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Será Verdade que os Ingleses Mutilavam e Queimavam os Corpos dos Mortos Para Evitar que Ocorresse um "Apocalipse Zumbi"?

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Por Marco Faustino

Sempre que vejo uma notícia fantástica sobre "zumbis" e "vampiros" me lembro daquele texto publicado por uma estagiária da revista Superinteressante, a respeito de um "apocalipse zumbi", que teria ocorrido na Rússia, entre julho ou agosto do ano passado. Vocês lembram daquela história? Por incrível que pareça não havia nenhuma imagem sobre o incidente na Sibéria, sendo que havia apenas uma foto de "zumbis". Além disso, estava escrito que a área do incidente havia sido isolada e toda a população, humana ou animal, que saiu da região estava em quarentena. Ainda segundo o texto, a orientação dos pesquisadores russos era típica dos apocalipses zumbis da ficção: "alerta constante e monitoramento de cemitérios onde vítimas da doença tivessem sido enterradas". Ao menos para mim, que costumava comprar a revista na minha infância e adolescência foi algo no mínimo decepcionante. Então, naquela mesma época fiz uma matéria bem completa mostrando todos os detalhes, e tudo o que vocês precisavam saber sobre aquele assunto. A realidade era um pouco preocupante, mas não era nem um pouco semelhante a ficção, pelo contrário (leia mais: Será Verdade que a Rússia Estaria Enfrentando um "Apocalipse Zumbi" Devido a uma Superbactéria na Sibéria?). Resumindo? Aquilo acabou sendo apenas um prefácio do que estamos acompanhando hoje, ou seja, jornais e revistas dizendo o quão importante é verificar os fatos, e investindo em uma área cuja sondagem e confirmações deveriam ser uma prática habitual. Talvez uma tentativa desesperada de conter um verdadeiro monstro de alienação e sensacionalismo que eles criaram no passado.

Recentemente, também tivemos uma notícia fantástica relacionada ao que ficou conhecido como "Necromante dos Urais", onde uma boa parte da impresa internacional começou a dizer que um homem chamado Arsen Bayrambekova (Арсена Байрамбекова), um ex-policial do Daguestão, teria matado quatro pessoas - todos moradores de rua - durante rituais ocultistas em uma floresta da Rússia com o objetivo de ressuscitá-los e formar um "exército zumbi". Montar o quebra-cabeças daquela história não foi fácil devido a escassez de informações na mídia russa, assim como algumas informações e datas divergentes. Porém, consegui trazer para vocês um conteúdo bem completo, devidamente verificado ao realizar o cruzamento de dados disponíveis, e posteriormente atualizando os desdobramentos em relação ao seu respectivo julgamento. Ao longo do texto, descobrimos que motivação de Arsen não era criar zumbis, mas realizar sacrifícios humanos ao acreditar que seria recompensado financeiramente, ou seja, que os deuses eslavos o tornariam rico. De acordo com as investigações, Arsen Bayrambekova teria encontrado um "professor de ocultismo" na internet, que o ensinou sobre deuses eslavos, e que para se aproximar deles era necessário fazer sacrifícios. Arsen teria dito aos investigadores, que durante as orações para esses deuses, os mesmos pediram por oferendas (leia mais: O "Necromante dos Urais": Homem Matou Moradores de Rua Para Tentar Ressuscitá-los como um "Exército de Zumbis", na Rússia?).

Agora, a mídia britânica está em polvorosa com a publicação de um estudo ontem (3), no periódico Journal of Archaeological Science: Reports, realizado por arqueólogos, que teria revelado que determinadas pessoas da região de Yorkshire, um condado histórico do Norte da Inglaterra e o maior do Reino Unido, teriam tanto medo dos mortos que desmembraram, quebraram e queimaram corpos de pessoas mortas para terem absoluta certeza que elas não voltariam à vida, durante a Idade Média. Esse estudo promovido pela "Historic England" (um órgão executivo público não-departamental do governo britânico subsidiado pelo Departamento de Cultura, Mídia e Desportos) e pela Universidade de Southampton talvez pudesse representar a primeira evidência científica na Inglaterra, em relação a eventuais tentativas de impedir os mortos caminharem novamente, e prejudicar os vivos. Aliás, essa prática seria vista como "algo muito comum" no folclore em diversas partes do mundo. Interessante, não é mesmo? No entanto, será que isso é mesmo verdade? Vamos saber mais sobre esse assunto?

Entenda o Caso: Como Esse Assunto Está Sendo Divulgado Pela Mídia Britânica?


Para vocês terem uma ideia, vem acontecendo um festival de títulos um tanto quanto apelativos em relação a esse assunto. O britânico "Daily Telegraph", por exemplo, destacou a seguinte manchete: "Zombie invasion fears in medieval Yorkshire: Villagers mutilated bones to stop rise of the living dead" ("Medo de invasão zumbi no Yorkshire medieval: Aldeões mutilavam os ossos para evitar a ascenção dos mortos-vivos", em português).

Já o site do jornal Gazette & Herald adotou um tom "mais ameno", porém não menos chamativo em relação a imagem de capa: "How medieval villagers in Wharram Percy in Ryedale fought the walking dead" ("Como os aldeões medievais em Wharram Percy, no distrito de Ryedale, combatiam os mortos-vivos", em português).

O britânico "Daily Telegraph", por exemplo, destacou a seguinte manchete: "Zombie invasion fears in medieval Yorkshire: Villagers mutilated bones to stop rise of the living dead" ("Medo de invasão zumbi no Yorkshire medieval: Aldeões mutilavam os ossos para evitar a ascenção dos mortos-vivos", em português)
Já o site do jornal Gazette & Herald adotou um tom "mais ameno", porém não menos chamativo em relação a imagem de capa: "How medieval villagers in Wharram Percy in Ryedale fought the walking dead" ("Como os aldeões medievais em Wharram Percy, no distrito de Ryedale combatiam os morto-vivos", em português)
E não pense que o Brasil escapou disso, o popularesco site do jornal "Extra" mencionou: "Povo medieval mutilava os mortos para evitar o apocalipse zumbi". Uma vez que muitos de vocês gostam (erroneamente, diga-se de passagem), de se informarem através de sites mais populares, que apresentam os textos mais curtos possíveis e praticamente uma réplica sem qualquer filtro ou verificação do que é publicado, adotei um tom semelhante, porém questionador para não fazer o mesmo que eles. Afinal de contas, não é porque alguém toma a atitude de apelar e enganar os outros, que devo fazer a mesma coisa com vocês, não é mesmo?

Um dos maiores textos e mais ilustrativos sobre o assunto curiosamente foi do britânico "Daily Mail" (DM), que também não escapou da tendência dos títulos chamativos, dizendo: "Archaeologists discover medieval villagers in Yorkshire hacked up dead bodies to prevent them returning as ZOMBIES" ("Arqueólogos descobriram que aldeões medievais em Yorkshire desmembravam cadáveres para impedir que eles voltassem como ZUMBIS", em português). Contudo, por mais incrível que pareça foi um dos poucos lugares que não usaram cenas de zumbis ou do seriado norte-americano "The Walking Dead" para atrair, ainda que de forma questionável, a atenção dos leitores.

De acordo com o texto, os escritores britânicos do século XI em diante teriam começado a mencionar sobre "cadáveres inquietos" ou "revenants" (termo em inglês usado para designar as pessoas que retornariam após a morte ou após uma longa ausência), cujos atos infames durante suas vidas eram indícios que ficariam inquietos ou agitados em seus túmulos. Assim sendo, isso significava que seus corpos voltariam à vida, fosse devido as suas naturezas malignas, fosse devido ao próprio Satanás.

De acordo com o texto, os escritores britânicos do século XI em diante teriam começado a mencionar sobre "cadáveres inquietos" ou "revenants" (termo para designar as pessoas que retornariam após a morte ou após uma longa ausência), cujos atos infames durante suas vidas eram indícios que ficariam inquietos ou agitados em seus túmulos
Qualquer que fosse a explicação, temia-se que eles rastejassem para fora de seus túmulos, espalhassem doenças e atacassem os vivos. Portanto, decapitá-los, quebrar os ossos dos seus corpos ou simplesmente queimá-los eram vistos como uma forma de evitar que eles voltassem a caminhar entre os vivos. Contudo, até hoje ninguém tinha encontrado restos mortais de seres humanos, que pudessem ter sido "descartados" dessa maneira. No entanto, uma equipe da "Historic England" e da Universidade de Southampton, acreditam que encontraram uma boa "evidência arqueológica dessa prática", no Reino Unido.

"A ideia de que os ossos encontrados no antigo vilarejo de Wharram Percy são os restos mortais de cadáveres queimados e desmembrados para impedí-los de caminhar para fora de suas sepulturas, parece ajustar-se melhor às evidências", disse Simon Mays, pertencente a "Historic England".

O Dr. Simon Mays, biólogo especializado em sistema esquelético da "Historic England"
"Se estivermos certos, então essa é a primeira boa evidência arqueológica que temos dessa prática. Ela nos mostra um lado negro das crenças medievais e fornece um lembrete gráfico de como a visão medieval do mundo era diferente da nossa", completou.

Um total de 137 fragmentos de ossos representando os restos mortais de pelo menos dez indivíduos foram enterrados em uma vala no assentamento do sítio arqueológico. Eles datam principalmente entre os séculos XI e XIV d.C (muito embora haja uma diferença considerável).

Imagem mostrando a localização do antigo vilarejo medieval de Wharram Percy em relação a Londres, capital da Inglaterra. Na prática são aproximadamente 350 km de distância (cerca de 4h30 de carro)
Wharram Percy é o mais famoso exemplo de antigo vilarejo medieval que existe na Inglaterra
Os ossos foram escavados no sítio arqueológico nº 12, em Wharram Percy,
relativamente próximo da ruínas de uma igreja local e do cemitério
Os resultados foram publicados ontem, em um artigo da equipe liderada pelo próprio Simon Mays, biólogo especializado em sistema esquelético da "Historic England" , o periódico "Journal of Archaeological Science: Reports". O Dr. Simon Mays disse que a descoberta estava sendo considerada como "única" na Europa Ocidental.

Os únicos restos mortais equivalentes seriam aqueles relacionados a "funerais de vampiros" na Europa Oriental. Por lá, os corpos tinham sido enterrados com estacas no coração ou então com outras precauções, como uma espécie de "foice" colocada em volta do pescoço para impedí-los de retornar como "vampiros".

Imagem aérea do antigo vilarejo medieval de Wharram Percy
As ruínas da Igreja de São Martinho, que fica localizada no antigo vilarejo medieval de Wharram Percy
O Dr. Simon Mays ainda mencionou que não ficou assustado em lidar com os restos mortais, uma vez que ele não acredita no sobrenatural.

"Isso mostra que os povos medievais não eram apenas como os povos modernos usando roupas ou vestidos engraçados. Eles eram diferentes em suas perspectivas, muito estranhas para nós. O mundo era um lugar ameaçador para os povos medievais. Não tendo uma compreensão científica, eles lutaram para chegar a um acordo sobre muitas coisas que temos conhecimento", acrescentou.

Confira também uma espécie de passeio realizado por um usuária do YouTube chamada Rachybop até o antigo vilarejo de Wharram Percy, no Condado de Yorkshire, na Inglaterra (em inglês, sendo que o passeio no local começa a partir de 3:52). Vale a pena conferir mais de perto:



Ele disse que era intrigante que esqueletos de crianças e mulheres tivessem sido encontrados na fossa, uma vez que os textos sobre "revenants" só mencionavam cadáveres masculinos voltando à vida. Ele ainda mencionou que, diante das decapitações e dos atos de queimar os corpos que ocorreram ao longo de centenas de anos, "era estranho que não tivessem encontrado algo assim em qualquer outro lugar"

Parietal direito de um crânio adulto mostrando descoloração térmica que aumenta de intensidade em direção ao vértice,
com alguma exfoliação da lâmina externa
A análise dos dentes - através da medição de isótopos radioativos - apontou que os cadáveres se originaram na própria região, sendo semelhantes aos dos moradores enterrados em um cemitério próximo. De acordo com os autores do estudo, aquelas não eram pessoas desconhecidas ou que morreram em batalhas. Os corpos tinham entre 4 e 50 anos de idade e, além disso, as evidências de queimaduras, marcas de cortes e fraturas "indicavam que eram um produto de mais de um evento, do que necessariamente um único episódio".

"Isótopos de estrôncio em dentes refletem a geologia de que um indivíduo possuía os dentes formados durante a infância", explicou Alistair Pike, professor de Ciências Arqueológicas da Universidade de Southampton, que conduziu a análise isotópica.

Marcas de faca na superfície de um fragmento de costela
Mais marcas de faca na superfície de um fragmento de costela
"Uma combinação entre os isótopos nos dentes, e a geologia em torno de Wharram Percy sugeriu que eles cresceram em uma área próxima de onde foram enterrados, possivelmente no vilarejo. Isso foi uma surpresa para nós, uma vez que primeiramente nos questionamos se esse 'tratamento incomum' dado aos corpos poderia estar relacionado a um distanciamento dessas pessoas ao invés de serem moradores locais", completou.

Existem três marcas de faca quase transversais na superfície do osso (setas pretas),
e sinais de queimaduras (seta brancas)
Vista lateral da parte distal de uma tíbia, mostrando uma fratura em espiral através da diáfise
Para explicar como as pessoas da Idade Média acreditavam na reanimação de corpos, os autores disseram que havia uma crença diante uma "força de vida persistente em indivíduos que cometeram atos malignos, diabólicos, e que projetavam uma forte hostilidade durante a vida ou tiveram uma morte súbita deixando a energia sem ser devidamente utilizada." O autor medieval William de Newburgh chegou a escrever sobre um jovem morto após ter cometido adultério vagando por um vilarejo, que "encheu todas as casas de doenças e morte devido a sua respiração pestilenta."

Um fragmento do eixo do fêmur longitudinalmente dividido.
Foi nesse sentido que o britânico "Independent" mencionou sobre William de Newburgh, o citando como um clérigo de Yorkshire, do século XII, que teria escrito que esse homem teria sido perseguido por cães, enquanto perambulava por vielas e casas, ao mesmo tempo que a população apavorada tentava trancar suas portas. Até que finalmente as pessoas decidiram acabar com a ameaça escavando sua sepultura, mutilando e queimando seus restos mortais. No relato, ao mutilarem os restos mortos desse homem teria jorrado um fluxo de sangue, que até mesmo poderia ser originado de algumas de suas possíveis vítimas. Apesar do medo dos "revenants" (incluindo os que sugam o sangue - que conhecemos atualmente como "vampiros" - e aqueles que atacavam sexualmente as mulheres em seus quartos à noite) ser algo muito comum nos romances populares da mitologia medieval, assim como do Gótico Vitoriano, o mesmo impôs desafios para as autoridades religiosas e civis, que tiveram que lutar politicamente, teologicamente e culturalmente para lidar e conter esses medos voláteis.

Outra possibilidade que os autores exploraram foi se os cadáveres tinham sido desmembrados em um ato de canibalismo durante um período de escassez de alimentos, mediante a extração de tutano dos ossos da coxa e a ingestão de cérebro humano. Porém, segundo o DM, assim como a absoluta maioria dos sites de notícias britânicos, a equipe não teria achado que isso se encaixava diante das evidências. Aliás, muitos sites chegaram a dizer que a hipótese de canibalismo teria sido descartada pelos pesquisadores. No canibalismo, marcas de faca no osso tendem a ser encontradas em torno de grandes ligações musculares ou grandes articulações. Em Wharram Percy, as marcas de faca não estavam nesses locais, mas principalmente na área da cabeça e pescoço.

Escavando um Pouco Mais a Fundo: Será que Estamos Mesmo Diante de Uma Incrível Evidência Sobre o Temor Relacionado aos Mortos-Vivos, na Inglaterra, na Idade Média?


O ponto interessante é que a maioiria dos sites de notícias britânicos passaram a replicar essa mesma informação acima, ou seja, tudo apontava para o temor das pessoas da Idade Média de que os mortos saíssem de seus túmulos e atacassem os vivos, sendo excluída a possibilidade de canibalismo. Porém, será que essa história é exatamente da forma como vem sendo contada? A primeira questão que estranhei foi a publicação e a divulgação desse estudo justamente um dia após o último episódio da sétima temporada do seriado norte-americano "The Walking Dead". Teria sido coincidência? Era hora de escavar um pouco mais a fundo para saber a realidade por trás dessa história.

O site do jornal "The Guardian" chegou a divulgar que somente uma igreja em ruínas, algumas casas rurais e série ondulações no terreno permanecem em Wharram Percy, como uma espécie de lembrança do que um dia foi um próspero vilarejo. O local teria sido amplamente escavado durante o século XX, sendo um dos vilarejos mais bem documentos em relação aos milhares de vilarejos que foram eventualmente abandonados devido à peste, ao despovoamento ou alguma mudança na prática agrícola.

O historiador Maurice Beresford, o arqueólogo John Hurst, estudantes e a família Milner, que morava em uma das casas em Wharram Percy na década de 1950. Beresford e Hurst conduziram um programa altamente influente e inovador de pesquisa e da escavação em Wharram Percy por mais de 50 anos
Arqueólogos escavando o interior da Igreja de São Martinho em 1974. Escavações realizadas na década de 1960 e início da década de 1970 recuperaran mais de 600 esqueletos, revelando muitos detalhes sobre a vida no vilarejo medieval
Os ossos seriam de pelo menos 10 indivíduos com idades entre 2 e 50 anos, incluindo sete adultos, dois deles sendo mulheres e três crianças muito jovens. Esses ossos teriam sido escavados na década de 1960 (no estudo é mencionado entre 1963 e 1964), quando arqueólogos estavam investigando as fundações de uma casa, mas esses mesmos ossos não tinham sido estudados em detalhes até hoje.

Os ossos tinham sido enterrados em três fossas sobrepostas, entre as casas, a certa distância da igreja e do cemitério. Quando os ossos foram encontrados, os arqueólogos acreditavam que provavelmente eram mais antigos do que o vilarejo, e pertenciam aos primeiros colonos romano-britânicos, cujos restos mortais foram profanados e enterrados novamente pelos aldeões.

Concepção artística sobre como era o vilarejo medieval de Wharram Percy
Evidentemente, desconfiado, fui atrás do estudo publicado no periódico "Journal of Archaeological Science: Reports" para saber exatamente o que estava sendo mencionado, e forma com que os pesquisadores chegaram a essa conclusão. No sumário do mesmo, é possível ler o seguinte texto:

"Esse trabalho é um estudo de uma coletânea de restos esqueletais humanos desarticulados de uma fossa na região da vila medieval de Wharram Percy, na Inglaterra. Os restos mortais apresentam evidências de fratura perimortem (no momento da morte ou no período próximo da morte), queimaduras e marcas de uso de ferramentas. O objetivo do estudo é tentar esclarecer a atividade humana que poderia ter produzido essa coletânea. Os restos mortais foram sujeitos a datação por radiocarbono, análise de isótopos de estrôncio, exame osteológico, e microscópico. A coletânea possui 137 ossos que representam os restos mortais substancialmente incompletos de um mínimo de dez indivíduos, variando entre 2 a 4 anos e mais 50 anos de idade, na ocasião de suas mortes. Ambos os sexos estão representados

Dezessete ossos mostram um total de 76 marcas de força aguda perimortem (principalmente marcas de faca). Essas marcas estão confinadas às partes superiores do corpo. Pelo menos 17 ossos mostram evidência de queimaduras de baixa temperatura, e cerca 6 ossos longos apresentam fratura perimortem. As datações do radiocarbono concentram-se entre os séculos XI e XIII d.C. e representam mais de um evento. As análises isotópicas de estrôncio do esmalte dental são consistentes com uma origem local. Possíveis comportamentos que podem ter produzido a coletânea incluem canibalismo devido a fome e esforços para manter os cadávares em seus túmulos."
 
Mais uma concepção artística para tentar retratar a aparência do vilarejo medieval de Wharram Percy
O estudo é bem longo e seria inviável traduzí-lo na íntegra para vocês devido a uma grande complexidade de termos e análises. Portanto, vou focar apenas na conclusão gerada por esse estudo, combinado? Agora, acompanhe o que é mencionado pelos pesquisadores:

"Existem dificuldades consideráveis na interpretação dos restos mortais do complexo de valas em Wharram Percy. A história deposicional (de sedimentação) dos restos mortais é desconhecida. A presença de cerâmica de diferentes datas dentro da vala, sugere que os conteúdos foram redepositados de outro lugar, mas não está claro a razão pela qual os restos mortais acabaram juntos nessa vala em particular, especialmente levando em consideração suas diferentes datas. Os restos mortais são substancialmente menores do que seria esperado de um mínimo de 10 indivíduos; pode ser que os restos mortais desses indivíduos tenham sido eliminados de forma a não deixar qualquer vestígio arqueológico ou então tivessem sido enterrados em alguma parte não escavada do local.

Apesar dessas dificuldades, dois cenários principais podem ser considerados para explicar os restos mortais: o canibalismo e as tentativas de combater a ameaça de cadáveres, que pudessem voltar à vida. O caso do canibalismo é suportado devido a fratura dos ossos longos, o que seria consistente com a extração de tutano, embora, alternativamente, isso poderia representar parte de um espectro de ações destinadas a combater um cadáver que pudesse voltar à vida. O tratamento dado aos restos mortais difere do que foi concedido a animais de tamanho médio utilizados como alimento, em Wharram Percy, algo que pode pesar contra um cenário de canibalismo. As queimaduras observadas podem ser consistentes com a destruição da carne, no caso de tratamento contra 'revenants' ou de cozimento em casos de canibalismo. O padrão relacionado as marcas de facas parecem ser mais consistentes com decapitação e desmembramento, assim como documentado como uma forma de lidar com casos de cadáveres reanimados, mas a relação de equilíbrio entre as idades e o sexo é conflitante com relatos textuais de cadáveres reanimados. A evidência não permite que os argumentos sejam considerados de forma decisiva em favor de um ou outro cenário, mas pode ser mais consistente com tentativas de conter cadáveres reanimados do que canabilismo devido a estagnação de alimentos."

Uma das antigas casas construídas em Wharram Percy, que ainda se encontram no local
Conforme vocês puderam notar, está bem claro na conclusão do estudo, que a evidência não permite que os argumentos sejam considerados de forma decisiva em favor de um ou outro cenário. Aliás, apenas pode (no sentido explícito de "talvez") existir um viés de que o estado dos ossos teria alguma relação com a crença de que os mortos pudessem voltar à vida. Portanto, não podemos dizer que o estudo descartou a hipótese de canibalismo, assim como seria bem prematuro afirmar qualquer outra coisa nesse sentido. Entenderam bem essa questão?

Apesar de existir até mesmo um comunicado de imprensa da Universidade de Southampton usando as mesmas palavras replicadas pela mídia britânica, e uma parte do conteúdo ter saído da agência de notícias "Press Association", as declarações de Simon Mays aparentemente são unilaterais e não condizem totalmente com a conclusão do estudo. Existe muita dificuldade em interpretar corretamente o que estamos vendo, ainda que sejam utilizadas inúmeras referências, fontes e análises para embasar o estudo.

Por falar nesse estudo, o mesmo foi recebido em 30 de novembro do ano passado, revisado em 13 de fevereiro desse ano, aceito no dia 20 do mesmo mês e disponibilizado online no dia 2 de abril, justamente um dia após o episódio final da sétima temporada de "The Walking Dead". Acredito, que isso possa ter sido coincidência, mas em um mundo cada vez mais viral, infelizmente isso acaba soando como um espirro. De qualquer forma, esperamos, é claro, que outros estudos sejam feitos nesse sentido, e que possam esclarecer melhor essa questão, para que casos assim possam ser divulgados da maneira mais correta possível.

Até a próxima, AssombradOs!

Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino

Fontes:
http://www.bbc.co.uk/news/uk-england-york-north-yorkshire-39477005
http://www.dailymail.co.uk/news/article-4373608/Medieval-villagers-dismembered-corpses-prevent-Zombies.html
http://www.gazetteherald.co.uk/news/15199317.How_medieval_residents_in_Ryedale_fought_the_walking_dead/

http://www.independent.co.uk/news/science/archaeology/archaeology-scientists-find-medieval-remains-english-vampires-yorkshire-wharram-percy-a7663121.html
http://www.inquisitr.com/4114265/medieval-zombie-threat-and-what-villagers-did-about-it/
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2352409X1630791X
http://www.telegraph.co.uk/science/2017/04/02/zombie-invasion-fears-medieval-yorkshire-villagers-mutilated/
https://www.eurekalert.org/pub_releases/2017-04/uos-nae040317.php
https://www.journals.elsevier.com/journal-of-archaeological-science-reports/recent-articles
https://www.theguardian.com/science/2017/apr/03/medieval-villagers-mutilated-the-dead-to-stop-them-rising-study-finds

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