Por Marco Faustino
Recentemente, elaborei uma matéria bem completa sobre uma "história" que circula, de maneira verificável na internet brasileira, desde novembro de 2016, chamada "Setealém" (muito embora a mesma também seja conhecida por suas inúmeras variantes, tais como: "7além", "Se7ealém", Setealem", "Cetealem", entre outras possibilidades). Há quem diga que "Setealém" seria uma dimensão paralela obscura, suja, cujos habitantes não gostam da presença de pessoas do nosso mundo. Com o tempo surgiram histórias sobre uma catedral misteriosa, sobre pessoas infiltradas, e até mesmo recrutadores dessa suposta dimensão paralela. Enfim, sinceramente, nem pretendia falar sobre esse assunto, uma vez que o mesmo é inteiramente baseado em evidências anedóticas, mas resolvi abordar aspectos, que raramente vocês encontrarão em outro lugar. Infelizmente, o especial em vídeo não retratou praticamente nenhum ponto do que escrevi, porém apresentei inúmeros detalhes, que talvez sirvam de base futura para que outras pessoas possam escrever ou fazer vídeos a serem publicados no próprio YouTube. Obviamente, diante do meu passado como redator e pesquisador de conteúdo, não pude compactuar com isso, e dizer a vocês que "Setealém" seria uma dimensão paralela, porque, para começo de conversa, o "universo original "é puramente baseado em evidências anedóticas de pessoas, que não sabemos quem são. Em segundo lugar, o começo da história e forma como aconteceu sua divulgação é passível de inúmeros questionamentos, e muitos deles, infelizmente, atualmente inverificáveis. Isso sem contar o fortíssimo viés comercial por trás do nome "Setealém". Cada um é livre para acreditar no que quiser, é claro, mas recomendo fortemente que confiram o material que preparei (leia mais: Setealém: Uma Incrível Evidência da Existência de Universos Paralelos ou Tão Somente uma História Brasileira de Ficção e Terror?).
Agora, resolvi abordar um caso envolvendo uma mulher chamada Pauline Dakin, cuja infância no Canadá, na década de 1970, se viu repleta de situações estranhas, pertubações e surpresas desagradáveis. Ela sequer tinha permissão para falar sobre sua vida familiar para as demais pessoas. Sua mãe dizia, que só lhe contaria a "verdade", quando ela fosse crescida. Desde que nasceu, Pauline foi obrigada a se mudar de cidade e de escola por diversas vezes; presenciou comportamentos estranhos por parte da mãe, e acabou rompendo abruptamente as relações com amigos, namorados, familiares e até mesmo com o próprio pai. Um belo dia, quando Pauline já estava crescida, sua mãe ligou propondo contar toda a "verdade" para a filha. Assim sendo, Pauline descobriu, que mafiosos estavam perseguindo sua família, que seus amigos e parentes estavam mortos, e que sósias tinham sido colocados em seus lugares. Além disso, já teria havido inúmeras tentativas de matá-la ou envenená-la, mas uma organização secreta do governo canadense teria impedido tais atos. Uma vida repleta de medo e pânico por todos os lados. Contudo, será mesmo que Pauline estava correndo perigo? Vamos saber mais sobre esse assunto?
A História do "Mundo Estranho", que Pauline Não Podia Contar para Ninguém
Para contar essa história para vocês utilizarei como base o excelente artigo publicado pela Sarah McDermott, no dia 22 de fevereiro deste ano, no site da BBC, intitulado "The story of a weird world I was warned never to tell" ("A história de um mundo estranho, que fui avisada para nunca contar", em português). Posteriormente, apontaremos alguns outros detalhes sobre essa história, e uma pequena análise sobre a mesma, que, talvez, sirva de reflexão para muitas histórias que são contadas diariamente para vocês na internet. Confiram atentamente cada detalhe. Valerá muito a pena.
Havia sempre algo incomum na família de Pauline Dakin.
"Meu irmão e eu dizíamos, 'O que há de tão errado com nossa família? Por que somos tão estranhos? Porém, nunca havia uma única resposta para esse mistério", disse Pauline.
Os pais biológicos de Pauline, Warren e Ruth, se separaram quando ela tinha apenas cinco anos, alguns meses antes de que ela começasse a frequentar a escola. Warren, um empresário bem-sucedido, gostava muito de beber, algumas vezes até demais, o que o tornava violento ao ponto de Ruth simplesmente não aguentar mais a situação em que vivia, se é que vocês me entendem. Quando Pauline tinha sete anos, Ruth levou os filhos para passar férias em Winnipeg, a mais de 1.600 km da casa deles, em Vancouver. Porém, quando eles chegaram, Ruth disse aos filhos que eles nunca mais iriam voltar.
Warren e Ruth juntamente com os filhos Teddy e Pauline, por volta de 1969. |
Quando ela perguntava para mãe, a razão pela qual ela havia feito isso, nunca havia uma única explicação sequer, ao menos que fosse credível, é claro. A mãe apenas dizia: "Desculpe, não posso te dizer, quando você for mais velha, eu conto."
O mesmo aconteceu quatro anos depois, mas dessa vez a família se mudou para New Brunswick, na Costa Leste do Canadá. Apesar de tudo isso, aparentemente, a vida era bem normal para família de Pauline - eles começariam tudo de novo, e construiriam uma nova vida, em uma nova cidade. Porém, por baixo das aparências, Pauline estava confusa, ansiosa e em depressão.
Quando Pauline tinha 11 anos, ela já tinha frequentado cerca de seis escolas diferentes ao longo dos anos, quase a mesma quantidade de tempo em que havia perdido o contato com o pai. Porém, um outro homem entrou na vida da família, um ministro da igreja "United Church of Canada" (a maior denominação cristã protestante no Canadá e a maior denominação cristã canadense depois da Igreja Católica) chamado Stan Sears.
A mãe de Pauline conheceu Stan em um grupo de apoio para as famílias de alcoólatras. Stan era um conselheiro do grupo, e Ruth tinha ido até ele, enquanto estava lidando com a bebedeira do marido, o Warren, e se preparando para deixá-lo. Em ambas as vezes, que a família de Pauline havia desaparecido do mapa, a família de Stan havia se mudado com eles.
Uma vez em New Brunswick, eles finalmente criaram raízes. Em 1988, aos 23 anos, Pauline se formou na universidade e estava trabalhando em um jornal local na cidade de Saint John, quando sua mãe telefonou com uma proposta inesperada. Sua mãe disse: "Certo, estou pronta para explicar todas essas coisas estranhas que aconteceram ao longo de sua vida".
Pauline deveria encontrar sua mãe no lado de fora de um hotel de beira de estrada, na cidade de Sussex, a meio caminho entre as duas cidades em que elas estavam morando. Quando ela chegou, Ruth colocou um bilhete em um envelope vazio, e o entregou para Pauline. O bilhete dizia: "Não diga nada. Tire suas jóias. Coloque-as no envelope. Vou explicar, simplesmente não fale."
"Foi a coisa mais bizarra que já vi. Eu pensei, 'Quem é você? O que está fazendo? Porém, fiz o que ela me pediu", disse Pauline. Sua mãe a levou para um quarto do hotel, onde Pauline ficou surpresa ao encontrar Stan Sears esperando por eles.
Pauline juntamente com sua mãe e seu irmão durante sua graduação na Universidade de New Brunswick, em 1987 |
"Foi inacreditável. Porém, lembro de ter sido tomada por um sentimento de horror, de que isso poderia ser algo, no qual jamais poderíamos escapar", completou.
Stan explicou, que tudo tinha começado depois de ter aconselhado um chefe de máfia, que queria deixar para trás o passado criminoso. Quando o restante da organização criminosa descobriu que o homem havia quebrado seu código de silêncio, e tinha ido até Stan para pedir conselhos, eles tinham que assassiná-lo, assim como Stan que, naquele momento, sabia demais. Posteriormente, quando Ruth - a amada ex-esposa de um mafioso - começou a trabalhar como secretária na igreja de Stan, ela também se tornou um alvo.
"Então, foi-me dito, que cada um de nós tinha alguém nos seguindo, nos observando a distância. Além disso, teria havido inúmeras tentativas de me sequestrar, me envenenar ou me matar, mas que agentes de segurança teriam intervido para me manter segura ao longo dos anos", continuou.
Pauline Dakin por volta dos 23 anos de idade |
Stan alegou, que já estava morando em uma dessas comunidades chamada de "Place of Hope" ("Lugar da Esperança", em português), mas sua esposa não queria morar com ele. Então, ele estava morando e trabalhando sozinho nesse "mundo estranho" com seus agentes. Stan e Ruth disseram a Pauline, que essa era a chance deles ficarem finalmente juntos, e que eles eram apaixonados um pelo outro há muitos anos, mas que nunca tinham sido capazes de assumir publicamente o romance. Pauline, no entanto, estava em estado de choque, era muita coisa para assimilar ao mesmo tempo.
Pauline passou um fim de semana inteiro ouvindo as histórias de Stan e Ruth, que explicavam muitas das coisas estranhas que aconteceram, enquanto ela estava crescendo, assim como a vez que ela chegou em casa e encontrou a mãe jogando toda a comida da geladeira no lixo.
"Na época, a história era que a comida tinha estragado, mas lembro-me de pensar 'Ketchup e mostarda não estragam, e existiam alimentos lá que não estragavam com facilidade. Por que ela faria isso?'", disse Pauline. Stan explicou que eles receberam a informação, que alguém estava tentando envenená-los, então tudo precisava ser descartado.
"Por mais inacreditável que isso pareça, todas essas explicações formavam peças, que recaíam em um tipo de padrão, uma narrativa de que éramos perseguidos", disse Pauline.
Quando chegou o momento de Pauline ir embora, Stan perguntou se podia colocar um transmissor em seu carro para tornar mais fácil, que os "mocinhos" pudessem segui-la e ter certeza que ela estava em segurança. Ele também lhe deu um pequeno rádio transistorizado, que ele disse que tinha uma função de transmissão, para que Pauline pudesse enviar um pedido de socorro.
"Ele me avisou: 'Use-o apenas se sua vida estiver realmente em perigo, porque as pessoas vão responder, e arriscar suas vidas por você'", comentou Pauline.
"A história era que algumas pessoas, que estiveram a nossa volta durante a minha infância, e que estavam envolvidas com o crime organizado, foram capturadas, presas, mortas ou desapareceram e, então, foram substituídas por sósias", disse Pauline.
"Algumas vezes o sósia havia sido colocado pelos 'mocinhos' e algumas vezes o dublê havia sido colocado pelos 'vilões', então você nunca tinha 100% de certeza de que lado era o dublê. Era uma espionagem", completou.
"Minha mãe estava tão chateada naquele casamento, porque sua irmã era supostamente uma sósia. Ela dizia 'Mas olhe para os dedos dos pés, esses são exatamente os dedos do pé da Penny, como alguém poderia fazer os dedos de outra pessoa se parecerem desse jeito?'", disse Pauline.
Pauline se lembra de olhar para o pai dela naquele dia. Ele tinha um "nevo" (uma lesão na pele popularmente conhecida como mancha, pinta ou sinal), um crescimento excessivo de células bem acima da íris de seu olho. Ela passou a questionar como alguém conseguiria reproduzir aquilo.
"Porém, quando disse isso ao Stan, ele disse: 'Ah, são lentes de contato, e existem próteses, e existe isso e aquilo'. Sempre havia uma resposta", continuou.
Ruth e Stan na década de 1990. |
Apesar de ser atormentada por dúvidas, Pauline sempre teve que admitir que, as duas pessoas que lhe contavam sobre essa incrível história eram a sua mãe e o Stan, as pessoas mais confiáveis que conhecia. "Era uma história maluca, e tive alguns contratempos em acreditar nisso. Porém, se não confiasse neles, em quem mais eu confiaria?", disse Pauline.
Pauline Resolve Tomar uma Atitude Radical em Relação a Sua Própria Vida: A Tentativa de Entrar do "Mundo Estranho"
Pauline começou a sentir que seu trabalho como repórter ao cobrir reuniões do conselho escolar e reuniões da câmara municipal da cidade havia se tornado irrelevante, quando sua própria vida estava em constante perigo. E, jurar segredo em relação ao que ouviu, colocou um fosso entre ela e seu namorado, assim como todos os demais amigos e conhecidos de sua vida.
"Simplesmente pensei, 'Não posso viver assim'", lembra Pauline. Assim sendo, ela decidiu iria a fundo nessa história juntamente com sua mãe. Pauline decidiu entrar para o chamado "mundo estranho".
Stan disse a Pauline, que havia trabalho para ela onde morava, e que havia uma comunidade com boas pessoas, na qual ela poderia fazer parte. Ele estava construindo uma casa de campo para si próprio e sua mãe, e disse que poderia providenciar para que uma fosse construída para ela também. Ele lhe mostrou amostras de tapetes, mostrou plantas, e uma foto do cavalo que ela teria. Pauline deixou seu emprego, vendeu sua casa e terminou com seu namorado. Ela se mudou para Halifax, na Nova Escócia, onde encontrou trabalho e uma nova casa, enquanto ela e sua mãe esperavam que fosse seguro entrar no "mundo estranho".
Stan foi o responsável por levar Pauline até o altar em seu casamento com Kevin. |
Pauline acabou conhecendo um rapaz chamado Kevin, que mais tarde se tornaria seu marido. Stan foi quem a levou ao altar no dia do casamento - é claro que ela não poderia convidar seu pai verdadeiro - e a Kevin foi permitido contar o terrível segredo. Kevin concordou que ele acompanharia Pauline até o "mundo estranho". Porém, nunca era a hora certa. Em 1993, cinco anos depois de ter sido informada sobre tudo aquilo, as dúvidas de Pauline atingiram o clímax.
A Descoberta da Verdade Por Parte de Pauline: Uma Reviravolta Inesperada
"Estava em guerra comigo mesmo, e queria encontrar uma maneira definitiva de provar que aquilo estava certo ou errado. Liguei para minha mãe e disse: 'Alguém está invadindo a minha casa. O que devo fazer?'", disse Pauline.
"Vou pedir ajuda ao nosso amigo, e te ligo de volta", disse Ruth, a mãe de Pauline.
Stan havia deixado claro para Pauline e Ruth, que nunca deveriam ir à polícia para relatar nenhuma das ameaças e estranhos acontecimentos em suas vidas. Segundo ele, a polícia não era confiável. Se acontecesse algum problema, elas deveriam falar com ele, que por sua vez saberia se havia alguma informação sobre quaisquer situações que pudessem colocá-las em risco. Ele tinha um apetrecho implantado em sua carteira para receber mensagens.
"O apetrecho gerava uma mensagem de código Morse, composta por traços e pontos, algo que ele escrevia em uma caderneta e, em seguida, decifrava", disse Pauline. Ruth ligou para a filha alguns minutos depois.
Exemplo de carta destinada a Ruth e Pauline, que seria supostamente de dentro do chamado "mundo estranho". |
O problema é que ninguém havia tentado invadir a casa de Pauline. Ela inventou essa história para ver qual seria a reação da mãe e de Stan.
"Quando ela disse aquilo, eu sabia que toda a história era mentira. Não houve nenhuma tentativa de arrombar a minha casa. Inventei tudo. Esse foi o momento que eu sabia que todos os relacionamentos rompidos, toda aquela loucura que vivi, toda aquela estranheza, tudo era mentira", disse Pauline.
O problema é que ninguém havia tentado invadir a casa de Pauline. Ela inventou essa história para ver qual seria a reação da mãe e de Stan. A imagem é meramente ilustrativa. |
"Minhas lembranças daquela noite era ver o quão triste ele estava. Eu não era mais um deles", disse Pauline, que passou meses tentando convencer sua mãe de que Stan estava mentindo para eles, enquanto sua mãe tentava convencer Pauline de que estava errada. Ambas chegaram a ficar sem se falar durante um tempo.
Pauline ao lado do seu irmão Teddy. |
"Eu disse, 'O que você acha que isso poderia ser? Ele claramente não é esquizofrênico. Ele não parece ser psicótico. Ele é um profissional e bem respeitado. As pessoas sempre falam o quão maravilhoso ele é, o que poderia ser?'", disse Pauline. O psiquiatra sugeriu que aquilo soava como um caso de folie à deux, uma síndrome em que os sintomas de uma crença delirante são transmitidos de uma personalidade dominante (Stan), para uma personalidade menos dominante (Ruth).
"Pensei em contar a ele. Porém, então pensei que isso acabaria com ele, e não seria nada bom para sua saúde. Simplesmente não via nada que pudesse sair de bom disso tudo", continuou. Já o seu relacionamento com sua mãe nunca voltou a ser como era antes, muito embora tenha melhorado, quando Pauline constituiu uma família.
"Quando tive filhos as coisas mudaram, porque eles se tornaram um foco para todo o nosso amor", continuou. Porém, o tempo e a vida podem ser cruéis de vez em quando. Ruth desenvolveu câncer, que acabou a matando, em 2010. De qualquer forma, ela passou os últimos nove meses de sua vida morando com Pauline.
"Não a perdoei completamente naquele ponto, mas nós duas sabíamos que não havia tempo para resolver isso. Tivemos que encontrar um lugar de paz e, eventualmente, encontramos", completou.
"Pouco antes de morrer, ela tentou me avisar para ter cuidado. Disse a ela: 'Não preciso ser mais cuidadosa do que qualquer outra pessoa'. E ela me disse: 'Ah, Polly, se você não acredita nisso, então como você deve me odiar'. E eu respondi: 'Não, eu não odeio você. Fiquei realmente brava, mas eu amo você", disse Pauline.
Quatro anos atrás, ainda tentando entender o porquê Stan inventou toda aquela mentira tão bem elaborada, Pauline encontrou um artigo em uma revista médica sobre uma condição chamada transtorno delirante.
"Ao ler o artigo, pensei: 'Isso descreve descreve completamente o Stan, alguém que é normal e competente em todos os aspectos, mas tem esse delírio maluco'", completou.
"Sinto muita tristeza pela minha mãe. Ela teve uma vida tão difícil, e ela era vulnerável ao Stan, principalmente porque ele era um cara gentil e carinhoso. É igualmente pavoroso, que ele tivesse esse terrível delírio. Porém, também sinto tristeza por mim e pelo meu irmão, duas crianças pequenas, que tiveram suas vidas profundamente abaladas", finalizou.
Pauline Dakin trabalhou por muitos anos para a CBC, emissora de rádio e TV canadense, e atualmente é professora assistente na Escola de Jornalismo da University of King's College, em Helifax, na Nova Escócia. Ela é autora do livro "Run, Hide, Repeat: A memoir of a fugitive childhood" ("Corra, Esconda-se, Repita: Um Livro de Memórias de uma Infância em Fuga", em uma tradução livre para o português), que foi publicado em setembro do ano passado.
As Entrevistas Concedidas por Pauline Dakin ao Longo dos Últimos Meses
Na tentativa de saber maiores detalhes sobre essa história assustadora e fantástica ao mesmo tempo, fui atrás de maiores informações. Desde o lançamento do seu livro, Pauline Dakin vem concedendo algumas entrevistas, principalmente para veículos de comunicação canadenses. Em outubro do ano passado, ela foi entrevistada pela "ShawTV Vancouver", cuja entrevista vocês podem conferir abaixo, no próprio canal da ShawTV, no YouTube (em inglês, mas comentarei rapidamente a seguir):
Inicialmente, a repórter mencionou que o livro de Pauline, capítulo após capítulo, se parecia mais como um filme de tão inacreditável que sua vida, principalmente sua infância, tinha sido. Então, Pauline basicamente resumiu toda sua história de vida, alegando que não sentia mais raiva do Stan, e acreditava que ele não tinha a intenção de prejudicar a sua família. Simplesmente, ele foi a pessoa errada, que apareceu no momento errado.
Em toda essa história também fiquei curioso sobre o destino de Stan Sears, e obtive a resposta ao ler um artigo publicado no podcast "Story Untold". Segundo o mesmo, Stan faleceu, porém não foi mencionado, quando isso aconteceu. Ela também voltou a repetir que o ministro da igreja não era uma pessoa ruim, que ele não queria machucar sua mãe e muito menos ela ou o seu irmão. Infelizmente, no entanto, todos acabaram imersos em seu delírio.
Em entrevista a revista "United Church Observer", em janeiro deste ano, Pauline chegou a comentar que seu livro estava em primeiro lugar na lista de best-sellers canadenses de não-ficção do jornal "Globe and Mail", um dos principais veículos de comunicação do Canadá. Quando questionada sobre a reação dos leitores, ela disse que o público estava sendo surpreendentemente e esmagadoramente solidário e atencioso. Ela disse que estava preparada para comentários do tipo: "Nossa, como você foi ingênua e idiota! Por que você acreditaria em uma história tão louca?" Pauline alegou que também se sentiu assim inúmeras vezes.
Na entrevista também é mencionado que Stan morreu por volta de 2005 (cerca de cinco anos antes da morte de Ruth), porém, segundo Pauline, ao menos até onde ela sabe, ninguém mais percebeu a condição psicológica de Stan, visto que ele sempre pregava pela justiça social, e sempre fazia coisas legais. Enfim, para muitos, o Stan era um verdadeiro santo.
Capa do Livro "Run, Hide, Repeat: A memoir of a fugitive childhood" |
Pauline disse, que após a morte da mãe, ela estava tentando esquecer de todas as coisas ruins, que tinham acontecido, mas então ela pensou que tinha que colocar um ponto final nessa história, assim como contar aos seus filhos o que havia passado. Ela disse que nunca conseguiu dizer a mãe, ainda em vida, que a perdoava. E somente após pensar profundamente em toda sua história de vida, que ela conseguiu fazer isso. Pauline atribuiu sua capacidade de simpatizar e perdoar como um resultado direto de ter sido muito amada pela mãe. Já seu irmão, o Teddy, perdoou a mãe muito mais facilmente do que ela. Aliás, o irmão tinha um dos corações mais generosos que ela conhecia.
Pauline também disse que tinha acabado de participar de uma turnê dando entrevistas a diversas rádios nos Estados Unidos, e que ela buscava entender a real dimensão em relação ao transtorno delirante, ou seja, quantas histórias parecidas com a dela não existem? Ela também disse, que diversas pessoas já teriam entrado em contato com ela para contar experiências semelhantes. Por fim, como conselho as pessoas, que passaram por algo assim, Pauline disse para que elas deveriam colocar tudo o que tinha dentro delas para fora, que escrevessem profundamente sobre o que aconteceu com elas, e que fossem honestas consigo mesmas. Algo que ela definiu como glorioso e transformador.
Comentários Finais
Depois de ler toda essa história, é difícil encontrar palavras para definir como foi a infância, adolescência e, inclusive, a vida adulta de Pauline Dakin. Para vocês terem uma ideia, seu livro possui 336 páginas, e sinceramente fico imaginando o que mais ela sofreu com toda essa situação. Apesar do drama de Pauline ter começado na década de 1970, ela reflete perfeitamente o que vivemos atualmente no Brasil e no mundo: redes sociais infestadas de mentiras, notícias falsas, vídeos com um conteúdo totalmente vago, e muitas vezes distorcido de forma intencional. Segundo Plum Johnson, autora do livro "They Left Us Everything", outro aclamado livro de não-ficção canadense, a história de Pauline mostra o que acontece quando as "fake news" tomam conta de uma família, um caso verdadeiro e angustiante, e um thriller psicológico. Porém, algumas pessoas que leram o livro simplesmente não acreditam nas palavras de Pauline. Dizem, por exemplo, que ela fantasiou tudo aquilo que ela escreveu, que sua história é fantasiosa demais para ser verdade, e que aquilo jamais aconteceria com uma pessoa normal. Não sei o que mais me assombra, se é o drama vivido por Pauline ou as pessoas, que não têm mais a menor noção do que é ou não verdade. Para tentar vender o terror ou uma teoria conspiratória, muitas vezes algumas pessoas inventam histórias, tentam dizer que "cada um tem sua verdade" ou então cometem uma pequena contradição ao dizer que a "elite mundial" não quer que o mundo saiba da "verdade". Qual verdade se cada um teria a sua? Na verdade, teóricos da conspiração dizem apenas aquilo que lhe convêm, e sinceramente tenho minhas dúvidas se as pessoas que propagam mentiras realmente acreditam naquilo que contam. Sinceramente, soam mais como traficantes, que disseminam seus produtos para pessoas ansiosas e viciadas para consumir cada vez mais "verdades ocultas", sendo que, quem dissemina não acredita no próprio entorpecente que vende.
Talvez, a palavra-chave dessa matéria seja realmente "torpor", uma diminuição da sensibilidade gerando uma incapacidade de responder a certos estímulos, que pode levar a obnubilação da consciência, uma diminuição do grau de clareza da consciência. Os personagens da história de Pauline existiram, as cartas existiram, a dor existiu, e o pânico de ter uma vida constantemente ameaçada também. A história de Pauline demonstra exatamente o poder, que o delírio de uma pessoa, que flerta com teorias da conspiração envolvendo supostas agências secretas do governo, supostas organizações criminosas, e a suposta substituição de amigos e membros familiares por sósias pode gerar. Apesar de Stan ser um membro bem respeitado de sua igreja, praticar boas ações, pregar pela justiça social, ele muito provavelmente sofria de uma condição psicológica, que o aprisionou em um mundo totalmente ficcional, arrastando consigo toda uma família e mudando para sempre seu destino. A vida de Pauline é um exemplo vívido e nítido de como é necessário muito bom senso e uma investigação honesta sobre as histórias que são contadas. Ela confiava muito em sua mãe, assim como no Stan, que considerava como um pai. É muito difícil sair de situações assim e, felizmente, Pauline conseguiu. Não podemos dizer o mesmo de Ruth, que morreu acreditando na palavras de Stan, mesmo muito tempo após a sua morte. Pauline cuidou de sua mãe durante meses, em sua casa, como se fosse um quarto de hospital. Pauline tentou restaurar o pouco tempo que Ruth ainda tinha para ser uma avó para seus netos, de amá-los, vê-los sorrir, e cuidar dos mesmos. Ainda assim, imagino que Ruth tinha medo de perder a filha ou os netos assim que os via sair pela porta da frente. Ruth, infelizmente, só conseguiu sua liberdade ao morrer. Um lembrete que, a verdade, na absoluta maioria das vezes, é bem mais assustadora do que qualquer ficção.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://storyuntold.blubrry.com/2018/03/01/pauline-dakin-my-whole-life-had-been-this-question-mark/
http://www.bbc.com/news/stories-42951788
http://www.cbc.ca/news/canada/nova-scotia/run-hide-repeat-a-memoir-of-a-fugitive-childhood-pauline-dakin-book-fugitive-halifax-1.4275150
http://www.ucobserver.org/interviews/2018/01/pauline_dakin/
https://globalnews.ca/video/3761704/run-hide-repeat-journalist-pauline-dakin-details-childhood-on-the-run-how-she-uncovered-a-life-full-of-lies
https://penguinrandomhouse.ca/authors/2142874/pauline-dakin
https://www.youtube.com/watch?v=fiZtjpt6JR4