Por Marco Faustino
Aparentemente, não é apenas o caso do nova-iorquino Adam Ellis, que vem se tornando um assunto recorrente, popular e controverso nos últimos meses, mas também uma empresa chamada KrioRus, que já foi abordada por nós, no início do mês de setembro deste ano. Naquela ocasião, essa empresa russa de criogenia anunciou ambiciosos planos de enviar cadáveres de pessoas e animais para o espaço após congelar seus respectivos corpos. Esse serviço seria oferecido a pessoas, que acreditam que um dia, haja uma esperança de trazê-los de volta à vida. Assim sendo, os "especialistas" da KriosRus estariam vendo o espaço como se fosse um território próspero para essa área. Aliás, o custo para preservar tão somente um "cérebro humano", e mantê-lo no espaço seria no mínimo de US$ 250.000 (aproximadamente R$ 815.000 pela cotação atual). Desde 2005, a KrioRus alega ter congelado os corpos e os cérebros de 54 pessoas, 8 cachorros, 9 gatos, 3 pássaros e, peculiarmente, até mesmo uma chinchila de estimação. Atualmente, os planos seriam de simplesmente lançar esses corpos no espaço sideral. Por outro lado, a empresa com quem a KrioRus teria feito um acordo para o "lançamento dos corpos ou cérebros", chamada "Space Technologies" (oficialmente "Консорциум Космические технологии", em russo ou Consórcio de Tecnologias Espaciais", em português), cujo site encontra-se atualmente restrito (algo bem estranho, muito embora o mesmo sempre tenha sido simplório, com pouquíssimas informações, e nada confiável), teria começado a operar somente no ano passado. Até o presente momento, a mesma não possui foguetes ou veículos de lançamento, mas foi divulgado na época, que o consórcio deveria obtê-los em pouco tempo. De qualquer forma, fiz uma matéria bem completa sobre essa história para vocês (leia mais: Será Possível? Empresas Russas Planejam Enviar Cadáveres Congelados ao Espaço Para Tentar Ressuscitá-los no Futuro!).
Agora, eis que surge mais uma estranha notícia na mídia internacional sobre a KrioRus. Dessa vez, tentando ser "menos ambiciosa, porém não menos polêmica", a empresa russa resolveu divulgar, que planeja criar uma espécie de bunker, um centro criogênico, na Suíça. Evidentemente, não seria de se estranhar que uma empresa quisesse expandir o seu empreendimento para outros países no mundo, exceto por um único motivo, que o tornou um pouco sombrio e macabro. A empresa planeja congelar pessoas, que estejam, digamos, à beira da morte, mais ainda com vida! Ao contrário do que a KrioRus sempre se propôs, assim como as demais empresas que existem nesse ramo ao redor mundo, ou seja, congelar pessoas ou animais após a confirmação de morte cerebral, a empresa parece querer explorar um mercado de pessoas desesperadas diante de uma morte iminente, e que acreditem que, ao serem congeladas, possam ser descongeladas no futuro. Também apostando no avanço da medicina, essas mesmas pessoas acreditam que poderão ser curadas e continuar normalmente com suas vidas. Estranho e sombrio, não é mesmo? Vamos saber mais sobre esse assunto?
Uma Forma de Eutanásia Disfarçada? A Tentativa da KrioRus de Abrir uma Centro Criogênico na Suíça e a Polêmica Sobre Congelar Pessoas Ainda com Vida!
Toda essa história começou a ser contada recentemente, em uma matéria publicada pelo site do jornal britânico "Daily Telegraph", no dia 11 de novembro, intitulada "'Insurance' against death: Russian cryonics firm plans Swiss lab for people in pursuit of eternal life" ("Seguro" contra a morte: empresa de criogenia russa planeja abrir laboratório na Suíça para pessoas que estejam em busca da vida eterna", em português). O texto contém inúmeras informações, que provavelmente aqueles que acompanharam a última matéria já conhecem, porém caso seja a primeira vez que vocês estejam tendo contato com esse tipo de assunto, o material abaixo irá servir como uma espécie de resumo bem superficial, mas válido caso não tenham tempo nesse momento de se aprofundar sobre o assunto.
Inicialmente, o texto dizia, que em um vilarejo repleto de casas bem humildes e de muita neve, nos arredores de Moscou, havia dois tanques de fibra de vidro e resina, selados a vácuo, em um galpão, sendo que no interior dos mesmos havia 30 corpos humanos, e 25 cabeças e cérebros rumo a uma jornada pela eternidade. Estava apenas dois graus abaixo de zero, em uma recente tarde nos arredores da antiga cidade de Sergiev Posad, mas dentro dos tanques, chamados de "criostáticos", de nitrogênio líquido estava muito mais frio, cerca de -196ºC para ser mais exato. Além disso, dezessete gatos e cães, três pássaros e uma chinchila estavam congelados em um local separado.
"Do ponto de vista biofísico, o tempo parou para eles. Nenhum processo químico está acontecendo. Eles podem durar pelo menos 2.000 anos", disse Igor Artyukhov, cientista-chefe da KrioRus.
Assim como a maioria dos criogenistas, o Sr. Artyukhov, não acredita que irá demorar muito tempo para que a ciência vença o envelhecimento e as enfermidades, talvez em algumas décadas. Para aqueles que morreram muito cedo, existe a vitrificação: os criogenistas recebem um cadáver em meio ao gelo, abrem as artérias, substituem o sangue por uma solução crioprotetora, que não forma cristais de gelo à medida que o corpo é resfriado e, então, o mesmo é suspenso pelos pés no criostato.
"A criogenia é um 'plano B' para aqueles que querem viver para sempre e chegar em uma época em que possamos fazer o que quisermos com nós mesmos", disse Artyukhov.
"A criogenia é um 'plano B' para aqueles que querem viver para sempre e chegar em uma época em que possamos fazer o que quisermos com nós mesmos", disse Artyukhov. |
Dois homens e uma mulher do Reino Unido, estão entre as mais de 200 pessoas, que assinaram contratos para serem preservados pela KrioRus após suas mortes. No entanto, poucos compartilham do otimismo dessas clientes. A maioria dos médicos e cientistas é cética de que os corpos congelados posso ser revividos, sendo que a criogenia é ilegal na província canadense da Colúmbia Britânica, e foi banida da França. Por outro lado, exista uma espécie de "zona cinzenta" onde a mesma é possível.
Um incidente ocorrido em 1979, em Chatsworth, no estado norte-americano da Califórnia, quando um criogenista ficou sem dinheiro para comprar nitrogênio líquido, resultou na decomposição de nove corpos, algo que acabou arruinando a reputação desta prática, ao menos na visão de muitas pessoas. Embora dezenas de milhões de pessoas morram todos os anos, menos de 400 foram criogenicamente preservadas desde 1964, quando o livro "The Prospect of Immortality", do professor norte-americano de física, Robert Ettinger, iniciou o movimento. Aliás, a esposa de um cliente da KrioRus até mesmo frustrou a criopreservação do marido, retirando seu corpo do necrotério antes que os criogenistas chegassem.
Recipiente destinado a criopreservação de uma cabeça humana |
Notavelmente, pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, disseram em março deste ano, que nanopartículas de ferro revestidas com sílica permitiram o descongelamento de válvulas cardíacas de porcos sem quaisquer danos. Congelar e descongelar órgãos humanos inteiros, no entanto, algo que poderia expandir enormemente a disponibilidade de transplantes, ainda está muito distante da realidade.
As incertezas e as críticas não incomodam Sergei Yevfratov, um pesquisador franzino, de apenas 27 anos, que trabalha em uma empresa de biotecnologia de Moscou, cuja cabeça será preservada pela KrioRus caso um dia ele venha a morrer. Ele sempre usa uma plaqueta de identificação, semelhante aquelas que os soldados utilizam no exército, contendo o número de telefone da KrioRus. Um fã de livros de ficção científica, e do desenho animado "Futurama", o Sr. Yevfratov ficou fixado na ideia sobre a imortalidade desde criança. Contudo, ele só ficando sabendo sobre a KrioRus ao se tornar um estudante universitário e comparecer as discussões sobre o transhumanismo, um movimento que basicamente procura expandir as habilidades humanas através da ciência. Ao descrever a "filosofia transhumanista" ele disse que "é melhor ser bonito, forte, inteligente e saudável do que feio, doente, estúpido e estar morto". Aliás, o movimento se popularizou consideravelmente no ano passado, quando o Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa Russa advertiu sobre a ameaça de "desumanização" de tais ideias.
O Sr. Yevfratov argumentou que devemos ser capazes de viver o quanto quisermos e que seu "crio-contrato"é meramente uma "apólice de seguro" contra a morte, antes que a vida eterna seja alcançada.
"Se tecnicamente as coisas progredirem devagar, e eu envelhecer, talvez eu tenha que ficar um pouco no freezer. Não pretendo morrer para sempre", disse Sr. Yevfratov, claramente expressando sua vontade de ser congelado ainda com vida, ou seja, com seu coração e cérebro funcionando e plenamente consciente de seus atos.
Embora pessoas como Sergei Yevfratov continuem sendo uma pequena minoria, a Sra. Udalova argumentou que criogenia "será um grande negócio em um futuro próximo". As atitudes podem, de fato, estar mudando lentamente. Um dos colegas mais novos do Sr. Alexandrov, na comissão contra a pseudociência, Alexander Panchin, não acredita que as pessoas congeladas com os métodos atuais possam ser revividas. Contudo, ele não é contra a preservação criogênica, desde que os clientes estejam informados dos riscos, e que dinheiro não seja desviado.
"Apesar de todo o meu ceticismo, é claro que esta forma de enterro não é pior do que qualquer outra", disse Alexander Panchin, acrescentando que, se o dinheiro não fosse uma preocupação, ele mesmo tentaria consigo mesmo.
Foto mostrando uma das etapas da preservação criogênica em um boneco |
Inicialmente, o texto publicado no site da revista Newsweek mencionava que, em busca da vida eterna, alguns se voltavam para Deus, já outros se voltavam para a Ciência. Contudo, por mais que criogenia humana não seja proibida em alguns países, é necessário que você esteja morto antes de entrar no tanque criogênico. Caso contrário, congelar alguém vivo equivale a matar. Isso, no entanto, não intimida algumas pessoas, que simplesmente esperam ser criopreservadas até o dia em que a humanidade domine a arte da ressurreição, para que os cientistas possam reanimá-los e curar suas doenças (ou então que consigam transferir sua consciência na nuvem, o que ocorrer primeiro).
Até hoje, os únicos seres humanos, por assim dizer, que foram revividos após o congelamento criogênico foram embriões. O processo muito provavelmente mataria um adulto. Na Suíça, por outro lado, o "homicídio" deliberado poderá ser considerado como "eutanásia". De qualquer forma, até o presente momento, não há nenhuma garantia que a KrioRus irá obter sucesso no que está pretendendo fazer, mas, se obtiver, teremos uma jornada bem sombria pela frente. Para conseguir colocar isso em prática, a empresa russa adotou uma espécie de "financiamento coletivo" através de criptomoeda, que é ainda mais obscuro, e pode fazer com que muitas pessoas percam um bom dinheiro com isso. É justamente sobre isso que vocês conferem a partir de agora.
Um Grande "Sinal Vermelho" em Relação ao "Financiamento Coletivo" Através de Criptomoeda Proposto pela KrioRus!
Conforme dissemos anteriormente, a KrioRus lançou um "financiamento coletivo" através de criptomoeda (daqui a pouco explicaremos como isso funciona) chamado "CryoGen", juntamente com uma espécie de "fundo de investimento" chamado "Fundação NeuroDAO", alegadamente de Cingapura, um país do continente asiático. No anúncio publicado diretamente na página da KrioRus na internet, é mencionado que o ambicioso projeto buscaria os seguintes objetivos:
- O desenvolvimento inovador da criogenia na Rússia e em todo o mundo;
- A construção de uma grande instalação de armazenamento criogênico na Suíça, e expansão das instalações e laboratórios de criogenia existentes na Rússia;
- A obtenção de resultados científicos no campo da criopreservação reversível de órgãos e organismos, que possam salvar centenas de milhares e até milhões de vidas.
uma espécie de cronograma almejado pela KrioRus:
- Em 2018, eles alegam que planejam a abertura de uma ONG (sim, isso mesmo que vocês leram) chamada "CRYOGEN" na Suíça
- Em 2019, eles alegam que pretendem realizar experimentos de criopreservação reversível em órgãos de animais.
- Em 2020, a tecnologia da "eutanásia criogência" será trabalhada e colocada em prática, e nesse ano também haverá o início do desenvolvimento de tecnologias para criopreservação reversível confiável e eficaz de órgãos de mamíferos.
- Em 2021, a tecnologia de criopreservação reversível confiável e eficaz da maioria dos órgãos de mamíferos será alcançada. Assim sendo, os experimentos serão realizados com órgãos de pessoas "prestes a morrer".
- Em 2022, a tecnologia de anabiose será desenvolvida para voos espaciais.
Entretanto, temos diversos sinais vermelhos sobre a NDAO. Primeiramente, o site é muito semelhante ao do projeto CryoGen, sendo que o domínio foi criado recentemente, mais precisamente em julho desse ano. Além disso, apesar do nome do proprietário e da organização responsável pelo domínio estarem protegidos, ao consultar as informações referentes ao mesmo, é possível notar que o endereço físico é simplesmente de uma caixa postal de Moscou. Resumindo? Apesar de alegar que o fundo seria de Cingapura, o domínio é foi registrado por alguém ou alguma empresa da Rússia. Para completar, a equipe da NDAO é composta predominantemente de pessoas com nomes tipicamente russos, sendo que o diretor de comunicação do projeto CryoGen, Ustin Kolbin, também ocupa esse mesmo cargo na NDAO. Estranho e suspeito, não é mesmo?
Pois bem, uma ICO é basicamente um meio não regulamentado pelo qual um novo empreendimento ou projeto de criptomoeda pode arrecadar fundos vendendo moedas "recém-cunhadas". A prática é frequentemente usada por startups para evitar o rigoroso e regulamentado processo de captação de capital exigido por investidores de risco ou bancos. A ICO é semelhante ao financiamento coletivo, razão pela qual sempre coloquei essa expressão entre aspas ao longo do texto, visto que se eu falasse "oferta inicial de moedas" o tempo todo poderia soar grego para muita gente (incluindo a mim mesmo). Porém, nas ICOs, os patrocinadores são motivados por um retorno prospectivo em seus investimentos, enquanto, no financiamento coletivo, os fundos arrecadados são basicamente doações mediante ou não alguma recompensa.
Em uma campanha ICO, uma porcentagem da criptomoeda é vendida para os primeiros apoiadores do projeto em troca de uma moeda corrente ou outras moedas criptográficas, normalmente bitcoins ou ethers, a criptomoeda nativa da rede Ethereum. Antes de iniciar uma campanha, uma startup geralmente cria uma espécie de "plano de negócios" (o "white paper") sobre o que o projeto se trata, o que o projeto irá cumprir após sua conclusão, quanto dinheiro é necessário para o empreendimento e por quanto tempo a campanha ICO será executada, entre outras informações importantes. Durante a campanha, entusiastas e adeptos podem comprar alguns dos tokens distribuídos, que são semelhantes às ações de uma empresa, vendida aos investidores em uma transação de oferta pública inicial (IPO), porém a aquisição dos tokens não os tornam em acionistas.
Apesar de muitos analistas acreditarem que as ICOs irão mudar a cara dos investimentos em empresas, existe um consenso que essa forma de financiamento irá passar por um longo processo purgatório, ou seja, muitas ICOs que vemos atualmente irão falhar drasticamente, e fazer com que muitas pessoas percam muito dinheiro nesse processo. A China e a Coreia do Sul, por exemplo, baniram essa forma de financiamento, visto que, muita coisa que acontece nesse meio, ao menos, atualmente não passa puramente de fraude. Um exemplo disso aconteceu recentemente, quando uma startup chamada "Confido" simplesmente desapareceu com US$ 375.000 de pessoas que estavam interessadas em participar do projeto. Evidentemente, não acredito que a KrioRus simplesmente pegaria o dinheiro das pessoas e sumiria do mapa, mas diante do que pretendem fazer, do que a ciência atualmente proporciona e do que o meio de arrecadação representa, bem, é melhor ter muito cuidado e atenção em relação a toda essa história, entenderam?
Quem Está Por Trás da KrioRus? Alguns Detalhes que Você Precisa Saber Sobre a Empresa e Seus Planos Futuros
Nossa pequena jornada para saber quem está por trás da KrioRus e seus objetivos começa pelo artigo referente a mesma na Wikipedia. Apesar de ser particularmente contra as informações provenientes de enciclopédias virtuais, que podem ser facilmente alteráveis, o texto nos fornece um material inicial muito interessante, servindo assim como um belo ponto de partida. Aliás, vou tentar me limitar somente a KrioRus, visto que se fosse para falar sobre a história da criogenia ficaria um texto muito longo, ou seja, esse assunto daria um especial a parte, diga-se de passagem.
No texto da Wikipedia é citado que a KrioRus é a primeira empresa russa de criogenia, fundada em 2005, como um projeto de uma organização não governamental chamada de "Movimento Transhumanista Russo", sendo também é a única empresa desse ramo na Eurásia (o conjunto territorial formado pela Europa e a Ásia). A empresa armazena corpos (ou cérebros) de seus criopacientes (pessoas mortas e animais), em nitrogênio líquido, na esperança de que algum dia seja possível ressuscitá-los por meio das tecnologias, que também sejam futuramente criadas.
Já outro dos principais problemas enfrentados pela KrioRus é justamente em relação a sua atividade. Atualmente, a questão da possibilidade de "ressurreição" de um criopaciente está em aberto na comunidade científica. Infelizmente, não há casos conhecidos de "ressurreição" de criopacientes, e as empresas que trabalham com a criogenia, assim como KrioRus, não garantem que isso será mesmo possível. Do ponto de vista teórico e de pesquisa há uma série de argumentos tanto a favor de apoiadores da criogenia quanto a favor de quem é contra a técnica, mas não há resultados práticos.
Foto do interior de um dos tanques da KrioRus contendo desde corpos humanos até animais de estimação |
Compartimento especial onde são armazenados os cérebros humanos antes de serem colocados nos tanques da KrioRus |
Talvez seja justamente essa questão de acessibilidade que a KrioRus esteja tentando resolver ao longo do tempo. Em dezembro de 2015, por exemplo, foi publicada uma matéria sobre a empresa no site do jornal "Financial Times" (FT, sigla em inglês), onde foi realizada uma tentativa de mostrar como era KrioRus. Nessa matéria escrita por Courtney Weaver, correspondente do FT, é mencionado que a empresa mantinha na cidade de Sergiyev Posad, uma espécie de galpão contendo dois grandes tanques repletos de cérebros, corpos de três dúzias de seres humanos de nove países diferentes e uma coletânea de animais de estimação (gatos, cachorros e pássaros).
Um dos fundadores era um homem chamado Danila Medvedev (que atualmente ocupa o cargo de presidente do conselho administrativo e vice-presidente de desenvolvimento estratégico), com então 35 anos, e que acreditava que a Rússia rapidamente superaria os Estados Unidos na questão do "antienvelhecimento".
Danila Medvedev é filho de um cientista soviético, e cresceu lendo a ficção científica de Arthur C. Clarke e Robert Heinlein. Ele trabalhou em um banco de investimentos, apresentou seu próprio programa de televisão e ajudou a coordenar uma organização de combate ao tráfico de pessoas, mas seu trabalho atual havia se transformado em congelar pessoas. Inicialmente, ele ficou fascinado com a crença de que os seres humanos, caso fossem arrefecidos até -196ºC no momento em que a morte clínica fosse declarada, poderiam ressuscitar no momento em que a ciência avançasse o suficiente para curá-los da velhice ou de alguma doença.
Como estudante, ele começou a traduzir a literatura disponível sobre criogenia a partir do inglês para o russo e também começou a dar palestras. Em 2005, ele e outras oito pessoas fundaram a KrioRus. Ao longo da última década, a mesma havia se transformado em uma das maiores empresas desse ramo no mundo.
Foto de uma das salas da sede da KrioRus na cidade de Sergiyev Posad |
Aliás, como curiosidade, os corpos são armazenados de cabeça para baixo, sendo pendurados pelos tornozelos. O motivo? Bem, a parte inferior do tanque é a mais fria, razão pela qual é a região mais próxima da cabeça. Dentro dos tanques também existem animais, muito embora Danila tenha mencionado, que eles tentam não comentar muito sobre essa questão de que seres humanos estão armazenados juntamente com animais.
Contudo, a Sociedade de Criogenia da Califórnia logo encontrou problemas. Dirigido por um ex-técnico que consertava televisões chamado Robert Nelson, e que não possuía qualquer formação científica, a organização não tinha dinheiro suficiente para manter a criopreservação de seus pacientes. Então, eles começaram a preencher os tanques com múltiplos corpos, e utilizaram o dinheiro arrecadado com os novos pacientes para se manterem em atividade. Dois tanques, no entanto, apresentaram problemas, fazendo com que nove corpos viessem a se decompor. Nelson foi processado por alguns familiares e, em 1981, foi condenado a pagar cerca de US$ 800.000 em indenizações. Desde então, a reputação de criogenia nos Estados Unidos vem passando por altos e baixos, mas ainda assim conseguiu atrair algumas personalidades famosas ao longo do tempo.
Parte da vantagem competitiva do KrioRus reside em seus preços. Ao contrário de Alcor, que armazena seus corpos em compartimentos individuais, a KrioRus adota uma abordagem mais socialista e os armazena em tanques coletivos. Como resultado, na KrioRus, o procedimento de criopreservação custa cerca de US$ 36.000 para um corpo humano inteiro ou US$ 12.000 se for apenas o cérebro. Na Alcor, os valores são bem maiores, cerca de US$ 200.000 para um corpo humano inteiro e US$ 80.000 para o cérebro. Em sua defesa, a Alcor alega que os clientes pagam pelo "seguro de vida" e taxas adicionais de acordo com o serviço desejado.
Muitos pacientes optam por congelar apenas seus cérebros em vez de seus corpos inteiros. Alguns o fazem por razões financeiras, outros acreditam que toda identidade e memória humana são armazenadas no cérebro, e que um corpo tradicional não será necessário para o processo de reanimação. Devido ao seu preço "relativamente barato", a KrioRus atraiu um grupo diversificado de criopacientes provenientes de diversos países, incluindo os Estados Unidos, Holanda, Itália e Japão. Valeria Udalova, atual presidente executiva da KrioRus, e co-fundadora da empresa, possui o cérebro da mãe congelado dentro das instalações. Além disso, o cérebro da avó de Daniela Medvedev também está armazenado.
Valeria Udalova, atual presidente executiva da KrioRus, e co-fundadora da empresa, possui o cérebro da mãe congelado dentro das instalações |
Curiosamente, Danila Medvedev previa que o primeiro transplante de cabeça seria realizado em breve (alguém se lembrou do "Dr." Sergio Canavero?), resultando em uma cabeça de pessoa rica sendo transplantada para o corpo de uma pessoa pobre. Ele também citou que sonhava em trazer corpos a partir de países distantes, tal como o Equador, por meio de aviões comerciais e, quem sabe, resgatar os corpos de membros de expedições a Antártica do início do século XX. Danila disse que, por viver 10 anos na Antiga União Soviética, 10 anos na década de 1990 e 10 anos na Rússia, ele sabia o quão as coisas mudavam rapidamente e tinha grandes ambições para o futuro.
Danila disse que, por viver 10 anos na Antiga União Soviética, 10 anos na década de 1990 e 10 anos na Rússia, ele sabia o quão as coisas mudavam rapidamente e tinha grandes ambições para o futuro |
Segundo Danila, as pessoas estão morrendo o tempo todo e algo precisa ser feito com os corpos. Para eles, o congelamento era uma forma de "educar" as pessoas. Por fim, ele mencionou acreditar que os cientistas pudessem reanimar um cérebro humano nos próximos 40 anos, ou seja, até a década de 2050, caso contrário isso aconteceria em algum momento do século XXI, caso a humanidade não fosse extinta por ela mesma, é claro. Um pouco sombrio, não é mesmo?
Em novembro do ano passado, foi a vez da revista "Bloomberg Businessweek" realizar uma matéria sobre a KrioRus. Apesar da matéria ter sido escrita por uma jornalista completamente diferente, a mesma apresenta muitas semelhanças com o texto publicado no site do Financial Times. Contudo, existem detalhes interessantes a serem mencionados. Foi citado por exemplo, uma "pesquisa recente" onde 18% dos russos teriam mencionado o desejo de viverem para sempre (apesar de não ter sido fornecida nenhuma outra informação sobre essa pesquisa).
Quanto a mudança para um complexo de 3.300 m² na cidade da Tver, a mesma ainda não tinha acontecido. Foi divulgado basicamente, que base das operações seria no Instituto Estatal de Agricultura de Tver. Em um terreno espaçoso, um grupo liderado pelo Instituto do Alto Volga, uma universidade local, planejava construir um centro avançado de tratamento do câncer com a primeira instalação de terapia de feixe de prótons da Rússia, assim como um centro de cuidados paliativos para casos incuráveis, que pudesse oferecer a criogenia como um passo final adicional, uma vez que a morte não pudesse mais ser evitada. O texto dizia que a instalação KrioRus começaria modestamente, sendo que a primeira fase, que seria iniciada no final do ano passado, seria simplesmente um escritório com equipamentos básicos de laboratório, que também pode servir como base para o ensino de práticas criogênicas para pessoas de outros países.
Quanto a mudança para um complexo de 3.300 m² na cidade da Tver, a mesma ainda não tinha acontecido. Foi divulgado que base das operações seria no Instituto Estatal de Agricultura de Tver. |
O diretor da instituição era Oleg Balayan, um homem que mantinha na sala de conferências perto do seu escritório, uma foto emoldurada de um MiG russo disparando um míssil. Ele explicou que tinha sido Tenente-general da Força Aérea Russa, que havia deixado as Forças Armadas em 2009, mas ainda era um piloto da reserva, assim como um membro importante do Partido Comunista.
Confira também esse vídeo divulgado pela Ruptly TV, em seu próprio canal no YouTube, em 22 de novembro do ano passado, mostrando maiores detalhes dos equipamentos utilizados pela KrioRus (em russo, mas vale a pena conferir as imagens):
Assim como um vídeo divulgado pela própria Bloomberg, no YouTube, sobre a KrioRus, em 29 de novembro do ano passado (em russo, porém com legendas em inglês):
Ao final da matéria, Olya Ivanova citou que Danila Medvedev acreditava que Tver seria o futuro centro da Rússia, e que a nova instalação da KrioRus seria duas vezes maior que a Alcor e a o Cryonics Institute (outra empresa norte-americana do ramo da criogenia) combinadas. Ele também citou que durante anos o Movimento Transhumanista Russo havia motivado as pessoas a trabalharem por pouco ou nenhum dinheiro, mas que isso estava mudando, pois havia muitas pessoas querendo investir em seu negócio (já ouvimos essa história antes, não é mesmo?).
No início desse ano, mais precisamente no dia 10 de janeiro, foi a vez do britânico "Daily Mail" publicar uma matéria especial sobre a KrioRus, aproveitando o gancho que alguns britânicos estariam contratando os serviços da empresa Russa. Essa, sem dúvida alguma, foi a matéria que mais ilustrou as dependências da KrioRus, assim como algumas das pessoas e os animais de estimação que estão preservados de forma criogênica em suas instalações.
Foto mostrando uma parte das instalações da KrioRus, na Rússia |
Mais uma foto mostrando as modestas instalações da KrioRus |
Toda essa informação era fornecida pela Valeria Udalova, que obviamente não divulgou os nomes do clientes, e acrescentou que sua empresa já possuía 52 pessoas (corpos ou cérebros) e 20 animais criogenicamente preservados. Das 52 pessoas, 13 seriam estrangeiros: Três deles eram ucranianos, dois italianos e outros dos Estados Unidos, Austrália, Bielorrússia, Estônia, Israel, Holanda, Suíça e Japão.
Das 52 pessoas, 13 seriam estrangeiros: Três deles eram ucranianos, dois italianos e outros dos Estados Unidos, Austrália, Bielorrússia, Estônia, Israel, Holanda, Suíça e Japão. |
Valeria também ressaltou que os preços cobrados pela KrioRus eram muito mais competitivos que os praticados pelos demais concorrentes (entenda-se como norte-americanos). Ela deixou claro que não atendia apenas quem era rico e que, se necessário, poderia parcelar os valores ao longo de dois ou três anos, porém o objetivo era receber o dinheiro com antecedência, com a pessoa ainda viva, "para que não houvesse despesas para os familiares do falecido ou o desinteresse pela criogenia".
Entre os animais havia sete cães, oito gatos, três pássaros e uma chinchila chamada Knopochka, ou Pequeno Button. A chinchila teve um acidente em 2014, quando simplesmente bateu a cabeça e morreu, um evento perturbador para os quatro filhos de seus donos, que optaram por congelar o animal de estimação para o futuro.
A cadela Alisa, pertencente a Valeria Udalova, foi o primeiro animal criopreservado na Rússia |
Mais uma foto da cadela Alisa, que foi o primeiro animal criopreservado na Rússia |
Em sua defesa, Valeria Udalova disse que, no ano passado, a KrioRus havia celebrado 14 contratos e apenas uma pessoa morreu. Essa pessoa era uma italiana de 85 anos chamada Cecilia Lubei. Valeria Udalova disse que costumava instruir os médicos de seus clientes na implementação de procedimentos para garantir a preservação do corpo a partir do momento da morte, para que o mesmo pudesse ser transportado para a Rússia. Alternativamente, mediante o pagamento de uma taxa extra, médicos russos poderia ir até o país onde a pessoa morreu para a realização de tais procedimentos.
Em sua defesa, Valeria Udalova disse que, no ano passado, a KrioRus havia celebrado 14 contratos e apenas uma pessoa morreu. Essa pessoa era uma italiana de 85 anos chamada Cecilia Lubei (na foto). |
Primeiramente, 10% de etilenoglicol é perfundido nos vasos sanguíneos da cabeça do paciente, então aplica-se 30% de etilenoglicol. Em seguida, uma solução que consiste em 35% de etilenoglicol e 35% de sulfóxido de dimetilo é perfundida até a cabeça estar totalmente saturada. Ao mesmo tempo, o corpo é arrefecido de 0ºC a -127ºC. Posteriormente, tanto a solução final (fluido), quanto os tecidos da cabeça se endurecem e se transformam em um estado semelhante ao vidro chamado de "vitrificação". A diferença entre vitrificação e congelamento simples é que a vitrificação não produz cristais de gelo, ou seja, algo que seria o principal fator destrutivo para células e tecidos. Nem a cabeça ou o corpo do paciente é necessário ser mantido em tal solução, basta apenas infundi-los através dos vasos sanguíneos. Por fim, o resfriamento alcança -196ºC.
Evgeny Alexandrov, chefe da Comissão de Combate à Pseudociência e Falsificação da Investigação Científica da Academia de Ciências da Rússia, advertiu que atualmente a ciência era capaz apenas de congelar e recuperar células únicas, em particular, muito importantes, tais como óvulos humanos, espermatozoides e órgãos individuais de alguns organismos inferiores, tais como os répteis, e que aqueles que promovem a criogenia simplesmente exploravam o medo humano da morte. Ele disse não conseguia imaginar nenhum fisiologista (especialista que estuda as múltiplas funções mecânicas, físicas e bioquímicas nos seres vivos) acreditando sinceramente que fosse possível reanimar as pessoas congeladas em um futuro vagamente distante. As promessas de uma vida para os mortos no futuro, incluíam, portanto, elementos de fraude. Além disso, qualquer tentativa de preservar as pessoas, congelando-as, seria baseada em pura adivinhação, uma vez que ninguém realmente tem experiência em reanimar um ser humano nessas condições propostas.
O problema não seria apenas como descongelar o corpo, mas também em como revivê-lo. Além disso, dizer que os cérebros congelados poderiam ser colocados em um corpo clonado, seria algo ainda mais surreal, tão somente um conto de fadas. Na natureza seria até possível esfriar um corpo e, em seguida, devolvê-lo à vida, mas isso se aplica, por exemplo, a um sapo de sangue frio, não a corpos complexos de seres humanos de sangue quente. Existe um caminho, mas nenhuma tecnologia disponível atualmente, ou seja, manter corpos congelados, nesse momento, seria apenas um negócio visando vantagens financeiras, e uma ilusão para aqueles que acreditam em tais promessas.
Enfim, AssombradOs, se vocês acompanharam até essa última parte acho que ficou mais do que claro, que existe um longo caminho a ser percorrido e que existe uma enorme diferença entre planejar e efetivamente tornar algo possível. Infelizmente, a maioria das empresas russas ou que trabalham flertando com a pseudociência ao redor do mundo agem da mesma forma. Se projetam na mídia internacional com projetos e planos mirabolantes na tentativa de conseguir algum investimento externo, mas invariavelmente permanecem no mesmo nível tecnológico no decorrer dos anos. Acredito ser bem pouco provável que a técnica atualmente utilizada no congelamento de corpos permita que um dia os mesmos sejam descongelados e posteriormente reanimados. Resta apenas saber, se os planos da KrioRus irão realmente vingar na Suíça, assim como suas implicações legais. Isso, é claro, se toda essa história não terminar em uma verdadeira farsa.
Até a próxima, AssombradOs!
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://kriorus.ru/en/story/KrioRus-and-NeuroDAO-fund-jointly-announce-inception-ICO-CryoGen
http://www.assombrado.com.br/2017/09/sera-possivel-empresas-russas-planejam.html
http://www.newsweek.com/cryonics-freezing-people-russian-company-709999
http://www.telegraph.co.uk/news/2017/11/11/insurance-against-death-russian-cryonics-firm-plans-swiss/
https://bitcointalk.org/index.php?topic=1657972.0
https://cryogen.me/