Por Marco Faustino
Normalmente, quando a NASA avisa ao mundo que fará um importante comunicado, e convoca uma coletiva de imprensa, provavelmente nove em cada dez sites de notícias especulam que o anúncio possa estar relacionado a descoberta de vida extraterrestre. Pelo menos é isso que tentam dizer nas entrelinhas para fazer com que vocês acessem um determinado site. Porém, sites especializados em Astronomia não se empolgam tanto quando se deparam com os cientistas, que estarão presentes nessa mesma coletiva de imprensa, para anunciar uma determinada descoberta, visto que raramente acontece ao acaso, mas diante de um longo estudo e pequenas divulgações, que muitas vezes passam completamente desapercebidas para nós, mas não diante do olhar atento daqueles que vivem e respiram rotineiramente o fantástico mundo da Astronomia. Esse é basicamente o caso do anúncio realizado ontem (22) pela NASA, ao divulgar simultaneamente um estudo publicado na revista Nature, um dos periódicos científicos mais renomados do mundo, sobre a descoberta de sete exoplanetas - que nada mais são do que planetas que orbitam uma estrela que não seja o nosso Sol - ao redor de uma estrela anã super fria. Essa estrela está localizada a cerca de 40 anos-luz de distância da Terra, relativamente perto de nós.
A princípio não parece ser muita coisa, não é mesmo? Porém, essa estrela tem aproximadamente o tamanho de Júpiter, e possui menos que a metade de temperatura superficial do nosso Sol (lembrando que a temperatura média da superfície do Sol é de 5.500ºC). Ninguém esperava encontrar nada ou pouquíssima coisa orbitando essa estrela, porém os astrônomos descobriram uma espécie de mini sistema solar composto por esses sete exoplanetas, sendo que os seis mais próximos da estrela possuem tamanhos e massas que são semelhantes à da Terra, além de possivelmente terem estruturas rochosas. É muito importante ressaltar, que isso não significa que temos plena e total certeza, que esses sete exoplanetas sejam iguais a Terra, que sejam realmente rochosos, que possuam água em estado líquido ou até mesmo, que possuam qualquer forma de vida em sua superfície. O que temos atualmente são fortes possibilidades, baseada em modelos matemáticos, mas não há um certeza absoluta sobre isso, entenderam?
É bom deixar tudo isso bem claro, para evitar que você seja enganado por manchetes sensacionalistas tais como: "Cientistas descobrem sistema com sete planetas iguais à Terra" ou "Cientistas descobrem sete planetas habitáveis ao redor de um estrela". Não é bem assim que as coisas funcionam, e mais próximo que podemos dizer é que esses planetas podem ser potencialmente habitáveis, e possivelmente semelhantes à Terra, em razão de uma série de fatores como tamanho, massa e distância da estrela hospedeira, por exemplo. Porém, isso ainda não é suficiente para cravarmos sobre questões mais complexas de serem respondidas. Nesse ponto vale a pena ressaltar, que semelhante não é igual. Como diria Carl Sagan, ao comentar sobre o "pálido ponto azul" (a famosa fotografia da Terra feita pela sonda Voyager 1), "talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas, do que esta distante imagem de nosso pequeno mundo. Ela enfatiza nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros, e de preservar e estimar esse pálido ponto azul, o único lar que nós conhecemos". Resumindo? A Terra ainda é única no Universo observável. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Voltando um Pouco no Tempo: A Descoberta de Três Exoplanetas ao Redor da Estrela "2MASS J23062928-0502285", que Passou a Ser Conhecida como "TRAPPIST-1"
No início do mês de maio do ano passado, diversos sites de notícias relacionados a Astronomia divulgaram que astrônomos descobriram três planetas orbitando uma estrela anã super fria, a apenas 40 anos-luz de distância da Terra, ao utilizarem o telescópio TRAPPIST, localizado no Observatório La Silla, no Chile.
Esse telescópio pertence ao Observatório Europeu do Sul (European Southern Observatory ou simplesmente ESO, em inglês), que nada mais é do que uma organização intergovernamental de pesquisa em Astronomia, composta e financiada atualmente por 16 países. A mesma foi criada em 1962 com o objetivo de proporcionar as mais avançadas instalações, e acesso ao céu austral para astrônomos europeus.
O alvo desse estudo em particular, a TRAPPIST-1, é considerada uma estrela anã super fria, bem no limiar entre uma anã vermelha e uma anã marrom (mesmo assim é considerada uma anã vermelha), com cerca de 0,05% da luminosidade do nosso Sol, e uma massa de cerca de 8% da massa solar. Estima-se ainda que a mesma tenha uma idade de pelo menos 500 milhões de anos. É uma estrela relativamente jovem se comparada ao nosso Sol, que possui cerca de 4,5 bilhões de anos, porém lembrando que anãs vermelhas queimam hidrogênio muito mais lentamente.
Foto mostrando o Observatório La Silla, do ESO, no Chile |
A estrela TRAPPIST-1 está localizada na constelação de Aquário |
Vale a pena destacar que o chamado "trânsito"é um dos principais métodos, que os astrônomos utilizam para identificar a presença de um planeta ao redor de uma estrela, ou seja, observando a luz emitida para ver se parte dessa luz é bloqueada, quando alguma coisa passa à sua frente, na direção da linha de visão da Terra. Sendo um planeta, à medida que o mesmo orbita em torno de sua estrela, espera-se ver pequenas diminuições regulares na luz emitida pela mesma, e que acabam correspondendo precisamente ao movimento do planeta em questão passando à sua frente. Entenderam o esquema?
Variação de luminosidade da estrela TRAPPIST-1 em relação ao trânsito de um dos seus planetas, o TRAPPIST-1b |
Variação de luminosidade da estrela TRAPPIST-1 em relação ao trânsito de seus outros dois planetas, o TRAPPIST-1c e o TRAPPIST-1d |
"Por que estamos tentando detectar planetas semelhantes à Terra ao redor das estrelas pequenas e frias da vizinhança solar? A razão é simples: os sistemas ao redor dessas estrelas minúsculas são os únicos locais onde conseguiríamos detectar vida em um exoplaneta, semelhante à Terra, com a atual tecnologia. Portanto, se quisermos encontrar vida em outros lugares do Universo, é aqui que devemos começar a procurar", disse Michaël Gillon.
A TRAPPIST-1, é considerada uma estrela anã muito fria, no limiar entre uma anã vermelha e uma anã marrom, com cerca de 0,05% da luminosidade do Sol, e uma massa de cerca de 8% da massa solar. |
Além disso, observações posteriores feitas com telescópios maiores, através do Very Large Telescope (VLT), também pertencente ao ESO, no Chile, mostraram que dois planetas que orbitavam a estrela TRAPPIST-1 possuíam períodos orbitais de cerca de 1,5 dias e 2,4 dias terrestres respectivamente, sendo que o terceiro planeta tinha um período maior, podendo variar entre 4,5 a 7,3 dias terrestres, mas isso não estava bem determinado.
"Com períodos orbitais curtos, os planetas encontram-se entre 20 a 100 vezes mais próximos da sua estrela do que a Terra se encontra do Sol. A estrutura desse sistema planetário é muito mais semelhante, em escala, ao sistema das luas de Júpiter, do que ao Sistema Solar", completou Michaël Gillon.
Concepção artística da estrela anã super fria TRAPPIST-1 e dos seus três planetas |
"Graças a diversos telescópios atualmente em construção, incluindo o E-ELT do ESO e o Telescópio Espacial James Webb da NASA/ESA/CSA, com lançamento previsto para 2018, logo poderemos estudar a composição atmosférica desses planetas, e ver primeiramente se possuem água, e posteriormente se apresentam traços de atividade biológica. Trata-se de um enorme passo à frente na procura de vida no Universo", disse Julien de Wit, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, um dos co-autores do estudo.
É interessante destacar também, que pouco dias depois, astrônomos usando o telescópio espacial Hubble da NASA, realizaram a primeira busca por atmosferas nos exoplanetas TRAPPIST-1b e TRAPPIST-1c. Eles descobriram que era improvável que os mesmos possuíssem um "envelope de hidrogênio e hélio" ao redor deles, algo que aumentava muito a chance de habitabilidade dos exoplanetas. Vale lembrar que, um envelope de hidrogênio e hélio faria com que os exoplanetas experimentassem um "grande efeito estufa", o que diminuiria muito a chance abrigar vida. Confira um vídeo explicativo da NASA sobre esse assunto, que foi publicado pelo canal NASA Goddard, no YouTube (em inglês, mas vale a pena conferir):
Entretanto, um trabalho mais completo acontecerá apenas quando Telescópio Espacial James Webb for lançado, visto que além de determinar a composição completa dos planetas, o telescópio também será capaz de analisar a temperatura e a pressão na superfície dos mesmos, parâmetros importantes para o desenvolvimento da vida.
O Comunicado Oficial da NASA: A Descoberta de Sete Exoplanetas de Tamanhos Semelhantes à Terra Orbitando a Estrela TRAPPIST-1
De acordo com o comunicado oficial da NASA, emitido da tarde de ontem (22), o Telescópio Espacial Spitzer, pertencente a própria agência espacial norte-americana, revelou o primeiro sistema conhecido de sete planetas de tamanhos semelhantes à Terra, ao redor de uma única estrela. Três desses planetas estão localizados na zona habitável da estrela, um local onde um planeta rochoso provavelmente teria água em estado líquido. No outono do ano passado (no Hemisfério Norte, ou seja, entre setembro e novembro), o Spitzer observou a TRAPPIST-1 quase continuamente por cerca de 500 horas.
Imagem mostrando o trânsito planetário ao redor da estrela TRAPPIST-1 |
"Essa descoberta poderia ser uma peça significativa no quebra-cabeças de encontrar ambientes habitáveis, lugares propícios para a vida. Responder à pergunta 'se estamos ou não sozinhos'é uma prioridade científica, e encontrar pela primeira vez essa quantidade de planetas em uma zona habitável é um passo notável em direção a esse objetivo", disse Thomas Zurbuchen, administrador associado do Departamento de Missão Científica da NASA, em Washington, nos Estados Unidos.
Comparativo entre o tamanho da estrela TRAPPIST-1 e seus planetas, em relação a Júpiter e seu sistema de luas |
Lembram que em maio do ano passado, cientistas usando o TRAPPIST anunciaram ter descoberto três planetas desse mesmo sistema? Então, com a ajuda do VLT, pertencente a ESO, o Spitzer confirmou a existência de dois desses planetas, e acabou descobriu outros cinco, aumentando para sete o número de planetas conhecidos no sistema. Interessante, não é mesmo?
Confira um vídeo publicado pelo canal NASA Spitzer, no Youtube, mostrando uma animação das órbitas planetárias e o trânsito gerado na frente da estrela TRAPPIST-1:
Assim sendo, usando os dados do Spitzer, a equipe mediu precisamente os tamanhos dos sete planetas e desenvolveu as primeiras estimativas das massas de seis deles, permitindo que suas densidades fossem igualmente estimadas. Com base em suas densidades, todos esses planetas ao redor da estrela TRAPPIST-1 provavelmente são rochosos. Outras observações não só ajudarão a determinar se eles são ricos em água, mas também possivelmente revelar se algum deles poderia ter água em estado líquido em suas superfícies.
Confira uma visão em 360º sobre como seria estar na superfície do planeta TRAPPIST-1d, elaborada pela NASA. Você pode explorar essa renderização artística movendo-a com o mouse ou pelo celular:
A massa do sétimo exoplaneta, e mais distante de sua estrela ainda não foi estimada - os cientistas acreditam que poderia ser um mundo gelado, semelhante a uma "bola de neve", porém são necessárias mais observações para tentar chegar a esse consenso.
"As sete maravilhas do TRAPPIST-1 são os primeiros planetas de tamanhos semelhantes à Terra, que foram encontrados orbitando esse tipo de estrela. Também é o melhor alvo para para estudar as atmosferas de mundos potencialmente habitáveis, que sejam do tamanho da Terra", disse Michaël Gillon, principal autor do estudo que foi publicado na revista Nature, e principal pesquisador sobre exoplanetas da TRAPPIST-1, da Universidade de Liège, na Bélgica.
Em contraste com o nosso Sol, a estrela TRAPPIST-1 - classificada como um anã super fria, mas que não deixa de ser uma anã vermelha - é tão fria que a água em estado líquido poderia sobreviver em planetas orbitando muito próximos a ela, mais perto do que é possível em planetas em nosso Sistema Solar. Para vocês terem uma ideia, todas as sete órbitas planetárias da TRAPPIST-1 estão mais próximas de sua estrela hospedeira do que a distância de Mercúrio em relação ao Sol. É algo surreal de se imaginar, não é mesmo? Imagine sete planetas orbitando uma estrela, em uma distância máxima de 57 milhões de quilômetros. Como comparação estamos a 150 milhões de quilômetros de distância do Sol.
Para vocês terem uma ideia, todas as sete órbitas planetárias da TRAPPIST-1 estão mais próximas de sua estrela hospedeira do que a distância de Mercúrio em relação ao Sol |
Qualquer um dos planetas TRAPPIST-1 poderia ter água em suas superfícies, embora os três na zona habitável são os mais propensos a ter água em estado líquido. |
Esses planetas também podem estar "travados" devido ao chamado "acoplamento de maré" gerado pela sua estrela hospedeira, ou seja, um mesmo lado do planeta estaria sempre voltado para a estrela. Portanto, seria sempre dia de um lado e noite do outro. Isso poderia significar, que eles teriam padrões climáticos totalmente diferentes do que temos aqui na Terra, tais como ventos fortes soprando do lado que seja dia, até mudanças extremas de temperatura em relação ao lado que seja noite.
"Esse é o resultado mais emocionante que eu vi nos 14 anos de operações do Spitzer. Ele continuará refinando ainda mais nossa compreensão desses planetas para que o Telescópio Espacial James Webb possa dar prosseguimento nas análises. Mais observações do sistema certamente revelarão mais segredos", disse Sean Carey, gerente do Centro de Ciências do Spitzer da NASA, no Caltech/IPAC, em Pasadena, Califórnia, nos Estados Unidos.
Concepção artística de como seria planeta a superfície do planeta TRAPPIST-1f |
Confira também um vídeo mostrando a concepção artística de cada um desses planetas, que foi elaborado pela NASA, e divulgado no canal NASA Spitzer, no YouTube:
É importante destacar que o Spitzer, o Hubble e o Kepler ajudarão os astrônomos a planejarem estudos de acompanhamento usando o telescópio espacial James Webb, que será lançado em 2018. Com sensibilidade muito maior, o James Webb poderá detectar as impressões químicas de água, metano, oxigênio, ozônio, assim como outros componentes da atmosfera de um planeta. O James Webb também analisará as temperaturas dos planetas e as pressões na superfície - fatores chave para estimar suas habitabilidades.
Confira um vídeo explicativo sobre esse assunto, que foi elaborado pela NASA, e divulgado no canal NASA Spitzer, no YouTube (em inglês):
Vamos a algumas curiosidades rápidas sobre esse sistema estelar descoberto e confirmado pelo Spitzer, sendo que algumas delas vocês já conhecem:
- O sistema da TRAPPIST-1 fica na constelação de Aquário. Essa estrela é mais fria e vermelha di que o Sol, sendo assim um tipo muito comum na Via Láctea;
- O sistema contém sete planetas, que foram chamados de TRAPPIST-1b, TRAPPIST-1c, TRAPPIST-1d, TRAPPIST-1e, TRAPPIST-1f, TRAPPIST-1g, e finalmente TRAPPIST-1h;
- O telescópio espacial Spitzer, da NASA, observou a TRAPPIST-1 durante 22 dias em 2016;
- O trânsito do planeta TRAPPIST-1h, o mais afastado de sua estrela, só foi visto pelo Spitzer uma única vez;
- O planeta TRAPPIST-1b precisa apenas de 1,5 dia terrestre para dar uma volta ao redor de sua estrela;
- Os maiores planetas, o TRAPPIST-1g e o TRAPPIST-1b, são cerca de 10% maiores que a Terra;
- Já os menores, o TRAPPIST-1d e o TRAPPIST-1h, são cerca de 25% menores que o nosso planeta.
Estima-se que haja pelo menos três vezes mais anãs vermelhas em nossa galáxia, do que todas as outras classes de estrelas combinadas |
Vale a pena destacar também, que já fizemos algumas postagens relacionadas as estrelas anãs vermelhas. Entre essas postagens os destaques ficam por conta de duas delas, e que vale muito a pena você conferir para saber mais sobre esse assunto:
- Vida Inteligente Fora da Terra? Será Mesmo que Civilizações Avançadas Podem Viver em Aglomerados Globulares?
- A Nova Aposta do SETI: A Busca Por Vida Extraterrestre Inteligente em Sistemas ao Redor de Estrelas Anãs Vermelhas!
Além disso, algumas pessoas consideram que 500 milhões de anos seja um tempo muito curto para o surgimento da vida complexa, tal como a conhecemos, visto que nesse mesmo período, ou seja, há 4 bilhões de anos, a Terra era habitada apenas por microorganismos (pelo menos é o que sabemos até hoje). A questão é que estamos muito perto de sabermos o que realmente pode existir lá fora, se ao menos existe algum indício real de atividade biológica, e se ao menos existe alguma colônia de bactérias prosperando em algum lugar da imensidão do Universo. Para alguns essa pergunta já foi respondida, mas para outros a resposta está mais próxima do que jamais sonhamos antes.
Até a próxima, AssombradOs!
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/cientistas-descobrem-novos-planetas-em-sistema-a-40-anos-luz-do-sol.ghtml
http://hypescience.com/estrela-extremamente-fria-tem-tres-planetas-potencialmente-habitaveis-em-sua-orbita/
http://time.com/4677103/nasa-announcement-new-solar-system/
http://www.eso.org/public/archives/releases/sciencepapers/eso1615/eso1615a.pdf
http://www.eso.org/public/brazil/news/eso1615/
http://www.eso.org/public/brazil/news/eso1706/
http://www.nature.com/nature/journal/v542/n7642/full/nature21360.html
https://exoplanets.nasa.gov/trappist1/
https://www.nasa.gov/press-release/nasa-s-hubble-telescope-makes-first-atmospheric-study-of-earth-sized-exoplanets
https://www.nasa.gov/press-release/nasa-telescope-reveals-largest-batch-of-earth-size-habitable-zone-planets-around