Por Marco Faustino
Se tem algo que nunca decai do interesse popular ou envelhece no imaginário de crianças, adolescentes, adultos e idosos são as sereias. A bela e pequena sereia de cabelos ruivos chamada Ariel, da Disney, não nos deixa mentir nesse aspecto. Embora a animação tenha sido ligeiramente baseada em um conto de fadas dinamarquês de mesmo nome, publicado pela primeira vez em 1837, e ter ganhado diversas adaptações no teatro, cinema e na música, sem dúvida alguma a Disney impulsou consideravelmente a lenda sobre as sereias pelo mundo afora a partir de 1989. É interessante destacar que no folclore europeu medieval e moderno, assim como acontece em "A Pequena Sereia", as sereias são seres aquáticos com a cabeça e o torso de uma mulher e a cauda de um peixe, porém quase todos os povos que dependiam do mar para sobreviver, tinham alguma representação feminina, que poderia enfeitiçar os homens até se afogarem. Na mitologia grega, por exemplo, isso era representado como um ser que continha o corpo de um pássaro e a delicadeza de uma mulher. Foi basicamente a partir da Idade Média, no entanto, começando pelas regiões do Mediterrâneo, que a sereia como "mulher-peixe" obliterou a "mulher-pássaro" da mitologia grega como a criatura que supostamente levava os marinheiros à perdição. A transformação muito provavelmente pode estar relacionada ao maior desenvolvimento da navegação, que permitiu as embarcações viajarem pelo alto-mar, onde acredita-se que as "novas sereias" morem, ou seja, muito além das rochas costeiras.
Para o Cristianismo, esses seres eram sinônimos do pecado, da vaidade e da luxúria. As sereias dos bestiários e outros manuscritos medievais desempenhavam as funções básicas de mostrar a bondade e a riqueza da Criação de Deus, personificava os pecados mortais, as tentações da carne e a vaidade como pecado corporificado na beleza, no espelho e no pente, os inseparáveis objetos característicos da imagem contemporânea das sereias. Por essa mesma razão, as sereias são relativamente comuns na arte sacra, como decoração de igrejas e altares. É bem provável que esse fortalecimento e a propagação das histórias de sereias decorreu dos relatos de marinheiros, que pensavam que ter visto essas criaturas na espuma do oceano e do mar. Na realidade, é bem possível que eles tivessem visto algo bem mais mundano, e totalmente explicável, assim como uma vaca-marinha-de-steller (um mamífero aquático considerado extinto) ou então um mero peixe-boi (um mamífero aquático ameaçado de extinção). De qualquer forma, até hoje nunca existiu uma verdadeira prova da existência das sereias. Ao longo do tempo foram divulgados diversos vídeos, fotos, supostas carcaças, e até mockumentários (falsos documentários) exibidos pelo Discovery Channel, mas infelizmente nunca houve uma prova substancial nesse sentido, sendo que a maioria é declaramente e sabidamente falsa.
No Japão as sereias são chamadas de "ningyo". A palavra " ningyo", formado pelos kanji "nin" (pessoa), e "gyo" (peixe), traduzida comumente como sereia, é utilizada para designar as criaturas ocidentais metade peixe e metade ser humano, assim como também as criaturas orientais que possuem características aquáticas e humanas. As sereias nipônicas possuem dedos longos, garras afiadas e brilhantes escamas douradas, podendo variar em tamanho, desde o tamanho de uma criança até um adulto. Suas cabeças foram, por vezes, descritas como sendo deformadas, possuidoras de chifres ou dentes proeminentes. Em outras versões, as sereias são descritas com uma forma que lembra a versão mais familiar de sereias ocidentais, mas com uma aparência sinistra, meio demoníaca. Segundo a lenda, são capazes de emitir um canto agradável como a canção de um pássaro ou o doce som de uma flauta. Acredita-se que a carne de uma "ningyo" pode conceder a imortalidade e suas lágrimas transformam-se em pérolas que, quando consumidas, trazem a juventude eterna. Enfim, ainda no Japão, existe um tempo chamado Ryuguji, na cidade de Fukuoka, que desde 1222, ou seja, há quase 800 anos, guarda supostos ossos (atualmente cerca de seis ossos) de uma sereia, que teria aparecido no litoral da cidade. É justamente sobre isso que vamos contar para vocês nessa postagem. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Um Pouco Sobre a Cidade de Fukuoka e o Templo Ryuguji, no Japão
Fukuoka é a capital da prefeitura de Fukuoka, situada na costa norte da ilha japonesa de Kyushu. Ela é a cidade mais populosa da ilha, seguida por Kitakyushu. Também é considerada a maior cidade e região metropolitana a oeste de Keihanshin, sendo uma das dez maiores cidades do Japão, com pouco mais de 1.6 milhões de habitantes. Apesar de ficar localizada a 1.100 km de distância de Tóquio, a capital do país, o centro da cidade fica apenas a 10 minutos do aeroporto local, possuindo assim uma grande acessibilidade e hospitalidade para todos aqueles que desejam visitar ou fazer negócios na cidade.
Imagem do Google Maps mostrando a distância entre a cidade de Fukuoka e Tóquio, a capital do Japão |
A cidade é repleta de instituições, museus, e clubes destinados a construir laços culturais entre o Japão e outras culturas, perfazendo-a uma cidade amigável e cosmopolita |
Muitos moradores locais consideram a cidade como a ponte japonesa para o mundo. Confira um vídeo de apresentação da cidade, realizado pelo canal "Japan Experience", em setembro do ano passado, no YouTube (legendas em inglês, mas o vídeo é belíssimo, vale a pena conferir):
Além disso, a cidade é repleta de instituições, museus, e clubes destinados a construir laços culturais entre o Japão e outras culturas, perfazendo-a uma cidade amigável e cosmopolita. Sem dúvida alguma, se um dia vocês foram ao Japão, e tendo disponibilidade de tempo, devem dar uma passada em Fukuoka.
Já o templo Ryuguji é um templo dedicado a escola do Budismo chamada "Jodo Shinshu". O templo era originalmente localizado na praia, próximo ao porto. A tradição menciona que uma sereia apareceu na praia em 1222, e diante desse acontecimento acreditou-se que o mesmo era uma espécie de sinal de longa prosperidade da nação. Assim sendo, o templo foi rebatizado como Ryuguji (nome do lendário castelo onde as sereias vivem), quando o corpo da sereia foi enterrado dentro do santuário. Naquela época, o templo também recebeu um outro nome, sendo chamado de Reizen-san, originado do nome de um emissário da corte imperial japonesa.
O templo Ryuguji é um templo dedicado ao Budismo Jodo Shinshu, sendo que o mesmo era originalmente localizado na praia próximo ao porto |
A tradição menciona que uma sereia apareceu na praia em 1222, e diante desse acontecimento acreditou-se que o mesmo era uma espécie de sinal de longa prosperidade da nação |
Imagem mostrando o local (no centro da imagem) onde teria sido enterrado uma sereia no ano de 1222 |
Agora que você conhece um pouco a mais sobre a cidade de Fukuoka e do templo Ryuguji, nada mais justo que contar maiores detalhes sobre essa lenda e conferir mais de perto como são esses tais "ossos de sereia".
A Lenda Sobre a Sereia que Teria Aparecido no Litoral de Fukuoka e Alguns dos Seus Supostos Ossos
O templo Ryuguji, em Fukuoka, vem preservando por quase oito séculos o que muitos acreditam que sejam autênticos ossos de uma sereia, sendo que qualquer pessoa pode vê-los pessoalmente. Basta agendar um horário por telefone, ou seja, nada de chegar no local e querer dar uma olhada a todo custo. Vale lembrar que respeito é fundamental, ainda mais no Japão.
De acordo com a lenda, que inclusive é mencionada em um mapa turístico local, uma sereia foi enterrada em um templo após ter sido encontrada na parte superior de um cais na região de Hakata, no Japão medieval, em 14 de abril de 1222, na ilha de Kyushu. Na época, Abe-no Otomi, um xamã "onmyoji", que era conhecido por ter grandes habilidades de adivinhação, disse que o surgimento da criatura mística era "um bom presságio para a longa prosperidade da nação".
O templo Ryuguji, em Fukuoka, vem preservando por quase oito séculos o que muitos acreditam que sejam autênticos ossos de uma sereia, sendo que qualquer pessoa pode vê-los pessoalmente |
Em um artigo publicado por Shinjiro Sadamatsu, para o site de notícias "The Asahi Shimbun", Ryusei Okamura, 65 anos, o principal sacerdote do templo, mostrou o conjunto de ossos no salão principal, onde são geralmente mantidos. De acordo com um texto fornecido, acredita-se que os ossos sejam de uma "sereia escavada das instalações do templo Ryuguji". Outra linha menciona que "todos os ossos são considerados como sendo de alguns mamíferos".
Um detalhe interessante é que a superfície de uma das peças maiores parece madeira. Muitos "ossos" têm superfícies brilhantes, aparentemente causado pelo efeito de polimento natural por parte dos visitantes, visto que aparentemente é permitido tocá-los.
Apenas seis pedaços dos ossos, que se dizem ter sido escavados entre 1772 e 1781, permanecem guardados até hoje. A superfície de uma das peças maiores parece madeira |
O templo também tem um pergaminho de uma sereia (na foto), que se acredita ter sido pintado na era Eiroku (1558-1570) do Período Muromachi |
Nesse ponto vale ressaltar que é um dugongo é considerado o menor membro da ordem Sirenia, uma ordem de mamíferos marinhos que inclui, por exemplo, o peixe-boi e vaca-marinha. O nome dugongo vem da palavra malaia "duyung", que significa sereia. A espécie costumava habitar regiões tropicais dos Oceanos Índico e Pacífico, mas hoje em dia essa distribuição é mais limitada. As principais populações vivem na Grande Barreira de Corais, na costa da Austrália, e no Estreito de Torres. Dizem que o habitat de dugongos mais ao norte do Japão está localizado nos mares ao redor da Prefeitura de Okinawa, ao sul de Kyushu.
Yoshihito Wakai, vice-diretor do Aquário de Toba, na cidade de Toba, na Prefeitura de Mie, o único aquário no Japão que possui um dugongo, chegou a dar uma olhada nas fotos tiradas pela equipe do site "The Asahi Shimbun".
O Aquário Toba, na cidade de Toba, na Prefeitura de Mie, é o único aquário no Japão que possui um dugongo |
Serena, o dugongo do aquário (na foto), possui cerca de 2,6 metros de comprimento e pesa cerca de 380 quilos |
Sua piscina, por assim dizer, é chamada de "Mar da Sereia". Curiosamente, ela é um presente das Filipinas há quase 30 anos. |
Uma Rápida Conferida na Suposta "Sereia Mumificada" do Templo Tenshou-Kyousha, em Fujinomiya, no Japão
Não poderia deixar de encerrar essa postagem sem mencionar a suposta "sereia mumificada" do Templo Tenshou-Kyousha, na cidade de Fujinomiya, na Prefeitura de Shizuoka, bem próximo do Monte Fuji, e a aproximadamente 140 km a sudoeste da capital do país, Tóquio. Dizem que essa "sereia mumificada" teria cerca de 1.400 anos, e seria uma das primeiras "Sereias de Fiji".
Imagem do Google Maps mostrando a distância entre a cidade de Fujinomiya e Tóquio, a capital do Japão |
O templo Tenshou-Kyousha, na cidade de Fujinomiya, na Prefeitura de Shizuoka, bem próximo do Monte Fuji, e a aproximadamente 140 km a sudoeste da capital do país, Tóquio |
Fotos da "sereia mumificada" que fica localizada no interior do templo Tenshou-Kyousha |
Apesar da história e da lenda em torno da mesma, é difícil ignorar as semelhanças desse exemplar com a suposta sereia exibida pelo infâme P.T. Barnum (a famosa "Sereia de Fiji"), que na verdade na passava de uma montagem do corpo de um peixe com a cabeça e o torso de um macaco.
Museum of Hoaxes" ("Museu das Farsas", em uma tradução livre), tais figuras híbridas (com cabeça de macaco e corpo de peixe) algumas vezes eram usadas em práticas religiosas no Japão e nas Índias Orientais (basicamente o Sudeste Asiático). Se essa era uma prática comum, é bem provável que a sereia do templo Tenshou-Kyousha siga essa mesma linha.
De qualquer forma, até hoje não se sabe se a figura original desapareceu ou não em um dos inúmeros incêndios ocorridos no acervo de P.T. Barnumm, na década de 1860. Alguns acreditam que o exemplar original esteja no Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, porém há muita controvérsia devido algumas diferenças na caracterização da figura, e devido as inúmeras réplicas criadas ao longo do tempo.
Evidentemente, AssombradOs, tanto os supostos "ossos de sereia do templo Ryuguji", quanto a "sereia mumificada de 1.400 anos do templo Tenshou-Kyousha" são apenas exemplares físicos, que refletem lendas milenares sobre as sereias no Japão. É muito complicado destruir uma lenda, visto que não bastaria apenas a nossa crença, mas a análise científica do material disponível, algo que é inviável, uma vez que sendo descoberta a realidade, perderia totalmente o seu encanto. Sinceramente, eu não diria para considerar a mais remota possibilidade de que estejamos diante de exemplares reais das chamadas sereias, porém, quem sabe um dia algum prove a existência das mesmas? É muito remoto, mas enquanto isso, assim como Yoshihito Wakai disse, vamos deixar a lenda sendo apenas e tão somente uma lenda.
Até a próxima, AssombradOs!
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://hoaxes.org/archive/permalink/the_feejee_mermaid
http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/Sereias
http://www.asahi.com/ajw/articles/photo/AS20170209004045.html
http://www.atlasobscura.com/places/fujinomiya-mermaid-mummy
http://www.japan-talk.com/jt/new/fukuoka
http://www.smithsonianmag.com/smart-news/how-13th-century-mermaid-bones-came-be-displayed-japanese-temple-180962209/
https://en.wikipedia.org/wiki/Fukuoka
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sereia
https://yokanavi.com/en/spot/26937/