia que eles chegassem a quaisquer conclusões nesse sentido.
"O que mostramos em nosso estudo é um papel excepcional de situação e autoridade. Quase todos os participantes declararam um enorme desconforto durante o estudo. Eles queriam recusar, mas simplesmente não conseguiram", destacou.
"O que nosso estudo realmente mostra é que, em algumas circunstâncias, todos nós somos capazes de ferir pessoas inocentes. Isso nos ensina algo: que somos responsáveis por criar mecanismos e regras que não permitam que tais circunstâncias aconteçam", completou.
Tomasz Grzyb ressaltou que apesar da sociedade ter mudado, mais meio século depois do estudo original de Milgram sobre a obediência à autoridade, uma impressionante maioria dos participantes ainda estão dispostos a "eletrocutar um indivíduo desamparado". O estudo foi publicado no periódico "Social Psychological and Personality Science".
Comentários Finais
É difícil não se impressionar com o "Experimento Milgram" mesmo após mais de 50 anos da realização do experimento original e suas respectivas variações. Conscientes ou não do que estavam fazendo, se acreditavam ou não que os choques estivessem realmente sendo aplicados, ele mostra que as pessoas continuavam a aplicar choques acima de 300 volts em uma outra pessoa, que gritava de dor, pedia para parar e até mesmo alegava supostos problemas cardíacos. E ainda assim, ouvindo o desespero e, inclusive, o silêncio absoluto do outro lado, muitos aplicaram cerca de 3 vezes o choque de 450 volts em um corpo que, talvez, já estivesse morto. Evidentemente, era uma simulação, mas se fosse de verdade, 26 pessoas teriam assassinado 26 outras em um mero experimento de laboratório, dentro da respeitada e renomada Universidade de Yale, simplesmente diante do comando de uma pessoa que nunca viram, que usava apenas um jaleco cinza proferindo apenas algumas frases previamente definidas. E se fosse uma autoridade com maior expressividade? E se fosse alguém com uma capacidade muito mais ampla de convencimento e manipulação? E se essa pessoa virasse e falasse que isso era para o seu próprio bem e de suas respectivas famílias? E se oferecessem uma quantia maior do que meros US$ 4,00 mais um trocado para a condução? Apesar desse dinheiro ter mais valor naquela época, esse teria sido o preço de uma vida humana.
Por mais que até hoje exista uma ferrenha discussão sobre o "Experimento Milgram", sua metodologia, seus resultados e toda uma questão ética inerente ao mesmo, é inegável que tantas outras reproduções tenham se deparado com resultados muito semelhantes ou até mesmo superiores em termos de obediência. Apesar de ser necessário analisar caso a caso, ter muita cautela antes de dizermos que o ser humano possui esse padrão mórbido de comportamento, não importando qual seja sua cultura, o panorama é assustador. Não dá para dizer que qualquer pessoa que passa ao nosso lado diariamente nas ruas é um torturador em potencial. Por outro lado, essa é uma sombria possibilidade diante de certas condições de pressão e sugestão. Já em relação a aplicabilidade do "Experimento Milgram" para tentar explicar a ocorrência do Holocausto, vale ressaltar que as raízes deste último são muito mais profundas do que isso. Não dá pra explicar a matança deliberada de milhões de judeus simplesmente diante de uma máquina de choques. Não deixa de ser uma tentativa válida, mas o Holocausto é muito mais complexo e profundo do que isso.
Sinceramente, mesmo após todo esse longo texto detalhando diversos pontos e contrapontos importantes do "Experimento Milgram" fico sem saber exatamente o que pensar. Será que você, que se dispôs a ler tudo isso que pesquisei, escrevi e traduzi seria capaz de prosseguir até o choque de 450 volts? Aliás, você seria capaz de dar um choque, mesmo que leve, de forma deliberada, mesmo com uma outra pessoa gritando de dor do outro lado da sala? E se essa pessoa fosse uma mulher? Quem sabe uma criança ou um idoso? No meio de tantos casos estúpidos e sensacionalistas sobre criaturas fantasiosas, fantasmas e lobisomens, e diante de tantas outras pessoas que insistem em ganhar dinheiro com a desgraça alheia, conhecer esse experimento me fez refletir um pouco mais sobre a vida, e me fez lembrar da parte final do filme "A Menina Que Roubava Livros", onde dizia: "Mas, no fim, não houve palavras. Somente paz. A única verdade que realmente sei é que os seres humanos me assombram."
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
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