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O Judeu Errante - A Imortalidade Como Uma Maldição

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Na tradição cristã, são relatadas muitas histórias sobre um homem que levaria mais de 2 mil anos com vida.

O Judeu errante
O judeu errante em imagem de
Épinal, 1896.

O judeu errante é um mito do cristianismo, uma lenda que relata que durante o penoso caminho à crucificação com sua cruz nas costas, sob as chicotadas dos soldados romanos, entre as vaias da multidão, Jesus sente sede e se detém ante um bebedouro.

Um velho judeu nega-lhe a água, dá-lhe um empurrão e diz que siga andando. "Eu seguirei", lhe responde Jesus, "mas você esperará até que eu volte", e continuou seu caminho para o Gólgota.
Jesus condenou o homem a andar errante pela Terra até a sua segunda vinda.

Até o século XIII não aparecem lendas sobre este judeu, são necessários doze séculos para se formar este mito de uma espera eterna, já que para que se cumpram as escrituras, Jesus não voltará à Terra até o dia do julgamento final.

Quem era o Judeu errante?

A partir do século XIII começam a aparecer testemunhas que afirmavam ter visto o anônimo e errante judeu e a lenda começa a se forjar com autenticidade.
O protagonista adquire vários nomes, alguns misteriosos, como Cartáfilo, Ashevero, Michob-Ader, outros explícitos, como Buttadeus, João Espera em Deus, Larry o Caminhante. Baltasar Gracián (escritor do século XVII), com mais precisão do que sonoridade, chamam-no também de João para Sempre.

Ahasuerus, em gravura de 1648
Nos países alemães foi chamado de  "Der Ewige Jude" (o judeu eterno) enquanto nos países de línguas românicas é conhecido como "Le Juif Errant" e "L'Ebreo Errant(e)", a forma inglesa foi inspirada nesta última e chamando-o de "The Wandering Jew".

Possivelmente o nome mais antigo é o que aparece em uma das "Cartas eruditas e curiosas" (concretamente na carta 25 da segunda toma) do padre Benito Jerónimo Feijoo, publicado em 1745 em que é citado a Mateo de Paris, bispo e historiador beneditino que no ano de 1229, afirmou que tal judeu existia e se chamava Catáfilo, se encontrando naquele momento pela Armênia.

O padre Feijoo nega a veracidade da história, considerando-a de invenção recente e como precedente desta lenda, assinala a conservação do profeta Elias sobre a terra até o fim do mundo.

Jacob Basnage, autor protestante, em sua "História dos judeus", conta que há exatamente três judeus errantes:

- Samer ou Samar: judeu errante condenado a viver para sempre e a vagar, por ter fundido o bezerro de ouro no tempo de Moisés.

- Catafito ou Catáfito: seria uma espécie de guarda da porta do pretório de Pôncio Pilatos. Quando tiraram Cristo desse pretório para crucificá-lo, para que saísse mais prontamente e evitar a aglomeração ou o tumulto, Catáfito deu um empurrão nas costas de Jesus, no qual este voltando-lhe o rosto, lhe diz: "O filho do homem se vai, mas tu esperarás a que volte". Trata-se de uma profecia do próprio Cristo, em que esse judeu não podia morrer até que Cristo voltasse para julgar os vivos e os mortos. A cada cem anos, Catáfito sofria doenças e angústias de morte, mas depois sarava e rejuvenescia até os trinta e três anos, idade que tinha Cristo quando morreu.

- Ausero: Sapateiro de Jerusalém que derrubou Cristo de um empurrão da soleira de sua porta quando Jesus parou ali para descansar a caminho do Calvário, lhe dizendo: "Vai rápido Jesus, sai o quanto antes; por que te deténs?". Cristo respondeu-lhe: "Eu descansarei depois, mas tu andarás sem cessar até que eu volte" (alguns acrescentaram: "até que não nasça criança alguma" ou "até que a mulher deixe de parir"). Desde aquele momento começou o cumprimento do vaticínio, sempre forçado a andar peregrinando, sem parar em província alguma. Representava a idade de cinquenta anos, e irrompia em frequentes gemidos pela tristeza que lhe causava a memória de seu delito. Dizem que Ausero foi visto no ano de 1547 em Hamburgo.

Lendas

Jesus encontra o judeu errante, por Matthew Paris
(Chronica Majora, 1240-1251).
Existem muitas lendas, crônicas, documentos ao longo da história que nos falam do mito do judeu errante.

Um cronista bolonhês afirma que em 1223 o imperador Federico II ouviu por boca de peregrinos que na Armênia havia um judeu condenado por Jesus a ser um viajante eterno.

O historiador inglês Roger de Wendover, nas crônica "Flores Historiarum" de 1228, conta que um arcebispo armênio que visitava a Inglaterra, relatou que havia se encontrado com José de Arimatéia, sob o nome de Cartaphilus. Este lhe contou que havia apressado Jesus durante a crucificação, e este lhe respondeu "irei mais rápido, mas tu deverás esperar até que eu regresse."

O monge inglês Matthaeus Parisienses, do século XIII, compila esta mesma lenda em sua "Chronica majora", o suposto relato de um bispo armênio que chega na Inglaterra narrando a história de um eremita que seria um criado de Pilatos castigado por Jesus, porque ao lhe ver passar carregando a cruz, lhe diz para que vá mais rápido. Jesus replica que ele irá, mas aquele criado terá de esperar até a sua volta. Deste modo, o criado rejuvenesce cada vez que chega à idade de cem anos, e assim até o fim dos tempos. No entanto, arrependeu-se e faz penitência na Armênia.

Em 9 de junho de 1564, o anônimo autor da "Kurtze Beschreiburg" ou "Crônica curta", afirma ter visto o judeu errante em Schleswig. Relata que é um homem alto e de cabelos longos, que as plantas de seus pés têm calos de dois dedos de espessura. Tem mulher e filhos que o acompanham em seu percurso ao longo do tempo. Seu grande pecado é que ofendeu o filho de Deus, seu castigo, viajar para sempre.

A fins do mesmo século XVII apareceu na Inglaterra outro judeu errante, que pretendia ter mil e setecentos anos de idade e ter sido empregado no tribunal de Jerusalém, quando Jesus foi condenado à morte. Naquela ocasião empurrou Jesus bruscamente do Pretório, dizendo-lhe: "Fora, fora, por quê estás aqui?" Ao qual Jesus respondeu: "Eu vou; mas tu andarás até a minha vinda". Afirmava que havia conhecido a todos os apóstolos, e que se lembrava de suas fisionomias, de sua vozes e de seus vestidos. Havia percorrido todos os povoados da terra, e não cessaria de andar errante até o fim dos séculos. Pretendia curar os doentes, com apenas tocá-los, falava muitas línguas, e discorria sobre pontos de história com tanta exatidão, que deixava admirados a quantos lhe ouviam.

O judeu errante, em caricatura de 1852
Os mais sábios doutores das universidades da Inglaterra jamais puderam apanhá-lo em contradição. Dizia que estava ele em Roma quando Nero mandou atear fogo à cidade, e que entre muitas personalidades conheceu a Maomé, Saladino, Tamerlan, Bayaceto, Soliman o Magnífico.

Tudo isto consta em carta escrita de Londres pela Senhora Mazarina (a Duquesa Hortênsia Mancini, sobrinha do cardeal Manzarini) à Duquesa de Bouillon, cujo original foi visto por Agostinho Calmet, e que plasmou em sua obra: "La Sainte Bible avec des notes littérales, critiques et historiques, des prefaces et des dissertations, tires du commentaire de Dom Augustin Calmet, Abbè de Senones, de Mr. L’Abbè De Vence et des Auteurs les plus cèlebres, t.V. pag.85-92. 1779".

Existe um documento, um panfleto de quatro folhas chamado "Kurtze Beschreibung und Erzählung von einem Juden mit Namen Ahasverus" (Breve descrição e relato de um judeu de nome Ahasverus), impresso em Leiden em 1602 por Christoff Crutzer (não há registro de nenhum impressor com esse nome nos arquivos de Leiden, pelo qual, acredita-se que este nome é um pseudônimo). A lenda se estendeu rapidamente pela Alemanha e antes do fim do século XVIII, haviam ao menos 40 variantes em edições diferentes. São conhecidas 8 edições em holandês e a primeira versão em francês apareceu em Burdeos em 1609. A primeira versão inglesa foi uma paródia de 1625 (Jacobs and Wolf, Bibliotheca Anglo-Judaica, p. 44, Não. 221). Também são conhecidas versões em dinamarquês, tcheco e sueco.

Na Bíblia

Segundo L. Neubaur, esta lenda foi inspirada nas palavras encontradas no evangelho de São Mateus 16:28:

Cartaz de propaganda da peça
teatral Juif errant (1860)
"Em verdade vos declaro: muitos destes que aqui estão não verão a morte, sem que tenham visto o Filho do Homem voltar na majestade de seu Reino."

Este versículo figurava no panfleto original de 1602.

Há quem diga que o trecho citado é do evangelho de São João 21:20-23:

"Virando-se Pedro, viu que o ia seguindo o discípulo a quem Jesus amava, e que durante a ceia se reclinara no seio de Jesus e perguntara: Senhor, quem é o que te trai?
Vendo-o Pedro, perguntou a Jesus: Senhor, e a este que sucederá?
Jesus respondeu-lhe: Se eu quiser que ele fique até eu voltar, que tens tu com isso? segue-me tu.
Espalhou-se, pois, este boato entre os irmãos de que aquele discípulo não morreria; entretanto Jesus não disse a Pedro: Ele não morrerá, mas: Se eu quiser que ele fique até eu voltar, que tens tu com isso?"

Outra versão diz que Malco, o assistente do Sumo Sacerdote, ao que São Pedro lhe cortou a orelha, é o judeu errante. João 18:10.

Existe uma versão muçulmana da lenda que remonta o ano 6 da Hégira, após os árabes tomarem a cidade de Holvan, na Síria. Segundo a lenda, Fadhilahc, o chefe das tropas árabes, teve um encontro com um homem quem disse se chamar Serib-Bar-Elia, quem habitava este mundo por ordem de Jesus Cristo até a sua segunda vinda.

Quando lhe perguntou quando seria a segunda vinda, aquele homem lhe respondeu: "Quando os varões e fêmeas se misturassem sem distinção, quando a abundância de víveres não minorasse seu preço, quando os pobres não achassem quem socorresse-os, por estar inteiramente extinguida a caridade, quando os templos, dedicados ao verdadeiro Deus, fossem ocupados pelos ídolos, então estaria próximo do julgamento final".

Versão de Gustave Doré (1832-1883),
para o personagem
Mais adiante, a história foi compilada, com variações, por dúzias de escritores entre os quais se contam Eugène Sué, Albert Londres, Pär Lagerkvist, Mark Twain e Jorge Luis Borges, quem associou a imortalidade do judeu com a de Homero.

James Joyce deu-lhe o nome de Leopold Bloom e obrigou-o a errar pela cidade de Dublín durante um único dia que se torna eterno para ele. A dupla Fruttero e Lucentini concebeu-o como um homem de meia idade, sem domicílio fixo, que trabalha de guia turístico em Veneza, cidade imortal por excelência.

Com frequência viu-se no judeu errante uma personificação metafórica da diáspora judia, interpretando do ponto de vista cristão em forma de zombaria, que a destruição de Jerusalém seria um castigo divino a todo o povo judeu pela responsabilidade que alguns deles tiveram na crucificação de Jesus pelos romanos, razão pela qual é considerada meramente uma lenda marcada pelo anti-semitismo.

Tradução/Adaptação: rusmea & Mateus Fornazari

Fontes:
http://www.gutenberg.org/ebooks/3350
https://web.archive.org/web/20131215031822/http://www.wanderingjew.freehomepage.com/
http://en.wikipedia.org/wiki/Wandering_Jew

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