Por Marco Faustino
No início de dezembro do ano passado, trouxe ao conhecimento de vocês a história inacreditável e emocionante de um morador de uma cidadezinha chamada Azusa, localizada no Vale de São Gabriel, no Condado de Los Angeles, no estado norte-americano da Califórnia. Nessa cidade, que fica localizada a 37 km a leste de Los Angeles, você encontrará um homem chamado Mohamed Bzeek. Ele é muçulmano, imigrante e a única pessoa entre 10 milhões de habitantes, que moram no referido condado, que fornece amor, carinho, paz e tranquilidade em um lar adotivo para crianças em estado terminal. Crianças cujos pais as abandonaram, e lares que não foram capazes de cuidar de pequenos seres humanos, que muitas vezes encerram suas jornadas nas mãos de Mohamed. Crianças que não terão muito tempo de vida. Crianças que tocam e seguram os seus dedos tentando entender o que está acontecendo com elas, e muitas vezes sequer conseguem expressar o que estão sentindo. Mohamed convive diariamente entre a vida, a morte e o amor, sendo que ele faz isso há mais de 20 anos. Em tempos de tanta intolerância, de tantas mentiras, e de tanta dor disseminada pelo mundo, achei importante trazer essa história para vocês. Sinceramente, foi uma honra e um privilégio poder contar a história de Mohamed, em um texto que me sensibilizou muito e que, com certeza, também deve ter sensibilizado muitos daqueles que acompanham o meu trabalho, sempre pautado pela ética, pela qualidade da pesquisa, pelo profissionalismo e, principalmente, pelo compromisso e seriedade com o leitor (leia mais: Conheça Mohamed Bzeek: A Incrível e Emocionante História do Homem que Adota Crianças em Estado Terminal, nos Estados Unidos!).
Agora, eis que me deparei com uma história extraordinária e relativamente simples de ser contada. Há cinco anos, um compassivo policial de Xangai assumiu o papel de um "filho" para ajudar a confortar um casal de idosos, que ele nunca havia conhecido antes. O casal havia perdido o próprio filho mais velho, em um trágico incidente há 15 anos, e a aparência similar do policial ajudou a confortá-los. Voltando rapidamente no tempo, mais precisamente em 2003, uma mulher chamada Liang Qiaoying e seu filho mais velho, Liang Yu, moradores da província de Shanxi, no norte da China, teriam sido expostos a um vazamento de gás. A mulher sobreviveu, mas o filho dela não. Liang Qiaoying, uma ex-professora, acabou ficando paraplégica, e sofreu danos cerebrais, resultando em uma severa perda de memória. Seu marido, Xia Zhanhai, não teve coragem de contar para ela a verdade sobre a morte do filho. Em vez disso, sempre que sua esposa pedia para ver Liang Yu, ele dizia que o filho tinha ido trabalhar em outra cidade. Porém, um belo dia, Xia Zhanhai encontrou um homem muito parecido com seu filho na TV. Foi a partir desse momento, que uma verdadeira saga resultaria em uma assombrosa história de compaixão. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Entenda o Caso: A História do Policial que Finge ser o Filho Morto de um Casal há 5 Anos!
Conforme dissemos anteriormente, no ano de 2003, uma mulher chamada Liang Qiaoying e seu filho mais velho, Liang Yu, teriam sofrido uma intoxicação por gás devido a um vazamento em uma fábrica, que a própria família possuía. Não há maiores detalhes sobre o que realmente teria acontecido em 2003, e nem mesmo se houve alguma outra vítima fatal, além de Liang Yu, é claro, mas aparentemente o jovem rapaz foi a única vítima de uma tragédia, que devastaria uma humilde família do condado de Luliang, na província de Shanxi, que fica localizada a 680 km a sudoeste de Pequim, a capital da China.
Região central do condado de Luliang, na província de Shanxi, que fica localizada a 680 km a sudoeste de Pequim, a capital da China, em 2013. |
Para evitar que a esposa sofresse ainda mais, Xia não teve coragem de lhe contar a verdade. Em vez de dizer para a esposa, que o filho havia morrido, Xia decidiu dizer que o filho estava trabalhando em outra cidade, e que infelizmente não tinha tempo para visitá-los. Liang Yu nunca mais voltaria para casa, mas a esposa não sabia disso.
Imagem mostrando a casa onde Liang Qiaoying mora com seu marido Xia Zhanhai. |
Na época do ocorrido, Xia acabou fechando a fábrica, e transformou a residência da família em uma espécie de albergue, para que ele pudesse ficar por mais tempo em casa, e se dedicar quase integralmente a sua esposa. Atualmente, seu filho mais novo está casado e tem dois filhos, ou seja, Liang Qiaoying e Xia Zhanhai já são avós. Porém, muito antes que filho mais novo pudesse trazer alegria de volta para a casa dos seus pais, algo muito inusitado aconteceu.
Quando a cidade de Xangai recebeu a "Expo 2010", uma exposição de caráter mundial, que foi realizada em ambas as margens do rio Huangpu, entre os dias 1º de maio e 31 de outubro de 2010, Xia se deparou com um oficial de polícia da cidade de Xangai, que estava falando sobre o trabalho da polícia em um programa de televisão da referida cidade. No entanto, não foi o árduo trabalho policial, que lhe chamou a atenção, mas a incrível semelhança do policial com seu falecido filho. Xia disse que ficou em estado de choque ao vê-lo na TV, incrédulo diante de tal semelhança. Talvez, devido ao impacto de ver alguém tão parecido com seu filho, Xia esqueceu da anotar o nome do policial, e tudo o que ele sabia, é que o policial estava trabalhando em Pudong, um distrito de Xangai.
Infelizmente, sua jornada não lhe rendeu frutos, ou seja, ele não conseguiu descobrir por maiores informações. Embora, Xangai estivesse a uma distância de 1.500 km de Luliang, onde Xia morava, isso não o impediu de continuar procurando por informações sobre o policial.
Uma antiga foto de família onde Liang Yu (o segundo da esquerda para direita) aparece ao lado de seu irmão mais novo, do seu pai, Xia Zhanhai, e da sua mãe Liang Qiaoying. |
A semelhança entre Liang Yu (à esquerda) e o policial Jiang Jingwei (à direita). |
Quando a produção do programa enviou fotos do filho mais velho de Xia Zhanhai para o Departamento de Segurança Pública de Xangai, não se esperava que a polícia pudesse encontrar o policial misterioso tão rapidamente. O motivo? O distrito de Pudong possuía mais de 7.000 policiais naquela época. Contudo, pouco tempo depois, o departamento de polícia enviou fotos de um policial chamado Jiang Jingwei para a emissora de TV. Jiang Jingwei era mesmo o policial que Xia Zhanhai tanto procurava.
"Minha mãe foi contra a ideia no início, mas depois concordamos que, se fosse realmente necessário, eu faria isso", continuou.
Quando "mãe" e "filho" se encontraram, Liang pode sentir a profunda tristeza e a dor de uma mãe, que sentia falta de seu filho. Quando ela o chamou de "Xiaoyu", ele apenas acenou a cabeça, e se comportou como se fosse seu verdadeiro filho. Para tentar eliminar eventuais dúvidas sobre a verdadeira identidade de Jiang, e reduzir os potenciais problemas do arriscado plano, o apresentador do programa explicou para Liang Qiaoying, que seu "filho" estava trabalhando longe de casa há tantos anos, que seu sotaque havia mudado muito. Além disso, ela foi informada, que ele estava trabalhando para uma unidade especial de segurança, razão pela qual ele não podia voltar para casa com tanta frequência.
Enquanto Jiang se curvava para dar-lhe um abraço, ele também não resistiu e ficou visivelmente emocionado, assim como centenas de milhares de telespectadores. |
Além disso, ela foi informada, que ele estava trabalhando para uma unidade especial de segurança, razão pela qual ele não podia voltar para casa com tanta frequência. |
"Na noite seguinte ao programa, ela dormiu feito um bebê por mais de oito horas. Anteriormente, ela tinha muitos problemas para dormir", disse Xia. Além disso, a esposa teria se tornado muito mais feliz, ativa e confiante, algo que também não acontecia anteriormente.
Entretanto, quando Jiang Jingwei enviou um "envelope vermelho" para o casal, como uma espécie de presente em relação ao "Ano Novo Chinês", Xia se recusou a aceitá-lo. Vale lembrar nesse ponto, que os chamados "envelopes vermelhos" são considerados presentes, os quais tradicionalmente contém notas de dinheiro e são distribuídos em ocasiões especiais. Resumindo, Xia não aceitou dinheiro por parte de Jiang, visto que o bem que ele fazia a sua esposa não tinha preço.
Jiang e Xia muitas vezes se comunicam por telefone ou por chamadas de vídeo |
Eles se veem como uma verdadeira família atualmente. |
Ao fazer uma pesquisa um pouco mais ampla sobre esse caso, ou seja, além do que comumente muitos de vocês teriam acesso por parte de sites de curiosidades ou afins, acabei lendo algumas coisas, que servem como uma espécie de "alerta vermelho". Aparentemente, o "Chinese Dream Show" funciona de forma bem parecida com alguns programas que temos aqui no Brasil. Digamos que uma pessoa tenha um sonho, mas, como nada é de graça, existem certas condições para que o programa realize o mesmo, assim como executar uma perfomance artística por parte do participante e, se a plateia gostar, o sonho será realizado. O programa "Chinese Dream Show" passou por uma série de mudanças nas regras desde que foi criado, em 2011. No início bastava 2/3 dos votos de uma plateia de 200 pessoas, porém com o tempo chegou a ser necessário 90% dos votos de 270 pessoas. Ao longo do tempo, o programa também contou com a participação de celebridades locais, empresas, entidades assistenciais etc. De qualquer forma, o programa existe até hoje.
Assim como boa parte dos "reality shows", ainda mais de cunho assistencialista, o mesmo acabou sendo alvo de polêmicas. No quarto episódio da quarta temporada, um participante chamado Wu Xiaolei alegou que era operador de empilhadeira. Porém, posteriormente, usuários da rede social chinesa Sina Weibo (semelhante ao Twitter) descobriram que Wu tinha mentido sobre sua identidade e preenchido o cadastro com informações falsas. O programa foi obrigado a vetar sua participação depois da polêmica. No fim da terceira temporada, por exemplo, um casal da província de Jilin ganhou uma categoria chamada de "O Sonho Mais Popular". O sonho do casal era abrir um restaurante para vender seus noodles caseiros (macarrão). Novamente, usuários da rede Sina Weibo descobriram que o casal não tinha conseguido abrir seu restaurante, tinham feito apenas uma espécie de figuração no programa. Em 2013, também teria havido uma polêmica entre os apresentadores do programa em relação a audiência. Enfim, particularmente, prefiro acreditar que o caso apresentado envolvendo a senhora Liang Qiaoying seja mesmo verdadeiro. Por outro lado, será que tudo o que aconteceu foi realmente ético? Esse é um assunto para os meus comentários finais.
Comentários Finais
Devido a clara barreira idiomática, e a dificuldade natural de realizar uma pesquisa mais aprofundada em um país como a China, é difícil saber o que realmente aconteceu com Liang Qiaoying. Sabemos apenas, que ela ficou paraplégica e sofreu problemas de memória após um incidente envolvendo o que chamaram de "envenenamento" ou "intoxicação" por gás. Também é difícil julgar o comportamento do marido, Xia Zhanhai, porque não sabemos o que ele passou durante sete anos ao cuidar de sua esposa e, ao mesmo tempo, ter que lidar com o luto de perder um filho. Dependendo do estado de saúde de Liang, saber da verdade, ou seja, que seu filho mais velho havia morrido, talvez em virtude de uma negligência da própria família diante das condições da fábrica que possuíam, piorasse consideravelmente sua tentativa de recuperação. Contudo, Xia provavelmente teve inúmeras oportunidades ao longo do tempo para contar a verdade para sua esposa e, ainda assim, não o fez. A princípio, podemos ver isso como um ato de amor, generosidade e preocupação, porém Liang sofreu diversos danos cerebrais, perdeu sua mobilidade, e boa parte de quem realmente era quando professora. Se Liang tivesse apenas esquecido o que aconteceu durante o incidente, pudesse realmente voltar a caminhar, dialogar normalmente com as pessoas de sua comunidade e realizar pesquisas no celular ou em um computador, será que Xia realmente seguiria em frente com seu plano? Estamos em um mundo globalizado. Se você consegue saber de uma notícia que acontece na China, alguém nesse momento pode estar lendo sobre algo aqui no Brasil.
Liang não é uma mulher livre, não possui liberdades como muitos de nós temos. Ela precisa do marido para se fazer fisioterapia, para se alimentar, ir ao banheiro, tomar banho etc. Sabemos que são um casal, mas, ainda assim, ela não tem algo muito precioso: privacidade. Necessariamente, gostando ou não, ela precisa de cuidados diários e, aparentemente, uma das poucas coisas que a fazia lutar pela vida era a esperança de rever seu filho. E foi justamente nesse ponto que, mesmo diante das melhores intenções do mundo, Xia tirou a última liberdade que Liang tinha: saber a verdade sobre seu filho. Xia tirou o poder de escolha de Liang, a privou do luto, de orar pelo seu filho, de visitar seu túmulo, de ter o conforto e o abraço de familiares. Mesmo diante da dor, Liang poderia ter criado forças para se dedicar ao seu filho mais novo e aos seus netos e, quem sabe, seu estado de saúde fosse ainda melhor hoje em dia, perante seus esforços de conseguir ser uma boa mãe e uma avó ainda melhor. Em vez disso, a vida e a dor de Liang se tornou um espetáculo televisivo, onde a mentira foi exaltada como a única e a melhor forma de lidar com a perda de um filho. Acabamos sendo compelidos a compartilhar de sua dor, de entender que sua saúde melhorou após considerar um estranho como se fosse seu filho. Somos compelidos a acreditar que, se não fosse o esforço do marido e de um programa de TV, que faz da mazela da população seu sustento diante de uma sombria equação envolvendo audiência e patrocinadores, que Liang jamais voltaria a sorrir. Porém, convido a vocês a reverem o curto trecho de vídeo do momento que Liang encontra o policial. Ela não o reconhece imediatamente como filho. Talvez, naturalmente, se estivesse passando ao seu lado na rua, não o reconhecesse, mas logo atrás dela vemos seu filho mais novo, juntamente com os netos de Liang, provavelmente lhe dizendo que aquele homem era mesmo seu filho mais velho: o filho que foi cremado ou enterrado há 10 anos. Liang, assim como você, que se sensibilizou com essa história, também foi compelida a aceitar a situação como verdadeira.
Esse é o principal problema, quando assumimos que a mentira é a melhor e definitiva escolha para uma determinada situação: acreditar que os fins ainda justificam os meios. Isso acaba sepultando não somente a verdade ou a realidade sobre uma determinada história, mas o poder de reflexão de quem assiste. Alguém, por exemplo, pensou que durante sete anos Liang poderia estar querendo apenas saber onde estava seu filho, se estava realmente vivo, e se estava bem de saúde? Liang poderia estar querendo um simples desfecho para a agonia de não poder ver alguém que tanto amava. Será mesmo que, durante sete anos, ela não pensou em nenhum momento que ele estivesse morto, mas seu marido ainda assim insistia que o filho estava bem, e em outra cidade? Todos compactuaram do mesmo plano, e a sofrida vida de uma pessoa se tornou um espetáculo perante uma plateia, sendo que até mesmo o choro de outras pessoas presentes parecia, de certa forma, artificial. Muitos podem alegar que Liang melhorou de saúde depois de encontrar seu "filho", porém se esquecem que isso funcionou com uma espécie de desfecho em sua cabeça, ou seja, finalmente ela podia dormir em paz ao ter a certeza do que tinha acontecido com seu filho. Ao final, Liang Yu, o filho verdadeiro de uma mãe, cujo amor sempre foi verdadeiro, nunca receberá uma única visita dela no cemitério ou uma oração perante a uma urna funerária ou em um templo religioso. Quando uma mentira morre, leva consigo os malfeitores e os desonestos. Porém, quando a verdade morre, leva consigo uma parte de todos nós.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://europe.chinadaily.com.cn/a/201801/18/WS5a607d05a3106e7dcc13520d.html
http://www.odditycentral.com/news/kindhearted-cop-pretends-to-be-couples-dead-son-for-5-years-to-comfort-mother-with-memory-loss.html
http://www.sangbe.com/article/184152.html
https://nextshark.com/shanghai-policeman-helps-mother-cope/
https://www.pearvideo.com/video_1239358
https://www.shine.cn/news/metro/1712107618/