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As Mulheres São Mais Facilmente Possuídas? Os Medos e as Ameaças Contra Mulheres Responsáveis Por Crematórios, na Índia!

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Por Marco Faustino

Para muitas pessoas e sociedades ao redor do mundo, a morte continua sendo uma espécie de tabu. Lembro que em agosto do ano passado fiz um "Minuto AssombradO" sobre as águas da piscina de um centro esportivo da cidade de Redditch, que fica a cerca de 185 km a nordeste de Londres, capital da Inglaterra, que eram aquecidas por um crematório local. Em 2011, o governo local tentou aprovar a construção de uma piscina pública, integrada a um novo centro esportivo, que passaria a ser aquecida pelo calor de um forno crematório, vizinho do local. A ideia era simplesmente transportar o calor gerado pela incineração, que atinge uma temperatura de 800ºC, através de canos, ao invés de simplesmente ser liberado na atmosfera por uma chaminé. Na época, essa proposta surgiu tendo como objetivo economizar o equivalente a R$ 38.000 por ano com energia elétrica. Isso representava cerca de 40% do valor gasto pelo centro esportivo. Nem todo mundo, é claro, gostou dessa proposta. Simon Thomas, de uma funerária local chamada "Thomas Brothers Funeral", chegou a classificar o projeto de estranho, assustador e doentio. Ele não se sentia confortável em economizar dinheiro em benefício da morte de algum membro da família ou amigos. Aliás, para ele toda essa história seria um fracasso, e a piscina seria rejeitada pela população. Após muita discussão o projeto saiu do papel em 2013, e desde então tem gerado uma economia e um benefício significativo para a população local.

Naquela época, ou seja, em agosto do ano passado, o caso foi relembrado pela dramaturga Camila Appel, do blog "A Morte Sem Tabu", do site do jornal "Folha de S. Paulo", que tinha entrevistado Richard Boyd, do Conselho da Cidade de Redditch. Ele disse que a ideia de usar o calor de crematórios para aquecer prédios no Reino Unido era bem popular, porém ele afirmou ser o primeiro centro esportivo a colocá-la em prática. Ele também usava outras formas de economia de energia, como luz de baixo gasto energético e painéis solares. A iniciativa recebeu o prêmio nacional de meio ambiente "Green Apple Environment Award", em maio de 2013, uma premiação que se propõe a valorizar práticas de impacto positivo. Segundo Camila Appel, esse pensamento poderia ser expandido, porque não são apenas piscinas que podem se beneficiar do calor de crematórios. Em Oslo, por exemplo, a dona de um crematório chamado "Alfaset", teria oferecido usar o calor de seus fornos para alimentar o sistema de aquecimento público da cidade e esquentar casas. Com o argumento de empecilhos éticos e práticos, sua oferta acabou sendo recusada. Enfim, apesar do tema ainda ser um tabu para muitos, ele nos leva a uma profunda reflexão para compreendermos melhor a morte. Será que dentro das águas aquecidas pelo calor daqueles que já se foram, não poderia nascer a esperança de um dia melhor para alguém? É um caso a se pensar, não é mesmo?

Entretanto, na Índia existe uma situação muito peculiar, visto que os crematórios são predominantemente administrados por homens. Vocês podem até pensar que não haja nenhum interesse de mulheres nesse trabalho ou que por exigir um esforço físico maior nessa profissão, por assim dizer, não tenha muita preferência entre as mulheres. A questão é muito além disso, visto que as mulheres não são, digamos, "bem-vindas" dentro dos crematórios. A razão para isso? Bem, a absoluta maioria das pessoas, principalmente homens, dizem que as mulheres são mais facilmente possuídas por espíritos dos mortos, que vagam por até 10 dias em nosso plano, do que homens. Muitos acreditam que os espíritos mais pertubados possuem uma maior atração por mulheres do que pelos homens, porque simplesmente as mulheres menstruam. Imagino que isso deve estar soando quase surreal para vocês, mas a história não para por aí. Em 2013, duas mulheres - Esther Shanthi e Praveena Solomon - assumiram a administração de um crematório de 120 anos, em Chennai, na Índia. Desde então, ambas vêm sofrendo uma rotina de ameaças e ofensas verbais, mas também conquistando cada vez mais espaço em uma área dominada pelos homens. Vamos saber mais sobre esse assunto?

Entenda a Situação: As Primeiras Informações Sobre o Trabalho de Esther Shanthi e Praveena Solomon


Foi através de um pequeno texto publicado no site do jornal "Deccan Chronicle", em setembro de 2014, que o mundo começou a conhecer o trabalho de Esther Shanthi e Praveena Solomon que, ao contrário de outras mulheres da cidade de Chennai, capital do estado de Tamil Nadu, na Índia, tinham a tarefa de gerenciar uma longa fila de corpos e supervisionar as cremações. Ambas trabalhavam como administradoras do crematório Velankadu, que possui cerca de 120 anos de idade, em Anna Nagar, um movimentado bairro da cidade de Chennai. Aliás, o cemitério e crematório ocupam uma área de aproximadamente 18.000 m².

O Crematório Velankadu possui cerca de 120 anos de idade, e está localizado em Anna Nagar, um movimentado bairro da cidade de Chennai. Aliás, o cemitério e crematório ocupam uma área de aproximadamente 18.000 m²
Imagem do Google Maps mostrando a localização do Crematório Velankadu em relação a cidade de Chennai
É interessante ressaltar nesse ponto, que a cidade de Chennai, anteriormente conhecida como "Madras", é um dos maiores centros culturais, econômicos e educacionais na região Sul da Índia. De acordo com o último censo realizado em 2011, a cidade contava com pouco mais de 7 milhões de habitantes, que a tornavam a quarta aglomeração urbana mais populosa da Índia, com um território que lhe atribuía o título de sexta maior cidade do país.

Além disso, uma pesquisa sobre qualidade de vida divulgada no ano passado, colocou a cidade como sendo a mais segura para se morar na Índia, porém, em termos globais, ela ocupou apenas 113ª posição. Por outro lado, não podemos nos esquecer, é claro, que as tradições, religiões e crenças ainda falam muito alto na Índia, assim como você verá no decorrer dessa postagem.

Imagem do Google Maps mostrando a localização de Chennai em relação a Índia
e alguns países do Sudeste Asiático
Chennai, anteriormente conhecida como "Madras", é um dos maiores centros culturais, econômicos e educacionais na região Sul da Índia. De acordo com o último censo realizado em 2011, a cidade contava com pouco mais de 7 milhões de habitantes, que a tornavam a quarta aglomeração urbana mais populosa da Índia, com um território que lhe atribuía o título de sexta maior cidade do país
Shanthi e Praveena trabalham para uma ONG, a ICWO ("Indian Community Welfare Organization" ou "Organização em Prol do Bem-Estar da Comunidade Indiana", em português), que mantém o centro funerário em parceria com a Cooporação Chennai, uma das mais antigas instituições municipais da Índia, criada em 29 de setembro de 1688. No texto é mencionado, que seis meses antes, em março de 2014, as duas tinham assumido o cargo sabendo muito bem que iriam se deparar com dezenas de problemas a cada semana, mas permaneceram firmes diante da decisão de quebrar um estigma social.

No começo, Shanthi disse que até mesmo uma pequena vibração na janela fazia seu coração disparar, mas a determinação da dupla em permanecer no trabalho fez com que elas mesmas cavassem manualmente a terra para enterrar um corpo.

"Três meses depois que passamos a administrar o local, os homens, que costumavam cavar a terra para a realização dos enterros, foram transferidos e ficamos sozinhas quando o corpo de uma criança chegou para ser enterrado", disse Esther Shanthi. O momento foi crítico, mas as duas não recusaram o corpo.

Shanthi (à direita) e Praveena (à esquerda) estavam trabalhando para uma ONG, a ICWO ("Indian Community Welfare Organization" ou "Organização em Prol do Bem-Estar da Comunidade Indiana", em português), que mantém o centro funerário em parceria com a Cooporação Chennai, uma das mais antigas instituições municipais da Índia
"Em vez disso, pegamos a pá e fomos cavar. Desenterramos partes de crânios e ossos, enquanto cavávamos, mas finalizamos o enterro com sucesso. Isso aumentou nossa confiança em permanecer nesse trabalho", continuou.

Voltando ao mês de setembro de 2014, foi mencionado que essa fase tinha passado e elas já contavam com 10 pessoas para ajudá-las. Esther Shanthi e Praveena Solomon passaram a coordernar pelo menos sete cremações diárias e a supervisionar todo o processo. A jornada de Praveena em se tornar supervisora de um crematório foi surpreendentemente fácil, uma vez que sua família estava contente diante do seu trabalho. O mesmo não se podia dizer sobre Shanthi, que teve que esconder no que estava envolvida para o seu marido, cerca de um mês após estar trabalhando no crematório. Confira também um vídeo sobre o trabalho dessas duas mulheres, que foi publicado no canal "Tamil The Hindu", no YouTube, em março de 2015 (em hindi, mas vale a pena acompanhar alguns trechos):



"Entretanto, temos mais problemas para resolver do que nossos próprios problemas ou das nossas famílias. Nós lidamos com pessoas que chegam embriagadas para a cremação, e outras que se reúnem em grupos aqui para consumir álcool", disse Praveena, que saía do trabalho por volta das 20h. Depois desse horário ela e sua amiga se transformavam em mães carinhosas para com seus filhos.

O Aumento do Interesse Por Parte da Mídia Indiana e Internacional


Muito pouco se falou sobre ambas naquele ano e no ano seguinte. Porém, no ano passado, o trabalho de Esther Shanthi e Praveena Solomon ganhou novamente destaque na mídia indiana e internacional. Em julho do ano passado, o site do jornal Hidustian Times, publicou que, quando Praveena Solomon decidiu gerenciar o crematório de Velankadu, dois anos antes, a resposta pública não tinha sido nada agradável.

"Os moradores locais eram hostis a ideia de uma mulher ser a responsável por um enterro. Assim sendo, o local parecia um depósito de lixo. O cheiro de urina no portão de entrada era insuportável. Particularmente difícil, foram os seis primeiros meses. Pensava constantemente que deveria voltar para casa", disse Praveena Solomon.

Em julho do ano passado, o site do jornal Hidustian Times, publicou que, quando Praveena Solomon (à direita) decidiu gerenciar o crematório de Velankadu, dois anos antes, a resposta pública não tinha sido nada agradável
Aliás, o texto informava que Praveena tinha dois filhos, era formada em Literatura Inglesa pela Universidade de Madras, e já trabalhava com a ICWO há cerca de 15 anos. Antes de assumir a administração do crematório Velankadu, Praveena trabalhava para educar crianças carentes e, posteriormente, "profissionais do sexo". Ela tinha sido introduzida ao trabalho social por sua mãe, que trabalhou juntamente com Sarojini Varadappan, uma conhecida assistente social na Índia, mas que faleceu em outubro de 2013, com 92 anos de idade.

"Decidi trabalhar com essa ONG, porque eu vi um artigo sobre seu trabalho. Eu queria ajudar. Vivenciei um monte de coisas novas, graças a isso", continuou. Tudo isso mudou justamente em março de 2014, quando a ICWO foi nomeada para administrar um dos 38 cemitérios da Coorporação Chennai, na cidade. Essa mudança, no entanto, deixou um certo ressentimento por parte de alguns antigos funcionários.

Praveena Solomon (à direita), ao lado de sua assistente, Divya Raju (à esquerda)
"Alguns deles chegaram a nos ameaçar, dizendo que iriam jogar ácido no meu rosto. Não tínhamos o apoio da população local. As pessoas ficavam indignadas ao ver uma mulher cuidando dessas questões", acrescentou. Eventualmente, ela conseguiu conquistar o coração das pessoas, uma combinação do apoio da polícia e de seus próprios esforços. Praveena trabalhou incansavelmente para mudar a aparência do crematório, que era considerado extremamente feio e sombrio.

"Agora, as pessoas dizem que se parece com um parque", seguiu dizendo.

Na época, o crematório Velankadu tinha uma nova infraestrutura, incluindo um forno crematório com elevador e instalações sanitárias. Curiosamente, o texto informava que cerimônias funerárias eram realizadas gratuitamente, sendo que a equipe de Praveena recebia cerca de 750 rúpias indianas (cerca de R$ 35 pela cotação atual) por cada corpo, dinheiro esse proveniente da Coorporação Chenai, assim como doações dos moradores locais. Além disso, as enchentes em Chennai, nos meses de novembro e dezembro de 2015, tornaram o local bem movimentado durante um tempo.

A equipe de Praveena recebia cerca de 750 rúpias indianas (cerca de R$ 35 pela cotação atual) por cada corpo, dinheiro esse proveniente da Coorporação Chenai, assim como doações dos moradores locais
"Muitos corpos começaram a ser transferidos para Velankadu, porque nós tínhamos um dos poucos fornos que estavam em operação, Tínhamos uma média de 5 a 7 corpos por dia, e cremamos cerca de 246 corpos no mês de novembro de 2015", completou.

Praveena Solomon havia se tornado uma figura de destaque, porque ela era a primeira mulher a gerenciar um centro funerário no estado de Tamil Nadu que, assim como na maior parte do país, a administração de um crematório era tradicionalmente exercido por homens. Sua audaciosa escolha também inspirou outras mulheres, visto que ela possuía um jovem e alegre assistente chamada Divya Raju, 25 anos, que estava trabalhando com ela nos últimos seis meses, por vontade própria. Por fim, Praveena disse que ninguém sabe a hora que irá morrer, sendo que seu dever era ajudar as pessoas que ficaram a superar a perda de seus entes queridos.

Quem parecia ter gostado da história foi a BBC, que através de uma correspondente chamada Geeta Pandey, foi conhecer de perto o trabalho das duas, e o resultado foi publicado em agosto do ano passado. Aliás, Geeta acompanhou uma procissão funerarária relacionada a cremação do corpo de um senhor de 88 anos. De acordo com ela, levava cerca de 2 horas para que um corpo fosse totalmente incinerado, por assim dizer. Nesse meio tempo, Praveena Solomon dividia sua tarefa entre observar os ritos funerários, conversar com a família e preparar toda a papelada.

"Tamil Nadu tem uma alta taxa de alfabetização, 90% das mulheres aqui são alfabetizadas, mas ainda há muitas limitações e barreiras em relação a elas", disse Praveena Solomon.

Praveena Solomon havia se tornado uma figura de destaque, porque ela era a primeira mulher a gerenciar um centro funerário no estado de Tamil Nadu que, assim como na maior parte do país, a administração de um crematório era tradicionalmente exercido por homens
Segundo Geeta, um crematório não era um lugar de felicidade e, embora as mulheres não fossem expressamente proibidas de participar, elas sempre foram desencorajados de estarem presentes. Muitas vezes a explicação que vinha sendo utilizada, é que essa "medida" seria em prol do próprio bem-estar das mulheres, uma vez que as mesmas são "mais delicadas e frágeis", e poderiam ficar traumatizadas pelos rituais funerários.

A matéria da BBC mencionou, que o centenário centro funerário Valankadu estava sendo negligenciado há anos, o local havia se tornado um depósito de lixo e diversas pessoas usavam o local para beber. Na época, o responsável pela ICWO, A.J. Hariharan, acreditava que eles poderiam fazer do local, um lugar seguro para mulheres e jovens que decidissem ir até Valankadu para se despedir de seus entes queridos. Eles queriam criar um lugar calmo e de cura.  Assim sendo, eles perguntaram a todas as mulheres mais experientes da ICWO, sobre quem gostaria de assumir aquele desafio. As duas únicas que aceitaram foram Esther Shanthi e Praveena Solomon.

Na época, o responsável pela ICWO, A.J. Hariharan (ao fundo, próximo da porta, de camisa roxa), acreditava que eles poderiam fazer do local, um lugar seguro para mulheres e jovens que decidissem ir até Valankadu para se despedir de seus entes queridos. Na foto também é possível ver Esther Shanthi (em primeiro plano, de verde)
"Foi uma reação muito impactante. Toda vez que havia uma cremação, eu também chorava com os familiares. Levei muito tempo para superar isso, para não chorar quando via outras pessoas chorando", disse Praveena Solomon, acrescentando que em seu primeiro dia de trabalho ela teve que supervisionar cerca de sete cremações.

Na época, a BBC destacou que ao longo do tempo o lugar havia ganhado câmeras de segurança, banheiros limpos, bancos de cores vívidas, dezenas de árvores e plantas, além de uma boa iluminação durante a noite. Tudo isso com o objetivo de tornar o lugar mais atraente.

"Quando eu contei ao meu marido, a primeira pergunta dele foi: 'Você consegue fazer isso?' Ele disse que gerenciar um crematório não era fácil, era um espaço dominado pelos homens. Disse a ele que iria tentar e caso não conseguisse, voltaria o meu olhar para o plano B", continuou, porém sem entrar em detalhes de qual seria esse "plano B".

Na época, a BBC destacou que ao longo do tempo o lugar havia ganhado câmeras de segurança, banheiros limpos, bancos de cores vívidas, dezenas de árvores e plantas, além de uma boa iluminação durante a noite. Tudo isso com o objetivo de tornar o lugar mais atraente
A BBC, inclusive, fez questão de publicar a declaração de um sacerdote chamado Irushankar Narayanan, uma vez que ele mencionou que estava "muito orgulhoso" de Praveena Solomon.

"Ela está fazendo um trabalho maravilhoso. Antes de sua chegada, os banheiros estavam sujos, mas agora, eles são tão limpos, que você pode fazer uma refeição lá dentro", disse Irushankar Narayanan.

"Ela está fazendo um trabalho maravilhoso. Antes de sua chegada, os banheiros estavam sujos, mas agora, eles são tão limpos, que você pode fazer uma refeição lá dentro", disse Irushankar Narayanan (na foto).
Ao terminar a entrevista, Geeta Pandey perguntou a Praveena Solomon o que ela pensava a respeito da morte. Essa foi a sua resposta, que serve até mesmo como lição de vida: "Pelo que entendo, não há nada após a morte. Então seja feliz, aprecie o que esteja fazendo, e faça algo de bom enquanto estiver vivo."

No fim do mês de novembro do ano passado, o site do jornal "Times of India" divulgou que em pouco tempo o crematório Velangadu iria habilitar uma rede de Wi-Fi, para que familiares e amigos daqueles que se foram pudessem acompanhar virtualmente todos os ritos funerários, de qualquer parte do mundo.

No fim do mês de novembro do ano passado, o site do jornal "Times of India" divulgou que em pouco tempo o crematório Velangadu iria habilitar uma rede de Wi-Fi, para que familiares e amigos daqueles que se foram pudessem acompanhar virtualmente todos os ritos funerários, de qualquer parte do mundo
"No dia do funeral, os membros das famílias daqueles que já se foram serão capazes de localizar as coordenadas do crematório. Uma conexão Wi-Fi rápida e gratuita os ajudará a compartilhar facilmente essas coordenadas e, possivelmente, transmitir ao vivo os procedimentos para os entes queridos que não puderam comparecer", disse A.J, Hariharan, acrescentando que, se o feedback fosse positivo, a ICWO poderia estender essa facilidade para outros crematórios que eles passaram a administrar, em localidades como Otteri, Balakrishnapuram e Colônia Kannan, em Alandur. A ICWO também esperava que a iniciativa, que o Rotary Clube de Meenambakkam iria patrocinar por cerca de um ano, também quebrasse os estereótipos.

A.J. Hariharan destacou que no crematório de Valankadu trabalhavam cerca de 11 pessoas, entre elas, 4 mulheres. Além disso, eles teriam mantido uma média de 6 cremações por dia ou mais de 150 cremações por mês. Desde a matéria da BBC, no entanto, era possível notar que Esther Shanthi não era mais citada nos textos. Para vocês terem uma ideia, nesse último caso, o "Times of India" citou que Valankadu era gerenciado por duas mulheres: Praveena Solomon e Divya Raju, a antiga assistente de Praveena.

A.J. Hariharan destacou que no crematório de Valankadu trabalhavam cerca de 11 pessoas, entre elas, 4 mulheres
Desde a matéria da BBC, no entanto, era possível notar que Esther Shanthi não era mais citada nos textos. Para vocês terem uma ideia, nesse último caso, o "Times of India" citou que Valankadu era gerenciado por duas mulheres: Praveena Solomon (à direita) e Divya Raju (à esquerda), a antiga assistente de Praveena
O mistério em torno do destino de Esther Shanthi terminou com uma matéria publicada pelo site do jornal "The New Indian Express", em janeiro desse ano, onde apontou que Esther estava gerenciando o crematório de Otteri, uma espécie de área residencial, na região central de Chennai.

Entretanto, a situação por lá estava sendo igualmente difícil e semelhante aquela que enfrentou no começo, em Valankadu. Muitos homens que trabalhavam no local abandonaram o emprego com a chegada de Esther. Ela explicou que muitos deles vinham de famílias, cujos membros faziam isso há gerações, e a viam como uma ameaça ao emprego deles, uma vez que as cremações era gratuitas e isso acabava "devorando" a renda que possuíam. No texto é informado que Esther era formada em Comércio (algo bem equivalente ao curso de Administração), e era associada da ICWO há 15 anos.

Praveena Solomon ao lado de uma imensa pilha de galhos e troncos de árvores
Praveena Solomon (à esquerda) ao lado de Divya Raju (à direita)
"Não foi fácil... Ainda não é. Contudo, sei que lentamente posso trazer uma mudança", disse Esther, se recordando das manhãs em que se deparava com homens bêbados dormindo em cima dos túmulos. Ela acrescentou que diversos funcionários, após verem o trabalho que ela desempenhava como mulher, da limpeza até a gerência, começaram a entender que ela não era inferior a eles. Embora ela tivesse empregado homens para ajudá-la, algumas vezes ela lidava sozinha com as cremações.

"Por mais que eu tenha aceitado o fato de que a morte seja inevitável, ver mortes prematuras devido a acidentes, suicídios e outras razões... é difícil ver os corpos das pessoas se transformando em cinzas. Porém, tentamos dar o nosso melhor para dar apoio às famílias que vêm aqui", completou.

Será Mulheres São Mais Facilmente Possuídas? Conheça um Pouco do Lado "Sobrenatural" Por Ser Mulher e Trabalhar em um Crematório, na Índia


Até esse momento, vimos todo o aspecto social e cultural em relação a administração de crematórios e o repúdio a presença de mulheres durante os rituais funerários na Índia. Porém, ainda não tínhamos visto nada de "sobrenatural", que pudesse justificar de alguma forma todo esse aparelhamento. O que vimos era realmente o temor dos homens de perderem os ganhos financeiros que tinham, em locais que não cuidavam e não se importavam nem um pouco com as demais pessoas.

Ironicamente, esses mesmos homens se demitiam com medo de perder o emprego, ou seja, não fazia sentido algum. Será que havia algo, alguma uma crença que pudesse nos dar uma pista sobre todo esse temor? Talvez tivéssemos alguma resposta diante de um interessante artigo escrito recentemente pela repórter Gayathri Vaidyanathan, para o site Atlas Obscura, e que você confere a partir de agora.

Divya Raju ao lado do principal forno do Crematório Velankadu
No texto é mencionado, que nos primeiros meses, Praveena Solomon acreditava que podia ouvir fantasmas nas dependências do crematório. Certa vez, ela escutou um som de alguém correndo no pátio vazio, no lado de fora do seu escritório que, após uma inspeção, foi percebido que eram apenas algumas folhas secas e o vento. Em uma outra ocasião, um pequeno armário fixado na parede acabou caindo, fazendo um barulho aterrador.

"Está escrito na Bíblia que os fantasmas existem, mas eu não sei se devo acreditar. Nunca vi um", disse Praveena Solomon.

Aceitando o cargo de gerência do crematório, Praveena Solomon acabou se juntando a um grupo de mulheres indianas, que estão entrando em espaços de onde tradicionalmente foram excluídas. Segundo Gayathri Vaidyanathan, a nova onda de feminismo na Índia ganhou força após o estupro coletivo de uma jovem, no ano de 2012, que horrorizou e gerou uma grande comoção no país. No ano passado, mulheres muçulmanas entraram na Mesquita Thazhathangady Juma, em Kerala, que por cerca de 1.000 anos proibiu a entrada de mulheres; mulheres hindus entraram em templos antigos que as tinham condenadas ao ostracismo, ou seja, as mulheres passaram a recuperar espaços públicos e vagaram indiferentes no olhar masculino.

Funcionários do crematório posando em frente de um saco de gás metano inflamável coletado de um digestor de biogás em Velankadu. O metano é usado para fornecer energia as luminárias durante a noite para manter afastados as pessoas que buscam confusão e até mesmo aquelas que mexem com magia negra.
Entretanto, um cemitério é diferente de um templo, uma mesquita ou um ponto de ônibus. Até mesmo os homens tentam evitar os crematórios hindus, que são considerados uma morada para almas pertubadas, no caminho para suas próximas vidas. Quase todos os hindus - exceto crianças e os "iluminados" - são cremados para que a alma possa abandonar seu apego ao corpo e seguir em frente. As mulheres, no entanto, são consideradas particularmente suscetíveis à possessão por espíritos errantes.

O cemitério e crematório Valankadu é discretamente afastado da rodovia, e marcado por avisos funerários colados no portão. Um caminho cimentado leva visitantes para dentro, após passaram por murais de um leopardo decapitado, um esqueleto acelerando em uma moto, e um par de asas de anjo. À direita estava um antigo pátio funerário coberto de vegetação; À esquerda, um cemitério para crianças e três fornos abandonados, cobertos de fuligem, onde corpos um dia foram manualmente cremados. No prédio principal fica localizado o escritório de Praveena Solomon.

Um cemitério em desuso está sendo nivelado e transformado em um parque
Ao fundo está a antiga câmara de cremação, onde os corpos eram queimados em piras de madeira.
Um caminho cimentado leva visitantes para dentro, após passaram por murais de um leopardo decapitado, um esqueleto acelerando em uma moto, e um par de asas de anjo. Na foto podemos ver um trabalho voluntário de pintura realizado em um dos muros do crematório, em 2015
Praveena também contou um pouco do seu passado, que como sabemos, ela trabalhava na educação sexual de "profissionais do sexo", porém o artigo de Gayathri Vaidyanathan, nos forneceu maiores detalhes para entendermos sua personalidade. Foi mencionado que Praveena visitava pontos de ônibus ou locais de grande movimentação de viajantes e motoristas de caminhão à procura de mulheres que ganhavam a vida se prostituindo.

Ela conversava com as mulheres e as conduzia até um motel próximo, onde ela tirava de sua bolsa um "modelo anatômico de um membro masculino" e camisinhas, para ajudar as mulheres a se habituarem a utilizá-la, como forma de previnir a AIDS. Certa vez, a polícia invadiu o motel durante uma dessas sessões. Depois que Praveena convenceu o chefe de polícia de que não era uma "profissional do sexo", ele indagou com uma voz compadecida: "Que tipo de trabalho é esse, senhora?"

Foi mencionado que Praveena visitava pontos de ônibus ou locais de grande movimentação de viajantes e motoristas de caminhão à procura de mulheres que ganhavam a vida se prostituindo
Segundo A.J. Hariharan, fundador da ICWO, antes de 2014, os crematórios governamentais em Chennai eram mal administrados. Um oficial do Departamento de Saúde de Chennai decidiu implantar uma restruturação, e pediu para a ICWO assumir a gestão de Velankadu como parte de um projeto piloto. De acordo com antigas escrituras hindus, uma pessoa que organiza funerais ganha tanto mérito para a vida após a morte quanto um rei ancestral realizando um sacrifício ritualístico aos deuses. Assim sendo, Hariharan viu uma maneira de ganhar mérito nesta vida e provocar uma mudança social por ter uma mulher à frente dessa restruturação.

O artigo também informa que antigamente, cerca de uma década atrás, os corpos eram cremados manualmente, em um pilha de madeira que ardia por 24h até que o processo fosse completado. Devido a severidade da profissão, muitos homens (conhecidos como "vettiyans", ou simplesmente "coveiros") se voltaram ao álcool. Em público, esses homens são geralmente evitados e sequer cumprimentados pelas pessoas, devido a má fama que possuem e também por estarem próximos demais dos mortos, ou seja, podendo ser possuídos pelos espíritos deles. Aliás, Praveena disse que as cremações deveriam ser gratuitas, mas que uma parte desses homens passaram a cobrar dinheiro das pessoas para fazer o serviço.

Praveena disse que as cremações deveriam ser gratuitas, mas que uma parte desses homens passaram a cobrar dinheiro das pessoas para fazer o serviço
Praveena Solomon estabeleceu regras básicas para esses homens: Eles poderiam cobrar para organizar um funeral, mas não pela cremação, algo que ela mesma iria gerenciar. Os homens concordaram com os termos, uma vez que perceberam que ela não iria interferir com seus negócios.

Diga-se de passagem, os "vettiyans" são altamente qualificados em organizar funerais. Eles colocam o corpo em uma posição sentada ou inclinada, conforme o costume, decoram os corpos com flores e os transportam para o crematório em uma maca de bambu e cana-de-açúcar, acompanhado de tambotes e antigas canções fúnebres. Conta-se que a melodia e a letra pode ser capaz de fazer qualquer pessoa chorar. Os filhos do falecido(a) executam os ritos finais antes que o corpo seja conduzido até o forno crematório. Praveena Solomon supervisiona essa etapa final.

Diga-se de passagem, os "vettiyans" são altamente qualificados em organizar funerais. Eles colocam o corpo em uma posição sentada ou inclinada, conforme o costume, decoram os corpos com flores e os transportam para o crematório em uma maca de bambu e cana-de-açúcar, acompanhado de tambotes e antigas canções fúnebres
"Fazemos todos os rituais, mas só quem tem instrução pode preencher a papelada, sendo que esse é o trabalho que ela está desempenhando. Não há nenhum problema por ser ela", diz Rajesh K., um "vettiyan".

Praveena Solomon achava que lidar com o sofrimento dos vivos era a parte mais difícil de seu trabalho. Ela não conseguia esquecer facilmente casos envolvendo uma morte inesperada. No Ano Novo, ela cremou uma jovem mãe e seu recém-nascido. Ela também se lembra de um jovem que morreu em um acidente de trem. Parecia que todo seu vilarejo tinha ido até Velankadu naquele dia para o funeral. Sua esposa grávida e outras 200 mulheres batiam no peito e choravam.

Todos os apetrechos utilizados nos rituais. As flores, a maca onde o corpo é conduzido, o excesso de roupas e oferendas
são retirados antes que o copo entre no forno crematório.
Três semanas depois, Praveena Solomon sofreu um acidente de mobilete, e deu entrada em um hospital devido a uma lesão na cabeça. Durante sua ausência de apenas 15 dias, Velankadu começou a se tornar sombrio novamente. Havia um rato morto no meio do caminho que ninguém recolheu e, além disso, nem mesmo as árvores estavam sendo regadas adequadamente. De qualquer forma, a situação a se normalizar após a volta de Praveena.

No texto ainda é mencionado que um homem de meia-idade estava esperando para receber as cinzas de um parente falecido. Ele observava Divya Raju preenchendo uma papelada para Praveena, e acabou dizendo que as mulheres não era permitidas nos crematórios por "boas razões". Segundo esse homem, de acordo com o costume hindu, a alma, privada do corpo, permanece na Terra por 10 dias após a morte. Os espíritos mais pertubados são mais atraídos pelas mulheres do que pelos homens, porque as mulheres menstruam.

Um homem de meia-idade estava esperando para receber as cinzas de um parente falecido. Ele observava Divya Raju preenchendo uma papelada para Praveena, e acabou dizendo que as mulheres não era permitidas nos crematórios por "boas razões"
"Esses são lugares onde os fantasmas vagam. Eu sei, porque eu os vejo", disse o homem, acrescentando que, quando era criança, sua irmã tinha sido brevemente possuída e sofreu um exorcismo. Um sacerdote a colocou sentada no meio de um corredor em sua casa, e recitou encantamentos. Ela balançou e bateu a cabeça contra uma parede até que sua testa sangrou. Então, ela passou a mancar quando o fantasma a deixou.

"Crianças hoje em dia não acreditam, mas os fantasmas são reais. Eu os vejo. Você não deveria estar aqui", disse o homem para Divya Raju, que por sua vez apenas sorriu, acenou com a cabeça, e voltou para seu escritório.

Comentários Finais



Essa é oitava postagem que faço sobre a Índia desde 2015. Se não me falha a memória, a primeira matéria que fiz sobre a Índia foi sobre a moderna caça às bruxas e a superstição assassina, que todos os anos mata ou mutila fisicamente ou psicologiamente centenas ou milhares de mulheres inocentes. Apesar da minha escrita e nível de pesquisa estar bem abaixo do que possuo atualmente, foi um texto duro, emocionante e sinceramente não vejo como uma pessoa não se sensibilizar com aquele assunto. Desde então, sempre tento trazer conteúdos que valorizem e foquem mais o aspecto humano de uma determinada situação. Tragédias vemos todos os dias, mas conhecer culturalmente uma parte do mundo e entender a complexidade de uma situação, é algo que não nos deparamos sempre. Esse é o caso, por exemplo, dessa postagem, onde podemos conferir como as mulheres são vistas e tratadas, simplesmente porque tentam administrar e ingressar em um espaço, predominantemente dominado por homens. É importante destacar que essa história não se resume a feminismo ou machismo, visto que está muito além disso.

Essa história reflete gerações de homens acostumados a tratar sem nenhum respeito a vida humana de modo geral, seja a vida de uma criança, de um homem, de uma mulher grávida ou um idoso. São homens que extorquiam e continuando extoquindo outros homens em diversos vilarejos espalhados em meio a uma população de mais de 1 bilhão de pessoas. Por outro lado, são homens que nunca tiveram apoio psicológico, que precisam lidar com o choro, com o cheiro da morte diariamente, em uma espécie de casta destinada a fazer o serviço que ninguém quer. Esses homens não enriqueceram e foram esquecidos pelo Estado, ou seja, o único refúgio, aparentemente, foi o álcool. Homens que julgam ter o direito de cobrar por algo gratuito, que há 10 anos demorava um dia inteiro para ser executado. Obviamente, isso não justifica de maneira alguma, a atitude de alguém dizer para outra pessoa, não importando que seja homem ou mulher, que irá atirar ácido em seu rosto. Porém, é isso que o medo atrelado a um grau de instrução muito baixo, condições de vida precárias e um estigma social que faz com que sejam praticamente invisíveis gera. Caso algo aconteça com aquelas mulheres, não é apenas culpa daqueles homens, mas do Estado que não fez absolutamente nada, exceto terceirizar a responsabilidade de arrumar algo, que há milênios nunca conseguiram corrigir.

Para piorar a situação, ainda temos a questão religiosa e as crendices populares em dizer que a menstruação de uma mulher poderia atrair espíritos errantes, e as mesmas acabarem sendo possuídas. Uma justificativa torpe e talvez o único ponto, que poderia diferenciar um homem de uma mulher, ou seja, suas características biológicas. Podem até dizer, e com razão, que a maioria dos casos noticiados de supostas "possessões espirituais ou demoníacas" envolvem mulheres. Porém, conforme expliquei em postagens anteriores, existe uma série de fatores mundanos e psicológicos que favorecem casos de estresse intenso e acabam desencadeando comportamentos, que muitas vezes são interpretados como se fossem sinais de possessão. De qualquer forma, o mais importante a se destacar é que essas mulheres estão desempenhando um bom trabalho e dando dignidade a vida humana, muito melhor do que qualquer pessoa no passado. Isso é digno de respeito e admiração. Evidentemente, um cemitério ou um crematório não é um local onde a felicidade reina, mas não é por isso que devemos jogá-la ao vento ou mantê-la para sempre a sete palmos de terra.

Até a próxima, AssombradOs.

Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino

Fontes:
http://epaperbeta.timesofindia.com/Article.aspx?eid=31807&articlexml=Tech-to-the-future-City-crematory-will-beam-22112016001028
http://www.atlasobscura.com/articles/women-crematorium-chennai-india
http://www.bbc.com/news/world-asia-india-36955823
http://www.deccanchronicle.com/140903/nation-current-affairs/article/two-women-oversee-burial-ground-work
http://www.hindustantimes.com/india-news/how-praveena-solomon-an-english-graduate-gave-a-chennai-crematorium-a-new-life/story-5FCL2Ks83XGtlKH0JmSQVI.html
http://www.newindianexpress.com/cities/chennai/2017/jan/25/women-who-burn-cultural-norms-1563529--1.html

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