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O Diário da Morte - A tragédia do Cessna 140 - A Dramática História do Piloto Milton Terra Verdi

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No dia 29 de agosto de 1960, o então jovem piloto rio-pretense, acompanhado do cunhado, Antônio Augusto Gonçalves, fez um pouso forçado em meio a uma floresta boliviana, onde permaneceram por 70 dias aguardando o resgate, que não veio.

Quando o Cessna 140 decolou do aeroporto de Corumbá (MS) às 13h30 no dia 29 de agosto de 1960, Milton Terra Verdi e Antônio Augusto Gonçalves planejavam fazer mais um pouso para abastecer antes de chegaram ao destino final, a cidade de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Mas, após quase quatro horas de voo, desorientados, a única coisa que os dois ocupantes da pequena aeronave viram naquele “mar verde” de árvores foi uma pequena clareira, já no território boliviano. Quando as rodas tocaram o solo emaranhado de raízes, eles não imaginavam que ali viveriam seus últimos dias.

O Diário da Morte: a tragédia do Cessna 140.
Enquanto esperava pelo resgate, que não veio a tempo, Milton escreveu  no verso de mapas e revistas, uma espécie de diário até a véspera da morte, após 70 dias, que mais tarde foi reproduzido e transformado em livro "O Diário da Morte – A tragédia do Cessna 140" publicado em 1961 escrito por Walter Dias, tio de Milton. Todas as anotações, fotos e gravuras estão estampadas na obra.
O monomotor somente foi encontrado quatro meses depois, em dezembro daquele mesmo ano, pela FAB (Força Aérea Brasileira).

Mas os restos mortais de Milton e Augusto retornaram a Rio Preto apenas no dia 3 janeiro de 1961, quando foram enterrados no Cemitério da Ressurreição, no bairro Ercília. Neste espaço de tempo, várias histórias surgiram, como especulações sobre quais eram os motivos da viagem. Até mesmo notícias falsas foram publicadas na imprensa, o que aumentou o sofrimento e a dor dos familiares.

Às 17h15, quando pousaram na clareira, os rio-pretenses sabiam que a situação era grave e fora do controle. Após o corte do motor, restavam apenas os sons da selva naquele dia que começava a escurecer. Em um pedaço de papel, por motivos desconhecidos, Milton começou fazer anotações do que estava acontecendo.

“Segunda-feira – Aterrissamos nesta vargem do dia 29/8/60, estamos com gasolina para somente 5 minutos de voo, à uma hora que procurávamos um lugar para descer, pois tínhamos conosco um galão de 20 litros de gasolina, passamos maus momentos pois a gasolina estava no fim, e só víamos mato fechado. Avistamos esta vagem, como se fosse um milagre de Deus. Descemos bem e estamos tomados de um cansaço geral logo escureceu, após termos feito um reconhecimento do terreno, tínhamos duas coisas em mente, nossa família e a possibilidade de decolarmos no dia seguinte”.

Esta foi a primeira de uma série de relatos anotados. No dia seguinte, sem qualquer tipo de ferramenta, os dois homens tentaram buscar por um riacho, por terra, mas era quase impossível desbravar a mata virgem. A tentativa exigia esforço, o que aumentava a sede.

No oitavo dia, tomado pelo desespero causado pela terrível sede, Augusto toma uma garrafa do combustível do avião. “Terça-feira, 6/9/60 – Dormimos mais ou menos. Sonhei muito com água esta noite. Estamos muito fracos e o dia de hoje promete fazer muito calor. Já tentei tomar urina, mas não foi possível. Tem um sabor de sal-amargo [...] O Augusto se desesperou e tomou uma garrafa de gasolina como se fosse água. Passou muito mal a noite”, relatou Milton nas anotações.

No dia seguinte, 7 de setembro, Augusto não resistiu e morreu. A partir dali, Milton passaria quase dois meses sozinho, isolado. Nos períodos de chuvas, ele conseguia armazenar água e tentava encontrar algum alimento, mas a floresta era severa e pouca coisa oferecia para o sobrevivente. Até aquele momento, nenhum órgão da aviação civil brasileira ou boliviana tinha notado o desaparecimento do Cessna 140. Na região de Rio Preto, familiares acreditavam que os dois jovens já estariam na cidade boliviana, e aguardavam o retorno deles.

Os dias passavam e Milton travava uma luta contra a solidão, a fome e a sede. As esperanças aumentavam com a aproximação dos roncos dos motores. Ele acreditava que poderiam ser aviões de resgate, mas o desespero aumentava quando percebia que não tinha sido visto mais uma vez. Tentou então ser visto de todas as maneiras, com fogueiras, sinais de fumaça e gestos, mas pela altitude das aeronaves era praticamente impossível que conseguisse.

Diorama no Museu Tam

A família Verdi já começa a se preocupar com a demora do retorno dos “jovens aventureiros” e, temendo o pior, Manoel de Oliveira Verdi, pai de Milton, procura a polícia para notificar o desaparecimento dos rapazes no final de setembro. Este é o início da “odisseia” com as autoridades que a família iria viver pelos próximos meses. Descaso e a falta de informações precisas, entre outros, aumentavam o sofrimento dos familiares.

Erroneamente, a família recebe a informações de um sargento ligado ao Departamento de Aviação Civil (DAC) – hoje a Agência de Aviação Civil (Anac) - de que o Cessna 140 havia pousado em Santa Cruz de La Sierra. A falsa notícia fez com que a calmaria retornasse ao coração aflito dos familiares. Mas a paz logo terminou, quando o serviço de resgate aéreo da Força Aérea Brasileira (FAB) comunica que o paradeiro do avião era desconhecido.

Informações desencontradas

Manoel vai pessoalmente até Corumbá e tenta levantar o máximo de informações a respeito do filho e do genro. Ao tomar conhecimento da rota que Milton planejava fazer, o pai procura o Serviço de Resgate Aéreo (SAR) da FAB, com sede instalada no Rio de Janeiro. O órgão alegou que não poderia fazer nada, porque o território onde havia ocorrido a queda era de responsabilidade da Bolívia.

Em São Paulo, Manoel foi informado de que as equipes de resgate só poderiam seguir para Bolívia com autorização do SAR do Rio de Janeiro. O “empurra-empurra” entre São Paulo e Rio de Janeiro se estendeu por mais de um mês.

A história chegou até os veículos de comunicação, mas para aumentar a angustia dos familiares, os fatos eram sempre distorcidos. Um jornal impresso carioca destacou que Milton e Augusto eram contrabandistas. Outro chegou a noticiar que o Cessna havia sido localizado pela FAB após 453 horas de buscas, mas, na verdade, nenhum avião ou helicóptero de resgate ainda tinha saído do chão. Outro veículo acusava os dois jovens de serem traficantes de cocaína.

Diorama no Museu Tam

Setembro já tinha ficado para trás, outubro estava chegando à segunda quinzena, mas os desencontros de informações continuavam. Ao recorreram as autoridades bolivianas, uma vez que não tinham ajuda das brasileiras, familiares de Milton e Augusto tiveram outra decepção, quando o país vizinho alegou que pouco poderia fazer, por conta de greves que estavam acontecendo na Bolívia.

Entre várias anotações, Milton descrevia a saudade da esposa e dos filhos, anotava receitas de pratos que desejava comer caso voltasse para casa, também se lembrava de datas importantes como o aniversário do casamento.

O valor da água e de um prato de comida

"…Como se acabam as ilusões de um homem. Hoje para mim, um litro d'água que é a coisa mais barata que nós temos, vale mais que todo o dinheiro do mundo e um prato de arroz com feijão não tem dinheiro que pague.". Para Milton, quem estava perdido na selva, a água e a comida era o último recurso para sobrevivência enquanto o salvamento não chegava.

O Diário da Morte: a tragédia do Cessna 140.
"Se Deus nos der nova chance, temos planos de ser os homens mais humildes do mundo, querendo apenas ter nossa comida, água em abundância e o carinho das esposas, filhos e familiares. 

Minha querida esposa e dedicada mãe de meus filhos, primeiramente, peço que me perdoe pelos maus momentos que te fiz passar, vejo agora que tudo não passa de ilusão, o que vale mais no mundo é a água, a comida de todo dia e o carinho da nossa querida esposa e filhos. 

Saiba que você foi o único amor da minha vida, não duvides porque é um moribundo quem está falando. Nunca deixes ninguém passar sede, pois é a pior coisa do mundo."

Mas, já bastante debilitado, ele escreve as últimas palavras no dia 6 de novembro. "Hoje faz 70 dias que sofro aqui, minhas forças se acabaram por completo, minhas carnes e minhas reservas de energia se esgotaram e minha pele está ficando roxa, creio que está chegando o fim, lutei e sofri muito para resistir, mas tudo tem seu dia".

Aflito e sem notícias, pai freta avião até Corumbá

O descaso era tão grande que no final de novembro Manoel foi informado que as equipes de resgate aéreo da FAB se mobilizavam para procurar um avião americano desaparecido no Peru, próximo à fronteira com o Brasil e, somente quando as equipes retornassem, eles passariam pela rota traçada por Milton.

Descrente, Manoel foi informando no dia 10 de dezembro, que uma das equipes da FAB tinha localizado o Cessna 140 no dia 2 daquele mês, mas nada fizeram a não ser anotar as coordenadas geográficas e retornar para o Rio de Janeiro. O SAR ainda informou que o avião estava intacto e com sinais de sobreviventes, porque existiam peças de roupas sinalizando setas, procedimento comum adotado pela tripulação de aeronaves acidentadas.  Familiares comemoram, e muito, a notícia.

No dia 12 de dezembro de 1960, Manoel de Oliveira Verdi fretou um avião para levá-lo a Corumbá. Durante o trajeto o pai comentava com um primo que pretendia fazer uma grande festa quando trouxesse o filho para casa. Antes de decolar de Rio Preto, ele também foi informado que a FAB enviaria dois aviões e um helicóptero para ajudar o resgate. E entre as várias informações desencontradas naqueles dias, o pai recebeu a notícia de que Milton e Augusto estavam presos na cadeia de San José de Los Chiquititos, na Bolívia.

Diorama no Museu Tam

Chegando a Corumbá, o Departamento de Aviação Civil (DAC) voltou a impor burocracias em cima de burocracias. E, após atender a todos pedidos do órgão, veio um grande banho de água fria: Manoel descobriu que a história do filho preso era falsa. Soube também que os aviões de resgate ainda estavam no Rio e as coordenadas passadas pelo SAR davam em cima de um banhado, sem sinal do avião.

Abatido, Manoel esperou por mais longos nove dias quando, finalmente, os aviões da FAB chegaram. No dia 22 de dezembro, um terceiro avião ligado ao SAR pousou em Santa Cruz de La Sierra. Esta era a aeronave que voltava do resgate do avião desaparecido em terras peruanas e tinha localizado o Cessna 140, no dia 2 de dezembro.

Os três aviões da FAB decolaram e logo o erro de coordenadas foi esclarecido. O Cessna 140 estava a 40 quilômetros do local da posição passada. Manoel estava a bordo de um dos aviões do SAR e ficou trêmulo quando viu o pequeno monomotor no meio da clareira. O dia chegava ao fim, e, na manhã seguinte, as equipes retornariam com helicópteros, permitindo o pouso naquele espaço confinado.

O sorriso voltou ao rosto de Manoel, que prometeu uma enorme ceia natalina para todos os oficiais da FAB envolvidos no resgate. A felicidade aumentou quando foi feito o contato com familiares que aguardavam notícias em Rio Preto. A euforia voltava aos corações da família Verdi.

No dia 23 de dezembro, sem a terceira aeronave da FAB, o helicóptero seguiu em uma direção enquanto outro avião do salvamento decolou para o lado oposto. Nenhuma aeronave localizou o avião desaparecido. Após duas horas de voo, ambas retornaram. Desta vez somente o helicóptero decolaria, Manoel ficou no aeroporto, aguardando o regresso.

Após seis horas, o helicóptero apontou no horizonte. Manoel, apreensivo, viu que nenhum dos militares vinha falar com ele. Um dos oficiais então se aproximou e disse que as equipes não conseguiram pousar devido à instabilidade. O pai, aflito, entendeu a situação e voltou para o hotel, mas, na verdade as equipes tinham desembarcado e confirmado que Augusto e Milton estavam mortos.

Informações do diorama no Museu Tam

Walter Dias, primo de Manoel, foi informado sobre as mortes e teve a difícil missão de contar para o triste desfecho. Ao saber que o filho e o genro não tinham sobrevivido, Manoel chorou inconsolavelmente. A FAB tomou conhecimento de que precisava enviar um helicóptero maior para fazer a retirada dos corpos do local.

Esses helicópteros maiores chegaram a Corumbá, mas fortes chuvas impediram o resgate dos corpos e somente no dia 2 de janeiro de 1961 as equipes conseguiram pousar na clareira. Augusto já estava em avançado estado de decomposição e Milton estava deitado no interior do avião. Walter, que acompanhava a retirada dos corpos, encontrou as anotações.

No dia 4 de janeiro de 1961, às 16h, o Douglas C-47 da Força Aérea Brasileira pousava em Rio Preto. Após 130 dias, Augusto e Milton retornavam para a cidade natal deles. Familiares, amigos e centenas de pessoas acompanharam o enterro. Eles foram sepultados lado a lado.

O acidente também é lembrado em um trecho da canção "Rio Preto de Luto", de Tião Carreiro e Pardinho.


Por décadas, pessoas tinham o hábito de ir até o cemitério Ressurreição (Cemitério da Ercília) e colocar copos com água sobre o túmulo de Milton Verdi na cidade natal do piloto, São José do Rio Preto.

A tumba se tornou alvo de de romarias e peregrinações de pessoas que levavam centenas de copos d'água, simbolizando o reconhecimento por pedidos que, como acreditam, foram atendidos. Isso aconteceu até meados de 1990, hoje em dia, ainda se encontra um que outro copo d'água sobre a tumba (Palavras do Rusmea que foi lá dia um dia desses)

Além do livro publicado por seu tio, o advogado Walter Dias, Milton Verdi foi agraciado com o nome de um logradouro na cidade paulista de Fernandópolis, a Avenida Milton Terra Verdi.
Em 2010, o Museu "Asas de Um Sonho" (Museu TAM), com autorização da família, resgatou o pequeno Cessna 140 e levou até São Carlos. A aeronave ficou em exposição em um display, exatamente como foi encontrada. Ao lado do pequeno avião foi montada uma fonte d’água com a imagem de Milton.

Adaptação: Rusmea e Mateus Fornazari
Revisão: Amanari

Via: https://www.gazetaderiopreto.com.br/cidades/noticia/2019/08/os-59-anos-da-dramatica-historia-do-piloto-milton-terra-verdi.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Milton_Verdi
https://www.portaldoslivreiros.com.br/livro.asp?codigo=65435&titulo=O_Diario_da_Morte_de_Milton_Terra_Verdi_-_a_Tragedia_do_Cessna_140_-

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