Por Marco Faustino
Essa não é a primeira vez no ano, que o Estado do Paraná aparece por aqui. No fim do mês de março fiz uma postagem bem completa sobre os mistérios e supostas maldições do Hotel Yara, na cidade de Bandeirantes. Construído na década de 1950, esse hotel era um símbolo de riqueza e prosperidade do norte do Paraná mas, com o decorrer do tempo, uma sucessão de tragédias envolvendo a morte de diversos proprietários, acabaram selando seu destino, e o mesmo foi abandonado. No entanto, o que mais chamava a atenção é que os antigos hóspedes e ex-funcionários desse hotel contavam que o mesmo era "mal-assombrado." Seria possível escutar o som de passos no corredor quando não havia ninguém, janelas e portas batiam mesmo sem nenhuma corrente de vento, pessoas eram empurradas nos corredores, viam vultos e torneiras de banheiros abriam sozinhas durante a noite. Além disso, começaram a surgir rumores que o primeiro proprietário do hotel, um homem chamado Domingos Regalmuto, teria feito uma espécie de "pacto com o Diabo" para que o empreendimento prosperasse e, após algum tempo, o Diabo teria voltado para cobrir a dívida, despedaçando seu corpo e levando embora a sua alma. História impressionante, não é mesmo? Contudo, fui atrás de cada um desses detalhes para vocês com o objetivo de contar a história completa desse hotel. Aliás, a postagem sobre o mesmo foi muito elogiada pelo atuais proprietários, que planejam revitalizar o lugar assim que for possível. Vale muito a pena mesmo conferir, porque é bem raro, modéstia a parte, encontrar o volume de informações que coletei em um único lugar (leia mais: Os Mistérios e Maldições do Hotel Yara: Um Gigante em Estado de Abandono e com Fama de Mal-Assombrado, em Bandeirantes/PR!).
Agora, me deparei com uma história novamente envolvendo, coincidentemente, uma cidade do norte do Estado do Paraná, porém dessa vez o material humano da mesma é de partir o coração. Recentemente, os veículos de comunicação paranaenses, após 11 anos, descobriram a existência de um senhor chamado Edson Carvalho, 45 anos, que encontrou um mausoléu abandonado no Cemitério Municipal de Marialva, e fez do local o seu lar. Um homem que consegue ganhar entre R$ 600 a R$ 700 por mês, atuando em serviços de construção, incluindo obras no próprio cemitério, e que cujas refeições diárias acabam sendo parte de seu próprio pagamento. Edson teria ido parar nas ruas após a morte dos pais. Assim sendo, no pequeno e apertado "mausoléu", com dimensões de 1,8 x 2,4 m, ele passou a dormir enrolado em velhos cobertores, mesmo nos dias mais frios, e no meio de insetos. Aliás, em uma das reportagens sobre esse senhor foi mencionado, que sua condição de vida parecia "não incomodar os habitantes de Marialva, cidade que tem sua base econômica sustentada pela agricultura e pelo cultivo de uvas finas. Edson Carvalho havia se tornando uma figura folclórica no município sendo adjetivado por alguns como 'morto-vivo' ou 'sem terra'." Para completar a situação, um pedreiro chamado Leonel Batista, que trabalha no cemitério, acreditava que o homem era "alvo de 'uma maldição'." De qualquer forma, nessa postagem tentarei não espetacularizar o caso, mas mostrar o lado humano, dar nome ao "homem", e manter a dignidade que lhe resta. Tentar mostrar a vocês, o que toda uma cidade parece não se importar como deveria. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Um Pouco Sobre a Cidade de Marialva, no Estado do Paraná
É sempre muito importante conhecer um pouco sobre a cidade onde determinados casos ocorrem, visto que isso, muitas vezes, se torna fundamental no processo de entender como algo acaba acontecendo, e como todo um aspecto socioeconômico pode influenciar positivamente ou negativamente em algumas questões. Aliás, algumas vezes não adianta explicar um determinado assunto, se vocês não compreenderem o ambiente ao redor, e como uma situação evolui de uma forma tão absurda ao ponto de uma "condição humana se tornar um mero folclore." Uma vez que estamos no Brasil, um país de dimensões continentais, isso é ainda mais primordial.
Bem, a cidade de Marialva fica localizada na região norte do Paraná, a uma distância de aproximadamente 400 km da capital do Estado, a cidade de Curitiba (cerca de 6h de carro), porém ela está muito próxima das cidades de Maringá (apenas 17 km, à oeste) e Londrina (por volta de 80 km, à leste). Portanto, a cidade está englobada na messoregião chamada "Norte Central Paranaense". De acordo com uma estimativa populacional do IBGE, em relação ao ano de 2014, a cidade contaria com pouco mais de 34 mil habitantes. No passado, por volta da década de 1980, a cidade enfrentou um grande êxodo populacional, porém desde então vem crescendo a um ritmo bem lento nesse aspecto.
Foto da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Fátima da cidade de Marialva, no Paraná |
Em prol do seu desenvolvimento, a localidade atraiu pessoas de todos os estados com o objetivo de se dedicarem, principalmente, à cultura do café, para a qual as terras roxas e o clima subtropical se prestavam admiravelmente. A venda de lotes urbanos foi coroada de êxito e, em pouco tempo, dava amostra de uma nova cidade, que foi oficialmente fundada em 14 de novembro de 1951.
Foto aérea de um trecho da cidade de Marialva, no Paraná |
Nesse sentido, Marialva possui um monumento na entrada da cidade, o famoso "Cacho de Uva", feito de concreto armado, representando um cacho de uva rubi, que é a variedade mais produzida na cidade. O monumento foi construído para exaltar a importância da produção da uva para o município. Todo ano, no mês de dezembro, ocorre a tradicional "Festa da Uva Fina", durando 10 dias, com participação média de 150.000 pessoas, ou seja, o população da cidade multiplica quase 5 vezes.
A História de Edson Carvalho: O Homem que Mora há 11 Anos Dentro de um "Mausoléu Abandonado" no Cemitério da Cidade de Marialva/PR
Provavelmente, se você já tinha ouvido falar dessa história, possivelmente a conheceu através da RPC Maringá (afiliada da TV Globo) ou então pela TV Tibagi (emissora de TV pertencente a Rede Massa, que por sua vez é afiliada do SBT, no Paraná), porém o primeiro veículo de imprensa que comentou sobre isso recentemente, no dia 27 de junho, foi o site do jornal "Diário do Norte do Paraná", por meio de uma matéria realizada pelo jornalista Alexandre Gaioto. Se não fosse pelo Alexandre, dificilmente essa história continuaria limitada apenas a cidade de Marialva, e não saberíamos sobre a vida de um homem chamado Edson Carvalho.
O texto publicado no site do "Diário do Norte do Paraná" começou com uma história bem simbólica em relação a esse caso. Foi contado que duas senhoras caminhavam pela rua principal do Cemitério Municipal de Marialva, sendo as únicas visitantes no fim de uma determinada tarde, cruzando túmulos para prestar homenagem a algum ente querido. As mesmas passaram por cerca de oito mausoléus, todos bem cuidados, até que uma delas apontou para um antigo mausoléu, já com a tinta descascada, medindo cerca de quatro metros de altura, pouco mais de dois metros de profundidade, e um metro de largura.
- "Olha a janela daquela tumba, tá vendo?", perguntou uma das senhoras.
- "Que estranho, tem uma camiseta pendurada ali na janelinha", observou a outra.
De dentro do mausoléu, uma voz grave disparou uma frase inesperada:
- "E o dono da camiseta tá aqui dentro!", disse a voz.
Foto de uma parte do Cemitério Municipal de Marialva, no Paraná |
Mais uma foto de uma parte do Cemitério Municipal de Marialva, no Paraná |
Recompostas, as senhoras descobriram, que havia um homem de 45 anos, que há mais de uma década morava, sozinho, no mausoléu abandonado do cemitério. Sendo uma anedota ou não, o caso é mais sério do que imaginamos. Isso porque todas as pessoas, nos arredores do cemitério, conheciam as histórias de Edson.
"É um homem muito engraçado e inteligente. Sou amigão dele: a gente sempre toma umas pingas", disse Adriano Tarelho, um caminhoneiro local.
Entretanto, nem todas as pessoas gostavam da presença de Edson em meios aos túmulos. Um homem chamado Alexandre Modesto, o novo coordenador do cemitério, seria um dos principais críticos dessa permanência um tanto quanto inusitada. Desde que assumiu o cargo há cerca de seis meses, Alexandre já teria autorizado duas notificações para que o morador abandonasse o mausoléu. A primeira tinha sido emitida há 20 dias, e a segunda, na semana anterior a reportagem.
"O fiscal vai lá pela manhã e nunca encontra ele no mausoléu", disse Alexandre, queixando-se que o "inquilino" seria "baderneiro", e que abordaria as pessoas, durante os enterros, para pedir dinheiro.
"Edson não é baderneiro, é sossegado, na dele", comentou um colaborador, que não quis ser identificado. "Nunca vi ele pedindo dinheiro em enterro", desmentiu um outro colaborador, que também preferiu não ser identificado.
Segundo Alexandre, seria até mesmo difícil acreditar que Edson, vestindo uma camisa polo azul clara por baixo de uma blusa cinza, calça jeans azul e sapatos de cor marrom com respingos de tinta branca, morava realmente dentro de um mausoléu. Medindo 1,70 m, esbelto, e com uma barba bem feita em um dos quatro banheiros do cemitério, que ficam abertos 24 horas por dia, Edson contou que foi parar no cemitério em 2006, depois que o local em que morava, um barraco de obra no bairro Novo Horizonte, foi atingido por um incêndio. Ele perdeu tudo o que tinha, seus documentos pessoais, as roupas, um par de tênis, um colchão e uma coberta. Assim sendo, Edson passou a morar na rodoviária da cidade, debaixo de um carrinho de lanche, que dava para uma escadaria. Era um lugar protegido da chuva e do frio, um esconderijo que não oferecia muitos riscos noturnos.
Sem ter um lugar para morar, ele recebeu o convite de um ex-funcionário do cemitério para dormir, algumas noites, dentro de um dos banheiros do cemitério. Porém, o plano não deu certo, porque acharam que ele poderia assustar quem aparecesse pela manhã. Um amigo aconselhou, então, que dormisse, por uns dias, em um antigo mausoléu, provavelmente abandonado há muitos anos por uma família oriental. Edson, no entanto, deixou algo bem claro, visto que, uma vez dentro do local, ele nunca mais sairia de lá. Aliás, isso nunca aconteceu mesmo.
Quando acorda pela manhã, sendo que o horário varia de acordo com os trabalhos temporários que arranja como pedreiro, ele refaz os passos das duas senhoras, que assustou há muito tempo, e entra no salão do Prever para tomar copinhos grátis de café. Faz quatro meses que Edson deixou de preparar seu próprio café, de forma rudimentar, no interior do mausoléu: o fogo atingiu sua garrafinha de álcool, e deu início a um incêndio, rapidamente apagado por ele. "Foi perigoso. A coisa explodiu e quase me queimei", contou.
"Não gosto de ficar pedindo ajuda, sabe? Meu irmão, volta e meia, me dá uma carne assada. A gente come por aí, divide com os amigos, toma uma pinguinha pra acompanhar", completou. Aliás, o único casamento de Edson durou apenas sete meses.
"Eu bebia um pouco, ela também. Não deu muito certo, não", comentou, sem aparentemente sentir saudades da vida conjugal. Atualmente, Edson disse ter "um lance" com uma loira de 30 e poucos anos. Os encontros românticos seriam sempre na casa dela, jamais na dele. "Não sei se vai dar certo. Ela é muito controladora. A gente já brigou hoje cedo", completou.
Por outro lado, é justamente quando Marialva está dormindo, que o cemitério ganharia contornos um tanto quanto "sensuais." Casais fetichistas, na calada da noite, pulavam a mureta para realizar seus desejos, crentes de que as únicas testemunhas da luxúria seriam as almas enterradas. Não desconfiavam que havia uma espécie de "voyeur" dentro de um dos mausoléus, acompanhando todos os detalhes picantes das relações. Aliás, Edson disse que acompanhava tudo que os casais faziam. Curiosamente, no entanto, Edson disse que já tiveram mulheres, que quiseram conhecê-lo apenas para visitar o cemitério.
"Esses dias mesmo, conheci uma moça. 19 aninhos. Morena, pele clarinha. Daí peguei na mão, dei beijinho, e ela disse que eu tava diferente. À noite, partimos pro modão. No final, ela quis conhecer o cemitério. Quis saber como era, assim, entre os mortos. Se tinha assombração. Se tinha coisa diferente. Eu fui e mostrei tudo. Vou te contar, viu? Como ela gostou de dormir aquela noite comigo!", disse Edson, demonstrando um leve orgulho.
"Aqui não tem assombração, não tem fantasma, aqui é meu lugar. Se tentarem me tirar, precisam me dar uma casa", finalizou.
As Reportagens Exibidas pela RPC Maringá, pela Rede Massa, Tal Como o Texto Publicado pela Folha de SP, Sobre Edson Carvalho
Não demorou muito tempo até que veículos de comunicação maiores descobrissem a história sobre Edson Carvalho. Dois exemplos disso foram as reportagens exibidas pela RPC Maringá (afiliada da TV Globo) e pela TV Tibagi (emissora de TV pertencente a Rede Massa, que por sua vez é afiliada do SBT, no Paraná) no dia 3 de julho.
Vamos começar pela reportagem da RPC Maringá para ver se foi mencionado algo relevante, que pudesse explicar melhor a situação desse senhor, e a razão pela qual durante 11 anos, ninguém, por exemplo, lhe ofereceu um emprego no próprio cemitério ou então a razão pela qual o mesmo aparentemente foi descartado pelo Estado (no sentido mais amplo da palavra, ou seja, pelo poder público de modo geral) durante todo esse tempo. Você pode conferir a reportagem em um canal de terceiros, no YouTube, logo abaixo, porém irei pontuá-la para vocês:
Inicialmente foi mencionado, que dentro de um túmulo um "homem descansava em paz". Então, nos deparamos com o despertar do Edson, usando um casaco preto, uma camisa polo vermelha e um boné do Los Angeles Dodgers, um time norte-americano de baseball.
Aliás, de acordo com a repórter responsável pela reportagem, Edson estava bem vivo, e como prova disso chegou, inclusive, a tocar a sua mão. Em um tom "bem-humorado e descontraído" a mesma chegou a fazer um sinal de positivo, dizendo que, "por enquanto", ele ainda estava vivo.
Diariamente, Edson se levantava do seu "mausoléu abandonado" para começar a rua "rotina." |
Sorridente, um senhor cita que Edson era um "morto-vivo." |
Já um pedreiro chamado Everaldo Caetano, que se considera colega de Edson, garantiu diante das câmeras que, quem precisasse de um bom pedreiro, um azulejista profissional, poderia contar com o seu "colega." Porém, ele disse que sempre que precisava o vinha procurar de dia, não de noite, sempre um tom bem descontraído e de risadas, que também eram compartilhadas pelo Edson.
O espaço era visivelmente bem pequeno, menos de 3m², mas foi mencionado que Edson estava "se virando bem", visto que suas roupas serviam de colchão e havia até mesmo um cobertor. |
Agora, sem dúvida alguma, a melhor parte do vídeo disponibilizado pela RPC é o comentário do jornalista Sandro Dal Piccolo, ao citar que a moradia era um direito constitucional de todo o brasileiro, de todo cidadão brasileiro. Isso era algo muito significativo, quando um brasileiro, assim como o Edson, pedreiro, trabalhador, só conseguia ter esse direito respeitado, em um túmulo, dentro de um cemitério. Resumindo? Não era preciso dizer mais nada.
Já a reportagem da TV Tibagi/Rede Massa ficou por conta do repórter "Índio Maringá", o mesmo que tinha sido o responsável por uma outra reportagem sobre alguns familiares, que acreditavam ter registrado o espírito de um ente querido na cidade de Santa Cruz do Monte Castelo, localizada a aproximadamente 200 km da cidade de Maringá. Aliás, vocês podem conferir a reportagem sobre o Edson Carvalho logo abaixo, através do canal "Jornalismo SBT", no YouTube (em seguida, irei pontuá-la rapidamente para vocês):
Ao contrário da RPC, o repórter "Índio Maringá" resolveu realizar a reportagem durante a noite, adentrando pela madrugada, obviamente para gerar uma espécie de clima mais sombrio, ainda mais por se tratar de um cemitério. De qualquer forma, foi adicionada uma informação nova: Edson Carvalho teria ido morar no cemitério devido a uma "desilusão amorosa", o que era algo difícil de acreditar diante do que havia sido mencionado em outras fontes, mas isso nem de longe era o mais importante a ser mostrado ou apontado.
Ao ser questionado sobre o que ele sonhava, Edson respondeu que sonhava ter um lar mais "ajeitado" e mais digno. Porém, o mais impactante talvez fosse ver a quantidade de insetos, tais como baratas, que existiam nas paredes, dentro do local onde Edson "morava." Uma triste realidade e bem distante da alegria e dos sorrisos, que tinham sido mostrados na reportagem da RPC. Não irei mostrar essa cena aqui, mas vocês podem conferir no vídeo (em 2:52).
Além disso, as mãos de Edson não mostravam apenas que ele estava vivo, mas que ele era trabalhador, e mesmo assim estava diante daquela situação.
Além disso, as mãos de Edson não mostravam apenas que ele estava vivo, mas que ele era trabalhador, e mesmo assim estava diante daquela situação. |
Quem também preparou um material para a Folhapress, a agência de notícias do Grupo Folha, foi o jornalista Carlos Ohara. No texto publicado na sexta-feira passada (7) foi mencionado que as visitas noturnas ao cemitério, que não tem vigia, eram uma questão de sobrevivência para o pedreiro Edson Carvalho.
"Um dia fui contratado para fazer um túmulo aqui e vi que havia uma capelinha vazia. Me contaram que a ossada havia sido retirada e enviada para Campo Mourão, e que o dono não apareceu mais. Pronto, encontrei minha casa", disse Edson.
Todos os dias o pedreiro utilizava os banheiros públicos do local para tomar banho e lavar roupas. Então, ele saía em busca de "um bico". Mensalmente, ele conseguia ganhar cerca R$ 600 a R$ 700, atuando em serviços de construção, incluindo obras no cemitério. Nos dias de trabalho, ele recebia marmitas como parte do pagamento. Nos fins de semana, Edson utilizava uma área de depósito do cemitério para cozinhar em um fogão improvisado com tijolos e lenha.
Para completar seu drama pessoal, Edson já tinha ficado preso na cadeia da cidade por quatro meses, após uma acusação de roubo. "O cara que puxava um carrinho me acusou de roubar uns ferros dele, mas sou inocente", disse Edson, que segundo esse texto, havia se tornado uma figura folclórica no município, sendo adjetivado por alguns como "morto-vivo" ou "sem terra". O pedreiro Leonel Batista, que trabalha no cemitério, acreditava que o homem tinha sido alvo de "uma maldição".
A assessoria de imprensa do prefeito Victor Martini (PP) informou que Edson teria sido notificado em 2014, 2015 e em janeiro deste ano para deixar o sepulcro abandonado |
O assunto, inclusive, chegou até a Câmara dos Vereadores de Marialva. Entre as opções estava a destruição do mausoléu, e a construção de uma casa para o Edson, em um terreno público. De qualquer forma, ninguém conseguiu fazer contato com o prefeito da cidade para saber o que realmente fariam com Edson Carvalho. Triste, não é mesmo?
O assunto, inclusive, chegou até a Câmara dos Vereadores de Marialva. Entre as opções estava a destruição do mausoléu, e a construção de uma casa para o Edson, em um terreno público |
Em agosto do ano passado, o canal TV UniCesumar (Centro Universitário Cesumar), no YouTube, publicou um vídeo onde ressaltava, que não havia crise na cidade de Marialva. Em meio a crise econômica que o país atravessava (e ainda atravessa), Marialva tinha sido a quinta cidade paranaense que mais havia gerado empregos no primeiro semestre do ano passado. Considerando que Edson morava dentro de um mausoléu no cemitério da cidade há 11 anos, e que todos ao redor do mesmo sabiam de sua existência, inclusive a prefeitura da cidade, como explicar a permanência daquele senhor, naquele local? Apesar de terem sido realizadas quatro reportagens, por quatro jornalistas diferentes, e veiculadas em quatro veículos de comunicação distintos, nenhuma delas explicava o porquê Edson ainda estava dormindo em um mausoléu. As respostas do poder público eram vagas, e obviamente ninguém apareceu, ou seja, ninguém mostrou o rosto diante das câmeras para explicar tal situação. De qualquer forma, esse é um assunto para os meus comentários finais.
Comentários Finais
No artigo 6º da Constituição Federal são mencionados os direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, ao trabalho, a moradia, ao transporte, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. Porém, na prática, sabemos que o direito de um cidadão brasileiro, não quer dizer necessariamente que seja um dever do Estado, que sempre se julga no direito de selecionar ou então prestar um direito quando tem vontade, que é ampliada em ano eleitoral. Uma vez que não se pode contar com o Estado, que nesse caso é representado pelo poder público de Marialva, era de se esperar que a população ajudasse Edson de alguma forma, se solidarizando com sua situação. É justamente nesse ponto que vemos a mais cruel contradição. Ao mesmo tempo que a oferta de trabalhos temporários, e o fornecimento de marmitas como parte do pagamento fazem com que Edson sobreviva fisicamente, sua situação social destrói completamente sua dignidade e seu psicológico. Vocês acham mesmo que Edson estava feliz e achando tudo aquilo que vinha passando engraçado? Acham mesmo que ele estava conseguindo se virar como podia, que não sentia frio durante a noite ou que era corajoso? Durante 11 anos lhe deram alguns "bicos", eventualmente uma marmita, mas nunca lhe deram oportunidade de ter uma vida. Ao ver as pessoas passando pelo cemitério na reportagem da RPC, e comentando de forma sorridente sobre sua situação, parecia que Edson era uma atração turística, um recinto em um zoológico do horror humano. Parecia tudo, menos que estávamos diante de um ser humano, de um homem de 45 anos, mas com a aparência de 70. É uma lógica sombria, assim como dar um prato de comida a um andarilho ou um animal abandonado, visto que você pode minimizar o problema, bradar contra políticos, mas se torna incapaz de se organizar e tentar efetivamente resolver a situação, que irá se repetir dia após dia, mês após mês, ano após ano, e que não deveria existir, mas existe, e bem debaixo do nariz de cada cidadão de Marialva.
Recentemente, ao assistir a série Handmaid's Tale, ficava me perguntando a cada episódio como aquela situação tinha chegado naquele ponto, e me perguntava se algum dia aquilo poderia realmente acontecer. Lembro da frase onde a personagem principal dizia "Agora estou acordada para o mundo. Eu estava dormindo antes. Foi assim que deixamos acontecer... Disseram que seria temporário. Nada muda instantaneamente. Você seria fervido numa banheira de aquecimento gradual antes que percebesse." Olhando de cima, tendo uma macrovisão da situação de Edson, é possível notar como a realidade flerta e baila perigosamente com a ficção. Se pararmos bem para observar a razão pela qual Edson se encontra diante daquela situação, percebemos o quão grave é a situação que vivemos. O caso de Edson é triste, nos emociona, comove, porém por algum motivo, nos esquecemos que ele ainda possui uma família, e que a prefeitura sempre teve conhecimento de sua situação. Isso nos deveria levar a fazer uma série de perguntas: Onde estão seus irmãos? Ninguém procurou seus parentes para tentar entrevistá-los? Por que ninguém da prefeitura, durante 11 anos (e até hoje), deu um emprego a Edson? Ele poderia trabalhar, pelo menos como vigia noturno, visto que outras pessoas acessam o cemitério durante a noite, sem maiores dificuldades para ter relações ou fazer "macumba." Por que não deixaram que ele construísse uma casa decente no interior do cemitério, para que ele pudesse dormir durante o dia, após seu período de trabalho noturno? Será que o fato de um casal ter relações em cima de um túmulo não incomoda ninguém? Será que fazer uma "macumba" ou sacrificar animais na frente do túmulo da mãe ou de um pai de alguém, não incomoda? E se fosse da sua filha? Será que existe alguma coisa que incomode as pessoas? Aparentemente, para algumas pessoas existe, a presença de Edson dentro do cemitério, visto que ele é a prova, ainda viva, do quão gradualmente fervidos estamos sendo. Nos tornamos incapazes de nos organizar e cobrar uma moradia para aquele senhor. Edson é o ponto fora da curva de uma sociedade adestrada, que deve ser grata por não estar naquele mausoléu, que deve ficar em silêncio para acabar não fazendo companhia a ele. Chega até mesmo ser um pouco confuso, mas é normal. Essa é a verdadeira realidade, não aquela que nos acostumamos, que fomos obrigados gradualmente a nos acostumar. Aquela realidade que nos dizem para não lutar, ser pacífico, que no fundo ninguém se importa, que não existe Lei, que ninguém irá fazer nada, que se fizer você pode sofrer retaliações ou ser prejudicado, que não vale a pena, e que você deve deixar tudo isso para lá. Nos fazem pensar e acreditar, que não iremos chegar ao ponto que Edson chegou, mas se chegarmos ninguém fará igualmente nada por nós, nos tornaremos mais uma atração turística, isso se ainda estivermos vivos.
Não sei como está a situação atual de Edson, mas é bem provável que ele tenha novamente dormido dentro daquele mausoléu nessa última noite. A pior parte, se é posso dizer isso diante de toda aquela situação, é imaginar que as cobertas e as poucas roupas que ele possui podem ser retiradas e confiscadas a qualquer momento, e ninguém vai fazer nada para impedir isso. Afinal de contas, ele se tornou o folclore da cidade, um "morto-vivo", alguém que se tornou parte da paisagem do cemitério. Algo que as pessoas aprenderam a conviver, a se acostumarem, a aceitarem aquilo como normal. Aliás, é muito provável, que deem novas roupas e cobertas para ele colocar em seu mausoléu. Por outro lado, tudo poderia ser "resolvido", se a cidade que realizou tantas conquistas para os seus cidadãos desse um emprego para Edson, naquele mesmo cemitério, o que já seria um começo. Ninguém sonha em trabalhar em um cemitério, mas essa seria uma oportunidade do Estado fazer o seu papel, e a sociedade fazer o dela em relação aos seus representantes municipais e estaduais que elegem. Evidentemente, isso tudo não se aplica somente ao caso do Edson visto que, cada vez menos, vemos opiniões humanas, que não possuam correntes políticas ou ideológicas. Infelizmente, o que mais vemos são pessoas "em cima do muro", que preferem não opinar ou preferem acreditar em determinada versão por mero comodismo ou vantagem financeira, ao invés de realizar uma pesquisa mais aprofundada sobre um determinado assunto. Aliás, não quero ser a voz da razão ou tentar parecer que sou erudito. Não sou jornalista e também acho, até hoje, que não sei escrever direito. Acabei me tornando o que os mentirosos, os falsários, e todos aqueles que tentam tirar vantagem ao ilustrar um cenário totalmente distorcido temem: simplesmente, um ser humano.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/homem-mora-ha-11-anos-dentro-de-tumulo-abandonado-em-cemiterio-no-parana.ghtml
http://maringa.odiario.com/parana/2017/06/pedreiro-mora-ha-11-anos-dentro-de-um-mausoleu-no-cemiterio-de-marialva/2383290/
http://tnonline.uol.com.br/noticias/cotidiano/67,420399,27,06,pedreiro-mora-ha-11-anos-dentro-de-tumulo-no-parana.shtml
http://www.gazetaonline.com.br/noticias/brasil/2017/07/homem-mora-ha-11-anos-dentro-de-tumulo-abandonado-em-cemiterio-1014073503.html
http://www.marialva.pr.gov.br/cidade.php?page=historia
http://www.marialva.pr.gov.br/comunicacao_2425_0_Cemiterio-de-Marialva-recebe-servico-de-limpeza-para-Dia-das-Maes
http://www.obemdito.com.br/regiao/homem-vive-com-os-mortos-ha-11-anos-em-tumulo-abandonado-de-cemiterio/11299/
http://www.regiaonoroeste.com/portal/materias.php?id=161235
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/07/1899334-homem-vive-em-sepultura-ha-mais-de-uma-decada-no-interior-do-parana.shtml
https://www.bemparana.com.br/noticia/513330/homem-mora-em-sepultura-ha-mais-de-uma-decada-no-interior-do-parana