Por Marco Faustino
Sempre tento dar preferência na abordagem de casos, que envolvam um caráter humano sólido do que abordar casos que sejam "espetaculosos". Um exemplo disso foi aquela matéria sobre a história do jovem casal Charlotte e Attila Szakacs. Eles seriam outro casal qualquer da cidade de York, na Inglaterra, se não fosse o nascimento da filha deles, a pequena Evlyn, que infelizmente havia nascido com uma anormalidade cromossômica rara, e veio a óbito após quatro semanas. Muitos poderiam questionar, que isso era algo que acontecia de vez em quando, e que apesar da dor, não haveria nada que tornasse o caso especial. Na verdade, quando Evlyn nasceu no dia 13 de dezembro do ano passado no Hospital Geral de Leeds, pesando aproximadamente 2,4 quilos, ela tinha um cérebro subdesenvolvido, vias aéreas estreitas em seu nariz e pulmões, além de possuir uma estreita artéria aorta. Assim sendo, a bebezinha não conseguia respirar sozinha, e também não havia condições de realizar uma cirurgia cardíaca. Caso ainda assim sobrevivesse, ela enfrentaria uma série de problemas de audição, visão, na fala e apresentaria severas deficiências mentais e motoras. O prognóstico não era bom e o tempo para Evlyn estava se esgotando, visto que sua situação piorava a cada dia. Eles tinham que decidir se deixavam a menininha morrer em um hospital, com ventilação mecânica, cercada de médicos e máquinas apitando, ou deixá-la partir em paz em uma clínica para crianças em estado terminal de saúde, onde o foco é o bem-estar do paciente e o tratamento paliativo geralmente vem acompanhado de apoio psicológico e até mesmo espiritual. Aquela foi uma linda matéria, e que vale muito a pena você conferir (leia mais: A Comovente História do Casal Britânico que Permaneceu por 16 Dias ao Lado da Filha Recém-Nascida Mesmo Após a Sua Morte!).
Agora, me deparo com um outro caso, que veio parar na mídia brasileira, praticamente na forma de um escárnio. Isso porque o caso foi recentemente publicado por diversos sites brasileiros de "notícias" (se é que podemos chamar o que muitos fazem realmente de "trabalho" ou "notícia"), os quais não citarei os nomes, mas que assim o fizeram, em uma conotação bem sarcástica, como se uma mãe de família tivesse cometido um ato bizarro simplesmente para não estragar as férias da família. Os textos geralmente contam a história de uma britânica chamada Debbie King, que estava grávida quando saiu de férias com seu marido, Jonathan Ansell, e seus dois filhos do casal (Siena e Dexter), A família teria ido para Lanzarote, uma ilha do arquipélago das Canárias, próximo à costa do Marrocos. No início da viagem, Debbie teria percebido, que o coração de seu bebê havia parado de bater. Ela foi a um hospital, mas não tirou o feto, que tinha 10 semanas de gestação. A britânica teria decidido não avisar ninguém, e escondido durante os 10 dias seguintes, que carregava um bebê morto em sua barriga. O motivo? Muitos sites alegam que ela fez isso para não estragar as férias de seu marido e filhos. Contudo, será que isso aconteceu exatamente da forma como vem sendo contado? Será que ela fez isso justamente para não "estragar" as férias de sua família? Vamos saber mais sobre esse assunto?
Quem são Debbie King e Jonathan Ansell?
Antes de começar a falar sobre o caso propriamente dito, é necessário contar para vocês quem são os personagens dessa história, começando pelo marido de Debbie, o Jonathan Ansell, um cantor inglês, que ficou mais conhecido por ser o líder do conjunto "G4", que por sua vez ficou na segunda colocação da primeira edição britânica do programa X-Factor, em 2004.
Jonathan e Debbie se casaram no dia 30 de agosto de 2009, no 40º andar do arranha-céu comercial conhecido popularmente como "Gherkin", ("Pepino", em inglês, muito embora seja atualmente chamado apenas de "30 St Mary Axe"), um dos exemplos mais reconhecidos da arquitetura contemporânea londrina.
Durante sua jornada ele conheceu Debbie King, uma ex-apresentadora de um game show chamado "Quizmania" (exibido entre 2005 e 2007), em uma casa noturna de Londres |
Enfim, agora que vocês já conhecem um pouco mais sobre ambos, vamos contar como todo o drama vivido recentemente por Debbie King realmente aconteceu.
Conheça o Dilema de Debbie King! Uma Mãe de Família que Teve que Tomar uma Difícil Decisão Durante as Férias de Sua Família
Por volta do dia 14 de setembro, diversos tabloides britânicos divulgaram que Debbie King havia sofrido um aborto espontâneo durante suas férias em família, e quase sangrou até a morte, uma vez que os médicos tinham lutado durante três horas para salvar a sua vida.
Tudo isso começou em agosto desse ano, quando Debbie King (40), Jonathan Ansell (35) conseguiram finalmente dar uma pausa em suas carreiras (visto que Debbie continua trabalhando como produtora de TV e Jonathan continua com sua carreira musical ao lado do G4) e viajaram com seus dois filhos, Siena (6) e Dexter (3 anos, visto que fez aniversário no dia 16 de setembro), para Lanzarote, uma ilha espanhola, que faz parte das Ilhas Canárias, que por sua vez é um arquipélago espanhol no Oceano Atlântico, que fica bem próximo da costa do Marrocos, na África. Diga-se de passagem essa é uma ilha paradisíaca, que conta com aproximadamente 140 mil habitantes.
Foto da cidade de Arrecife, capital de Lanzarote |
Debbie estava grávida de 10 semanas, e ambos esperavam ansiosamente pelo terceiro filho. Logo no início da gravidez, ela teve um problema de sangramento, mas ao realizar um ultrassom, o casal foi tranquilizado, visto que tudo estaria na mais perfeita ordem. Com a certeza que sua gravidez estava transcorrendo normalmente, Debbie viajou com sua família para Lanzarote no dia 9 de agosto. Porém após três dias de viagem, no dia 12 de agosto, um novo sangramento voltou a acontecer, o que a fez procurar um médico local.
"O médico me examinou e disse que podia ver um batimento cardíaco, mas que estava muito fraco e que o feto não estava se movendo. Ele queria me transferir para um hospital maior na capital Arrecife. Chegamos lá e fizemos um ultrassom mas, infelizmente, após alguns minutos, o médico disse que não havia mais batimentos cardíacos. Jonathan queria que eu passasse pelos procedimentos necessários para a devida remoção, enquanto estávamos lá, mas tive aquela terrível sensação de operar longe de casa", disse Debbie King.
"Tentei disfarçar e seguir em frente. Não havíamos contado para ninguém sobre a gravidez. Foi um momento muito difícil, e houve ocasiões em que fiquei muito triste, mas ainda assim não queria arruinar as férias das crianças. Falei com meu ginecologista no Reino Unido, e ele me disse que era seguro esperar até que eu voltasse para casa", continuou.
"Eles o deixaram por quatro horas, mas quando tentaram retirá-lo, comecei novamente a sangrar muito. Podia sentir o fluxo saindo de mim e minha pressão estava caindo vertiginosamente", disse Debbie.
Quando Debbie voltou para a cidade de Leeds, na Inglaterra, no dia 22 de agosto, ela se encaminhou para o Hospital Spire, uma unidade hospitalar particular, para ter o feto retirado de seu útero. |
"O Jonathan ficou esperando do lado de fora, e a enfermeira continuava entrando e saindo para obter mais bolsas de sangue. Essencialmente, cada gota de sangue no meu corpo foi substituída", continuou, acrescentando que, posteriormente, ela foi colocada em coma induzido.
"Estava em coma, mas, apesar de não poder me mover ou falar, eu sabia o que estava acontecendo. Os médicos me disseram que isso podia acontecer, mas era muito raro. Foi o momento mais assustador da minha vida, porque não sabia se iria sair daquela situação. Só queria falar, mas não conseguia", completou.
"Eles me disseram que é algo tão raro, que nenhum dos médicos havia tratado algo assim antes. Disseram-me que me tornarei um caso para periódicos médicos e livros didáticos", continuou.
"Eles esperam que não haja nenhum dano permanente. Ainda não sabem com certeza se minha bexiga voltará ao normal, mas eu sou razoavelmente jovem, apta e saudável, e esperamos que sim. Perdi semanas da vida dos meus filhos, coisas como vê-los voltarem para a escola. Sei que eles estão bem e estão sendo bem cuidados, mas só quero ser a mãe deles e ir para casa. Mal posso esperar para curtir as coisas mais simples e pequenas possíveis, tal como ler historinhas para eles dormirem", completou.
Debbie, Jonathan, os filhos do casal, e a mãe de Debbie (à esquerda), a Sra. Wendy King (a foto não reflete necessariamente os momentos da recente viagem de Debbie) |
Vale ressaltar nesse ponto, que o Jonathan Ansell apoia há muito tempo a "Breast Cancer Care", uma instituição de caridade do Reino Unido, que fornece apoio, cuidados e informações a qualquer pessoa afetada pelo câncer de mama. Isso porque a irmã gêmea de seu pai, a Brenda, morreu justamente devido a esse tipo de câncer. Ele participou de diversos eventos e até mesmo doou o dinheiro arrecado em algumas apresentações para a instituição. Em 2009, ele foi nomeado embaixador da "Breast Cancer Care".
Afinal de Contas, o que Realmente Aconteceu com Debbie King? Uma Rápida Análise do que Foi Divulgado na Mídia e uma Complicação Chamada de "Acrestismo Placentário"
Conforme vocês puderam perceber, o vem sendo divulgado por boa parte da imprensa brasileira, (em muitos casos de maneira irresponsável por sites que costumam ter como objetivo a viralização de suas "notícias" nas redes sociais, principalmente o Facebook) é bem diferente do que foi originalmente divulgado pelos tabloides britânicos, que naturalmente já seriam fontes questionáveis de informação.
É perfeitamente natural e compreensível, estando longe de casa, e diante de algo tão delicado quanto a remoção de uma vida, que um dia estaria em seus braços, que Debbie não quisesse passar por nenhum procedimento hospitalar naquele momento, ao menos não em Lanzarote. Estar longe de casa, dos problemas, do trabalho, da correria do dia a dia, e juntamente com seu marido e filhos também poderia, de alguma forma, ajudá-la a se recuperar psicologicamente, ainda que de forma mínima, da perda do seu bebê (embora haja uma discussão, como sempre há, entre os termos mais corretos, ou seja, se seria mais correto chamar de "feto" ou "bebê", por mais que, para uma mãe duvido muito que haja alguma diferença). Assim sendo, a conotação adotada pela mídia nacional, como se Debbie tivesse cometido um ato bizarro para não estragar as férias da família é totalmente inadequada.
Enfim, em termos médicos, Debbie King sofreu uma complicação que no geral é chamada de "Acretismo placentário", que nada mais é do que uma complicação em que uma parte da placenta invade a parede uterina durante a gravidez. Quanto maior for a invasão da placenta no organismo da gestante, mais grave é considerado o acretismo placentário.
- Placenta acreta: Quando a placenta penetra mais profundamente na decídua (camada mais interna do útero gravídico), atingindo o miométrio (músculo uterino) apenas superficialmente.
- Placenta increta: Quando a placenta penetra mais profundamente no útero e atinge a camada muscular (miométrio) mais profundamente.
- Placenta percreta: Quando a placenta ultrapassa a musculatura uterina podendo invadir até mesmo órgãos adjacentes, assim como a bexiga (como aconteceu no caso da Debbie).
A placenta percreta ocorre, quando a placenta ultrapassa a musculatura uterina podendo invadir até mesmo órgãos adjacentes, assim como a bexiga (como aconteceu no caso da Debbie). |
De acordo com estatísticas fornecidas pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, a incidência de acretismo é variável, entre 1 em 533 até 1 em 2.510 gestações. Cerca de 80% delas são acretas, cerca de 15% incretas, e até 7% percretas. A incidência aumentou muito desde a década de 1950, devido ao número no aumento de cesarianas (antigamente esse número girava em torno de 1 em 30.000 gestações). Segundo o nosso Ministério da Saúde, o Brasil tem 62 mortes registradas a cada 100 mil nascimentos.
De qualquer forma, espero que vocês tenham gostado de saber o que realmente aconteceu com Debbie King que, apesar dos pesares, ela sobreviveu e agora finalmente pode voltar a exercer seu papel divino e biológico de ser mãe.
Até a próxima, AssombradOs!
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://bedmed.com.br/o-que-e-acretismo-placentario/
http://seinformamaezinha.weebly.com/blog/placenta-acreta-increta-ou-percreta
http://www.dailymail.co.uk/health/article-4882986/Wife-X-Factor-star-bled-death.html
http://www.fetalmed.net/placenta-acreta/
http://www.mirror.co.uk/news/uk-news/x-factor-stars-wife-reveals-11167612
https://claudia.abril.com.br/saude/acretismo-placentario-a-doenca-que-pode-fazer-com-que-kim-kardashian-perca-o-utero-apos-nascimento-do-segundo-filho/
https://www.thesun.co.uk/fabulous/4461807/x-factor-stars-wife-placenta-c-section-scar-pregnancy/