Por Marco Faustino
Provavelmente, assuntos relacionados as bombas atômicas e a energia nuclear nunca saíram da mídia desde a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos detonaram duas ogivas nucleares sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Foi a partir desse ponto, que o mundo realmente conheceu os perigos e os horrores provocados pela exposição à radiação. Desde então, no entanto, exércitos de inúmeros países nunca verdadeiramente chegaram a um consenso sobre a proliferação de tais armamentos. Aliás, nossa própria civilização apesar de conseguir manipular e fazer um uso benéfico em relação a equipamentos que utilizem materiais radioativos, tanto na medicina quanto na geração de energia considerada "limpa", continua totalmente perdida, quando ocorre uma explosão ou um grande vazamento nuclear. Basta ver o que aconteceu em Chernobyl, Fukushima, e em inúmeras cidades consideradas "secretas" do que atualmente é a Rússia. Isso sem considerar as centenas de testes nucleares desumanos e praticamente criminosos, que a União Soviética promoveu no Campo de Testes Nucleares de Semipalatinsk (SNTS), também conhecido como "O Polígono", no Cazaquistão, onde a União Soviética conduziu mais de 450 testes nucleares até que o campo fosse desativado em 1991. Entre eles, cerca de 111 testes nucleares foram aqueles considerados atmosféricos, assim como aqueles realizados na superfície da terra. Vale a pena conferir o material, que já fiz sobre esse último caso (leia mais: Os Horrores de Semipalatinsk: Os Soviéticos Esconderam um Desastre Nuclear no Cazaquistão Cerca de 4 Vezes Pior que Chernobyl?).
Agora, você já se imaginou construindo um reator nuclear? Quando se fala sobre esse tema, logo você pensa em homens ou mulheres com jalecos brancos, óculos e luvas de proteção, além de anos e anos de estudo e décadas de experiência, não é mesmo? Porém, você sabia que certo dia, um escoteiro norte-americano chamado David Hahn resolveu tentar construir um reator nuclear, no quintal de sua própria casa? Sua ideia e proposta surgiu meramente de um livro de ciências, que ele adorava ler e resultou em um incidente, no qual seu "laboratório" improvisado chegou a ter cerca de 1.000 vezes mais a dose considerada aceitável de radiação. Isso aconteceu no ano de 1994, quando um adolescente chamado David Hahn, 17 anos, tentou construir um reator regenerador nuclear caseiro. Ele conduziu experimentos, obviamente em segredo, em um galpão de jardinagem, no quintal da casa de sua mãe, em Commerce Township, no estado do Michigan. Por mais que seu reator nunca tenha atingido a massa crítica, ele atraiu a atenção da polícia local, ao ser abordado em relação a um outro problema ao encontrarem um determinal material em seu veículo. David, no entanto, alertou que o material era radioativo, e o local acabou tendo que sofrer uma descontaminação por parte da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, cerca de 10 meses depois. Será que ele conseguiria mesmo levar seus planos adiante, se não tivesse se metido em confusão com a polícia? Quais eram seus planos? Vamos saber mais sobre esse assunto?
A Divulgação do Caso David Hahn: O Artigo do Jornalista Ken Silverstein Para a Revista Harper's, em 1998
Por mais incrível que isso possa parecer, inicialmente o incidente não foi amplamente divulgado, e acabou tornando-se mais conhecido após um artigo publicado pelo jornalista Ken Silverstein, na revista norte-americana "Harper's", no ano de 1998. David Hahn também foi o tema de um livro lançado em 2004, desse mesmo jornalista, chamado "The Radioactive Boy Scout" ("O Escoteiro Radioativo", em português). Então, para começarmos a entender esse caso, nada melhor do que voltar no tempo, até novembro de 1998, e contar para vocês o que o Ken Silverstein escreveu naquela época.
Aliás, Golf Manor até hoje é uma espécie de bairro (na verdade, é subdivisão) de Commerce Township, que por sua vez é uma espécie de subúrbio da cidade de Detroit. Ao menos naquela época, havia uma placa na entrada de Golf Manor que dizia: "Temos muitas crianças, mas nenhuma sobrando. Por favor dirija com cuidado", o que dava um certa nostalgia.
Imagem do Google Maps mostrando a distância entre Commerce Township e a cidade de Detroit, no estado norte-americano do Michigan |
Um casal de meia-idade, Michael Polasek e Patty Hahn, morava na tal casa. Em alguns fins de semana, eles estavam acompanhados pelo filho adolescente de Patty, o David. Contudo, certa vez Dottie Pease alegou ter acordado tarde da noite, e visto o galpão emitindo um brilho misterioso. Ela disse que ficou bem nervosa com a situação, e foi imediatamente chamar o seu marido, o Dave. Gaguejando, ela disse que havia homens com trajes "engraçados"andando no lado de fora, e que ele tinha que tomar alguma atitude. Só havia um único problema. O que os homens de trajes engraçados" encontraram no galpão de jardingem estava perigosamente emitindo radiação, e colocando toda uma área com 40 mil habitantes em risco.
Nesse ponto vale destacar, que o "Superfundo"é um programa da Agência de Proteção Ambiental responsável por limpar alguns dos terrenos mais contaminados dos Estados Unidos, e responder a emergências ambientais, vazamentos de petróleo e desastres naturais.
Soava até mesmo estranho, que após 4 anos a história de David não tivesse ganhado a primeira página de diversos veículos de imprensa, e se tornasse algo lendário. Porém, na época, a Agência de Proteção Ambiental se recusou a fornecer o nome de David e, embora alguns repórteres locais soubessem do caso, nem ele ou sua família concordaram em ser entrevistados. Até mesmo os oficiais federais e estaduais, que supervisionaram a limpeza descobriram apenas uma pequena parte do que ocorreu no galpão, isso porque David, temendo repercussões legais, não disse quase nada sobre seus experimentos. Em 1996, Jay Gourley, correspondente do "Serviço de Notícias de Recursos Naturais", na capital norte-americana de Washington, encontrou um minúsculo artigo de jornal sobre o caso, e entrou em contato com David Hahn. Posteriormente, Jay passou sua pesquisa para o Ken Silverstein, que por sua vez conseguiu entrevistar os protagonistas dessa história, incluindo o David, que na época (em 1998), havia se tornado um marinheiro aos 22 anos, na cidade de Norfolk, no estado norte-americano da Virgínia.
O jornalista chegou a ter acesso as fotografias da infância de David, em que ele aparentava ser perfeitamente normal, até mesmo angelical, com cabelos loiros e olhos castanhos escverdeados e, conforme crescia, seus braços e pernas ficavam cada vez mais delgados. Ken Silverstein esperava encontrar praticamente um gênio perdido, ou um obcecado por ciências na cidade de Norfolk, uma espécie de Einstein ou Kaczynski, mas tudo que ele viu foi apenas um garoto normal. David aparentava estar inicialmente desapaixonado pelo tema e, após cerca de cinco horas de conversas vazias e muitos cigarros, ele começou a contar como ele usava filtros de café e potes de pickles para lidar com substâncias mortíferas, como o rádio e o ácido nítrico, além das diversas histórias que contou para obter os materiais radioativos.
Sendo um adolescente tímido e retraído, David confidenciava seu projeto apenas para alguns amigos, mas nunca permitia que ninguém testemunhasse seus experimentos. Seu projeto de reator regenerador era um meio, ainda que pouco ortodoxo, de escapar do trauma que havia vivido na adolescência.
O jornalista chegou a ter acesso as fotografias da infância de David, em que ele aparentava ser perfeitamente normal, até mesmo angelical, com cabelos loiros e olhos castanhos escverdeados e... |
...conforme crescia, seus braços e pernas ficavam cada vez mais delgados. |
No livro "The Making of the Atomic Bomb", do autor Richard Rhodes, o mesmo observou que os perfis psicológicos dos físicos pioneiros norte-americanos eram notavelmente semelhantes. Geralmente, eles eram o filho mais velho de um pai que trabalhava, e tinha uma relação distante de afeto. Quase todos eram homens, leitores vorazes durante a infância, que costumavam se sentir solitários, o que os tornavam tímidos e distantes dos colegas de classe.
Com o cabelo cortado bem rente a cabeça, e uma tendência para camisas de mangas curtas, Ken irradiava uma frieza que, combinada com sua constante preocupação, com certeza pertubaria uma criança. Quando questionado sobre sua natureza retraída, Ken atribiu a responsabilidade a sua ascendência alemã. No entanto, apesar de toda a formalidade, era Kathy a principal responsável por disciplinar David.
Imagem do Google Maps mostrando a distância entre Clinton Township e Detroit, no estado norte-americano do Michigan |
David morava com seu pai biológico e a madrasta em uma pequena casa de dois andares no subúrbio de Clinton Township, cerca de 40 km ao norte de Detroit. Ken trabalhava por muitas horas para a GM |
Apesar de David ter precisado dividir suas atenções entre os dois lares, seus primeiros anos de vida foram aparentemente normais. Ele jogou beisebol e futebol, juntou-se aos escoteiros e passou horas intermináveis explorando a natureza com seus amigos. Uma mudança repentina ocorreria aos 10 anos de idade, quando o pai de Kathy, também engenheiro da GM, deu a David um livro chamado "The Golden Book of Chemistry Experiments" ("O Livro de Ouro dos Experimentos Químicos", em português). O livro prometia abrir as portas para um mundo novo e encorajador.
Isso acabou sendo positivo para David. A ciência permitia que ele se distanciasse de seus pais, criasse e destruísse coisas, quebrasse as regras e escapasse para algo em que fosse um sucesso, sublimando o sentimento de fracasso, raiva e vergonha, em algumas grandes explosões. David acabou trabalhando em redes de fast-food, supermercados e lojas de móveis, mas o trabalho era apenas um meio de financiar seus experimentos. Por não ser um aluno entusiasmado, e sempre ter sido um orador terrível, David acabou ficando para trás em termos escolares. Durante seu primeiro ano na Escola de Ensino Médio Chippewa Valley (Chippewa Valley High School), ocasião na qual ele estava realizando experimentos nucleares secretamente em seu quintal, David quase falhou nos testes estaduais de matemática e interpretação de texto, que eram necessários para a graduação (embora ele tenha praticamente gabaritado o teste de ciências). Ken Gherardini, responsável por ensinar física conceitual ao David, lembrou dele como um excelente aluno, pelo menos nas raras ocasiões que ele estava interessado nos deveres de classe, exceto em seus próprios estudos.
A preocupação científica de David deixou cada vez menos tempo para os seus amigos, embora durante a maior parte do Ensino Médio ele tivesse uma namorada chamada Heather Beaudette, três anos mais nova. Heather disse que ele era doce e atencioso. Certa vez, ela retornou de uma longa viagem de uma semana pela Flórida, e encontrou uma pilha de longas cartas de amor, mas nem sempre os encontros eram perfeitos. A mãe de Heather, Donna Bunnell, disse: "Ele era um garoto legal, e sempre estava bem vestido, mas (nos dias anteriores ao seu segundo casamento), tivemos que dizer para ele não falar com ninguém. Ele podia comer e beber, mas pelo amor de Deus, que não falasse com os convidados sobre a composição química da comida."
"Nossas férias de verão foram destruídas, quando recebemos uma ligação nos dizendo para pegar o David mais cedo no acampamento", lembrou a madrasta, soltando um longo suspiro.
David, no entanto, não foi dissuadido. Certa noite, quando Ken e Kathy estavam sentados na sala de estar assistindo TV, a casa foi abalada por uma explosão no porão. Lá, eles encontraram David deitado semiconsciente no chão, com suas sobrancelhas saindo fumaça. Sem saber que o fósforo vermelho era pirofórico, Davi bateu com uma chave de fenda e o acendeu. Ele foi levado às pressas para o hospital para que seus olhos fossem adequadamente tratados, mas ele acabou tendo que fazer visitas regulares a um oftalmologista para remover cuidadosamente, as partículas plásticas do recipiente em que o fósforo estava, dos seus olhos.
Michael chegou a dizer que David tentou explicar seus experimentos, mas que tudo soou muito estranho e confuso para ele. O adolescente dizia que seu projeto tinha algo a ver com "a criação de energia". David também dizia que algum dia o mundo ficaria sem petróleo, e que queria fazer algo em relação a isso.
Embora Ken estivesse imensamente orgulhoso dos experimentos de David a partir do momento que os mesmos passaram a ter uma certa notoriedade, no passado eles representaram uma espécie de ruptura educacional. Conforme os pais costumam fazer, Ken sentiu que a solução estava em um objetivo, que ele próprio não havia alcançado quando criança: a maior "patente" que se pode alcançar no programa dos Escoteiros dos Estados Unidos, ou seja, se tornar um "Eagle Scout" (algo como "Escoteiro Águia", em uma tradução livre para o português). Assim como os adolescentes costumam fazer, David subverteu esse objetivo.
Os escoteiros podiam escolher entre dezenas de opções, que iam desde "Empreendimentos nos Estados Unidos" até "Carpintaria". David escolheu ganhar uma medalha de mérito sobre energia atômica. Joe Auito, o então chefe dos escoteiros responsável por David, que morava em uma estrada rural, a mais ou menos uma hora ao norte de Detroit, chegou a mencionar, que ele era o único garoto a ter feito isso na história de Tropa 371 de Clinton Township.
O folheto dizia que os Estados Unidos era uma democracia, e que "o povo decidia o que o país fazia". O material também sugeria, no entanto, que os críticos da energia atômica descendiam de uma longa linha de opositores descontentes, advertindo que: "se os Estados Unidos decidissem a favor ou contra usinas nucleares baseados no medo ou na má interpretação, seria algo errado. As pessoas deveriam saber primeiro a verdade sobre a energia atômica, antes que pudessem decidir utilizá-la ou não."
David recebeu sua medalha de mérito de Energia Atômica em 10 de maio de 1991, cinco meses antes de completar 15 anos |
Todos os reatores, convencionais ou regeneradores, dependem de diversos elementos naturalmente radioativos, geralmente o urânio-235 ou plutônio-239, como o "combustível" para uma cadeia sustentável de reações conhecida como fissão. A fissão ocorre quando um nêutron combina com o núcleo de um radioisótopo, digamos o urânio-235, transformando-o em urânio-236. Este novo isótopo é altamente instável e imediatamente se divide ao meio, formando dois núcleos menores, e liberando uma grande quantidade de energia radiante (uma delas é o calor) e diversos nêutrons. Esses nêutrons, por sua vez, são absorvidos por outros átomos de urânio-235 para iniciar o processo novamente.
Na prática,um reator regenerador geralmente é configurado de modo que um núcleo de plutônio-239 seja cercado por um "cobertor" de urânio-238. Quando o plutônio libera os nêutrons, eles são absorvidos pelo urânio-238 para se tornar urânio-239, que por sua vez decai emitindo raios beta, sendo transformado em neptúnio-239. Depois de outra etapa de "decaimento radioativo", o neptúnio torna-se plutônio-239, que pode reabastecer o núcleo de combustível.
Na década seguinte, o Congresso dos Estados Unidos se apropriou de bilhões de dólares para a construção do reator regenerador de Clinch River, no Tennessee. As esperanças foram tão altas, que Glenn Seaborg, presidente da Comissão de Energia Atômica durante os anos em que Richard Nixon estava a frente da presidência dos Estados Unidos, previu que os reatores regeneradores seriam a espinha dorsal de uma economia nuclear emergente, e que o plutônio poderia ser "um candidato óbvio para substituir o ouro como padrão do sistema monetário nacional."
Imagem interna da unidade que abrigava o Reator Regenerador Experimental I |
Foto da sala de controle do Reator Regenerador Experimental I |
Ainda que soubesse desses contratempos, David não seria de forma alguma dissuadido por eles. Sua inspiração vinha dos pioneiros nucleares do fim do século XIX e início do século XX: Antoine Henri Becquerel, físico francês que, junto com Pierre e Marie Curie, recebeu o Prêmio Nobel de Química, em 1903, por descobrir a radioatividade; Fredic e Irene Joliot-Curie, que receberam o prêmio, em 1935, por produzir o primeiro radioisótopo artificial; Sir James Chadwick, que ganhou o prêmio Nobel de Física no mesmo ano, por descobrir o nêutron; além de Enrico Fermi, que criou a primeira reação em cadeia nuclear sustentável do mundo, um passo crucial para a produção de energia atômica e bombas nucleares.
David não tinha a ideia de tentar construir um reator regenerador, quando ele começou com seus experimentos nucleares aos 15 anos de idade, mas dando um passo em direção a esse caminho, ele já estava determinado a "irradiar qualquer coisa" que pudesse. Para isso ele tinha que construir uma "arma", que pudesse bombardear isótopos com nêutrons. Então, David escreveu para diversos grupos - o Departamento de Energia (DOE), a Sociedade Nuclear Americana, o Instituto Elétrico Edson e o Fórum Industrial Atômico, um grupo industrial envolvido com energia nuclear -, na esperança de descobrir como ele poderia obter, a partir de fontes naturais e comerciais, as matérias-primas radioativas que ele precisava para construir sua arma de nêutrons e experimentá-la.
Outras organizações mostraram-se muito mais úteis, e nenhuma mais do que a Comissão de Regulamentação Nuclear (NRC). Mais uma vez apresentando-se como um professor de física, David conseguiu iniciar uma discussão científica por correio com Donald Erb, então diretor da Agência de Produção e Distribuição de Isótopos. Erb ofereceu a David dicas para isolar certos elementos radioativos, forneceu uma lista de isótopos que poderiam sustentar uma reação em cadeia, e forneceu uma informação que em pouco tempo se revelaria vital para os planos de David: "Nada produz nêutrons... tão bem quanto o berílio."
"A NRC me deu todas as informações que eu precisava. Tudo o que eu tinha que fazer era sair e pegar os materiais", disse David Hahn. Munido com as informações de seus amigos do governo e da indústria, David criou uma lista de fontes para 14 isótopos radioativos. O Amerício-241 ele descobriu que poderia ser encontrado em detectores de fumaça; o rádio-226, em antigos relógios de parede luminosos; o urânio-238 e pequenas quantidades de urânio-235, em um minério de cor negra chamado uraninita; e o tório-232, em lampiões do estilo Coleman.
Para obter o amerício-241, David entrou em contato com empresas, que fabricavam detectores de fumaça, e alegou que precisava de um grande número de dispositivos para um projeto escolar |
Graças a dica de Beth Weber, David extraiu os componentes do amerício e então os fundiu com a ajuda de um maçarico. É interessante ressaltar nesse ponto, que em um detector de fumaça, a radioatividade na fonte emite um fluxo constante de partículas alfa, que são detectados por um pequeno detector, produzindo assim uma pequena corrente. Se a fumaça preencher o espaço entra a fonte e o detector, a corrente diminui, então o alarme dispara.
Graças a dica de Beth Weber, David extraiu os componentes do amerício e então os fundiu com a ajuda de um maçarico |
Com sua arma de nêutrons nas mãos, David estava pronto para irradiar. Ele poderia ter se concentrado na transformação de elementos anteriormente não-radioativos, mas ele quis usar a arma em radioisótopos para aumentar as chances de serem "fissionáveis". Ele acreditava que o urânio-235, que é usado em armas atômicas, forneceria a "maior reação". Ele percorreu centenas de quilômetros por toda a região norte do estado do Michigan em seu carro procurando pelas melhores pedras com seu contador Geiger, mas tudo que ele encontrou foi uma quantidade ínfima de uraninita nas margens do Lago Huron.
David percorreu centenas de quilômetros por toda a região norte do estado do Michigan em seu carro procurando pelas melhores pedras com seu contador Geiger, mas... |
...tudo que ele encontrou foi uma quantidade ínfima de uraninita nas margens do Lago Huron |
David pulverizou os minérios com um martelo, pensando que poderia usar o ácido nítrico para isolar o urânio. Incapaz de encontrar uma fonte comercial para o ácido nítrico - provavelmente porque ele é usado na fabricação de explosivos e, portanto, é rigorosamente controlado - David fez o seu próprio ácido nítrico ao aquecer salitre e bissulfato de sódio, e borbulhando o gás que foi liberado através de um recipiente com água. Então, ele misturou o ácido com o minério em pó, e "cozinhou" a mistura, resultando com algo parecido com um "milk-shake". Em seguida, ele passou esse "milk-shake" por um filtro de café, esperando que o urânio passasse pelo filtro. Porém, David calculou mal a solubilidade do urânio, e qualquer quantidade que estivesse presente ficou aprisionada no filtro, tornando ainda mais difícil purificá-lo.
Frustrado com a sua incapacidade de isolar suprimentos suficientes de urânio, David voltou sua atenção para o tório-232 que, quando bombardeado com nêutrons produz urânio-233, um elemento fisionável criado pelo homem (e, embora talvez ele não soubesse, o mesmo pode ser substituído por plutônio em reatores regeneradores). Descoberto em 1828 e nomeado devido ao deus nórdico Thor, o tório tem um ponto de fusão muito elevado, razão pela qual é usado na fabricação das peças de motores do avião, que alcançam temperaturas extremamente elevadas. No entanto, David sabia que o "manto" usado em lampiões comerciais - a parte que parece uma meia de boneca e conduz a chama - era revestido com um composto contendo tório-232. Ele comprou milhares de mantos de lampiões em lojas de artigos usados e, usando um maçarico, reduziu-os em uma pilha de cinzas.
O rádio foi utilizado na pintura, que resultou nos mostradores numéricos e ponteiros luminosos de relógios e painéis de instrumentos de carros e aeronaves até o fim da década de 1960, quando foi descoberto que muitas profissionais da área, que rotineiramente trabalhavam para dar o melhor acabamento possível, morriam de câncer ou sofriam severas deformações físicas (um episódio que ficou conhecido nos Estados Unidos como "radium girls").
O rádio foi utilizado na pintura, que resultou nos mostradores numéricos e ponteiros luminosos de relógios (que brilhavam no escuro), e painéis de instrumentos de carros e aeronaves |
Notando ou não, ao manusear o rádio purificado, ele estava realmente se colocando em perigo. No entanto, ele passou a adquirir outro emissor de nêutrons para substituir o alumínio usado em sua arma de nêutrons anterior. Fiel às instruções de Erb, ele conseguiu uma tira de berílio (que é uma fonte muito mais rica de nêutrons do que o alumínio), do Departamento de Química da Faculdade Comunitária Macomb - um amigo que frequentava a faculdade furtou a tira para ele - e colocou em frente ao bloco de chumbo que continha o rádio. Sua arma de amerício havia se tornado uma arma muito mais poderosa de rádio. Assim sendo, David começou a bombardear o tório e o urânio em pó, na esperança de produzir pelo menos alguns átomos "fissionáveis". Ele mediu os resultados com seu contador Geiger mas, enquanto o tório parecia se tornar mais radioativo, o urânio mostrou ser uma grande decepção.
Aos 17 anos, David se deparou com a ideia de construir um modelo de reator regenerador. Ele sabia que sem uma massa crítica de pelo menos 30 quilos de urânio enriquecido, ele não tinha chance alguma de iniciar uma reação em cadeia sustentável, mas estava determinado a chegar o mais longe possível tentando fazer com que seus vários radioisótopos interagissem uns com os outros. Seu plano era um esquema, que ele tinha visto em um dos livros da faculdade do seu pai. Ignorando quaisquer medidas de segurança, ele removeu o altamente radioativo rádio e o amerício de seus "casulos de chumbo" e, rodada após rodada de depuração e pulverização, ele misturou os isótopos com o berílio e aparas de alumínio, que foram envolvidos em uma folha de papel alumínio. O que antes eram as fontes de nêutrons para suas armas tornou-se um "núcleo" improvisado para seu reator. Ele rodeou essa bola radioativa com um "cobertor" composto de minúsculos cubos de cinzas de tório e pó de urânio, que foram organizados em um padrão alternado com cubos de carbono e tênuemente mantidos unidos com uma fita adesiva. Evidentemente, David monitorou o seu "reator regenerador", do laboratório em Golf Manor, com seu contador Geiger.
Evidentemente, David monitorou o seu "reator regenerador", do laboratório em Golf Manor, com seu contador Geiger |
Finalmente David, cujas precauções de segurança até então consistiam em usar um poncho improvisado de chumbo, jogar fora as suas roupas, ou trocar seus sapatos depois de uma sessão no galpão, começou a perceber que, reação sustentável ou não, ele poderia estar colocando a si mesmo e outros em perigo (uma dessas percepções veio depois que a radiação começou a ser detectada através do concreto).
Por volta das 2h40 da manhã, do dia 31 de agosto de 1994, a polícia de Clinton Township respondeu a um chamado sobre um rapaz, que havia sido visto em um bairro residencial, aparentemente roubando pneus de um carro. Quando a polícia chegou, David disse-lhes que estava esperando para encontrar um amigo. Os policiais não ficaram convencidos, e resolveram fazer uma busca em seu carro. Quando abriram o porta-malas descobriram uma caixa de ferramentas fechada com um cadeado e selada com fita adesiva por preocaução. O porta-malas continha mais de 50 cubos envoltos com um pó cinza misterioso, pequenos discos e objetos metálicos cilíndricos, mantos de lampiões, interruptores de mercúrio, mostradores de relógio, minérios, fogos de artifício, tubos de vácuo e diversos produtos químicos e ácidos. A polícia ficou totalmente desnorteada com a caixa de ferramentas, principalmente porque David alertou que a mesma era radioativa, e eles temiam que fosse uma bomba atômica.
A polícia ficou totalmente desnorteada com a caixa de ferramentas, principalmente porque David alertou, que a mesma era radioativa, e eles temiam que fosse uma bomba atômica |
A polícia chamou o Esquadrão Antibombas da Polícia Estadual do Michigan para examinar o carro e o Departamento Estadual de Saúde Pública (DPH) para fornecer assistência radiológica. A boa notícia era que a caixa de ferramentas de David não era uma bomba atômica. A má notícia era que o porta-malas de David continha materiais radioativos, incluindo concentrações de tório - "não encontradas na natureza, pelo menos não em Michigan" - e amerício. Essa descoberta desencadeou automaticamente no "Plano Federal de Resposta a Emergências Radiológicas", e oficiais estaduais logo seriam envolvidos em consultas telefônicas tensas com a Agência de Proteção Ambiental (EPA), com a Comissão de Regulamentação Nuclear (NRC), e até mesmo o FBI.
Em relação a polícia, David era bem pouco cooperativo e reservado. Ele forneceu o endereço de seu pai, mas não mencionou a casa de sua mãe ou seu galpão de jardinagem. Não até o dia de Ação de Graças (comemorado nos Estados Unidos na quarta quinta-feira do mês de novembro), quando Dave Minnaar, um especialista em radiologia do Departamento Estadual de Saúde Pública, finalmente conversou com David. O adolescente explicou que ele estava tentando fazer o tório de uma forma, que ele pudesse usar para produzir energia, e que esperava que "o sucesso de sua empreitada ajudasse a garantir a 'patente' máxima entre os escoteiros." Na ocasião, David finalmente admitiu ter um laboratório no quintal de casa.
Após determinar que nenhum material radioativo tinha vazado para fora do galpão, as autoridades estatais selaram e pediram ajuda ao governo federal. A NRC costumava lidar com tais situações em relação a instalações de pesquisas e centras nucleares licenciadas, mas David, obviamente, não tinha nenhuma licença para isso. Então, foi determinado que a Agência de Proteção Ambiental (EPA), que responde a emergências envolvendo materiais atômicos perdidos ou abandonados, fosse contatada para fornecer assistência. Oficiais da Agência de Proteção Ambiental chegaram em Golf Manor, em 25 de janeiro de 1995 - cinco meses depois que David foi detido pela polícia - para conduzir sua própria busca no galpão. O "memorando" emitido pela agência, observou que as condições no local "apresentavam um risco iminente e substancial para a saúde pública, bem-estar ou para o meio ambiente", e que havia "exposição real ou potencial a populações humanas, animais ou a cadeia alimentar..." O memorando ainda afirmava que, condições climáticas adversas, tais como ventos fortes, chuva ou incêndio poderiam fazer com que os contaminantes se dispersassem ou fossem liberados no ambiente.
Uma limpeza promovida pelo Superfundo ocorreu entre 26 e 28 de junho de 1995, a um custo de cerca de US$ 60.000. Depois que os funcionários com "trajes espaciais" desmantelaram o galpão de jardinagem com serras elétricas, eles colocaram os pedaços de madeira em 39 barris selados, que foram transportados para a "Envirocare", uma instalação de descarte de material radioativo no chamado "Grande Lago Salgado", no estado norte-americano de Utah. Lá, os resquícios dos experimentos de David foram sepultados juntamente com toneladas de detritos de baixo nível de radioatividade das fábricas de bombas atômicas do governo, instalações de produção de plutônio e locais industriais contaminados. De acordo com a avaliação oficial, não houve danos visíveis à flora ou fauna em Golf Manor, mas cerca de 40.000 moradores locais poderiam ter sido colocados em risco durante os anos de experimentos de David, devido aos perigos impostos pela liberação de pó radioativo e radiação.
Uma limpeza promovida pelo Superfundo ocorreu entre 26 e 28 de junho de 1995, a um custo de cerca de US$ 60.000 (algumas fontes mencionam cerca de US$ 70.000) |
Depois que os funcionários com "trajes espaciais" desmantelaram o galpão de jardinagem com serras elétricas, eles colocaram os pedaços de madeira em 39 barris selados |
Foto do estado em que o galpão utilizado por David Hahn se encontrava em junho de 1995 |
Foto mostrando prateiras repletas de garrafas e vidros contendo produtos químicos |
Todo o material foi transportado para a "Envirocare", uma instalação de descarte de material radioativo no chamado "Grande Lago Salgado", no estado norte-americano de Utah |
No outono de 1995, Ken e Kathy exigiram que David se matriculasse na Faculdade Comunitária Macomb. Ele se formou em Metalurgia, mas ignorou muitas de suas aulas e passava grande parte do dia na cama ou dirigindo em círculos ao redor do seu quarteirão. Finalmente, Ken e Kathy deram-lhe um ultimato: junte-se às Forças Armadas ou saia da casa. Eles ligaram para o escritório de recrutamento local, que enviou um representante para sua casa e o convocou quase todos os dias até que David finalmente cedeu.
Por fim, é interessante notar, que todos os materiais radioativos que David utilizou em seus experimentos podiam entrar no corpo por ingestão, inalação ou contato com a pele e, em seguida, se depositar nos ossos e órgãos, onde podiam causar uma série de doenças, incluindo o câncer. Por ser tão potente, o rádio que David foi exposto em um espaço relativamente pequeno e fechado era o mais preocupante de todos. Em 1995, a Agência de Proteção Ambiental providenciou que David fosse submetido a um exame completo na usina nuclear mais próxima, a da Fermi. David, com medo do que pudesse descobrir, recusou.
Ironicamente, no entanto, David estava servido à bordo do USS Enterprise, o primeiro porta-aviões de propulsão nuclear do mundo |
O Documentário Chamado "O Escoteiro Nuclear" Promovido pela Britânica "Eagle TV", em 2003
Se você acompanhou essa postagem até esse ponto, é importante destacar que muitas imagens acima foram retiradas de um documentário chamado "The Nuclear Boy Scout" ("O Escoteiro Nuclear", em português), com aproximadamente 25 minutos, que foi divulgado em 2003, que foi realizado pela "Eagle TV", uma produtora britânica, que foi exibido pelo canal 4, no Reino Unido e pelo canal francês M6. Contudo, vocês podem conferí-lo através de um canal de terceiros no YouTube (em inglês, com legendas em inglês):
Vale muito a pena que vocês confiram esse documentário, porque ele mostra em vídeo tudo aquilo que vocês já leram anteriormente, de uma forma muito mais interativa e dinâmica, é claro. Além disso, o mesmo conta com a opinião de diversas pessoas que tiveram um grau de envolvimento com esse caso, incluindo o pai de David.
No ano seguinte a exibição desse documentário (2004), o jornalista Ken Silverstein publicou um livro sobre esse assunto, chamado "The Radioactive Boy Scout" ("O Escoteiro Radioativo", em português), que possui mais de 200 páginas, ou seja, uma espécie de grande ampliação em relação ao seu artigo originalmente publicado em 1998. Evidentemente, comentar sobre esse livro tornaria essa postagem ainda mais longa, mas acredite, as informações que estou repassando para vocês são as mais completas possíveis em um espaço relativamente curto de tempo. Então, você estará muito bem informado apenas ao ler essa postagem. Caso queria se aprofundar consideravelmente sobre o assunto, e compreenda o idioma, recomendo a leitura do livro.
Um Novo Incidente Envolvendo David Hahn e as Autoridades Policiais em 2007, e um Interessante Artigo Publicado Pelo Britânico "Daily Mail", em 2013
No dia 4 de agosto de 2007, a agência de notícias Associated Press (AP) divulgou algo que, talvez, muitos jamais acreditariam tão facilmente assim. O homem que havia se tornado o tema de um livro chamado "The Radioactive Boy Scout" ("O Escoteiro Radioativo", em português) depois de tentar construir um reator nuclear em um galpão, quando adolescente, foi acusado pela polícia de roubar 16 detectores de fumaça. A polícia chegou a dizer que teria sido uma possível tentativa de realizar experimentos com materiais radioativos. Sim, exatamente isso que você leu.
David Hahn, na época com 31 anos, estava sendo mantido preso, com uma fiança estipulada em US$ 5.000 na prisão do condado de Macomb, depois que ele foi acusado pelos crimes de roubo. Richard Maierle, capitão da polícia de Clinton Township, disse que Hahn negou as acusações. Um funcionário do tribunal teria dito que Hahn não tinha advogado. A Associated Press ligou para a prisão em uma tentativa de falar com Hahn, mas um porta-voz do xerife disse que a prisão não repassava mensagens aos detentos.
Na época, a polícia disse que o rosto de Hahn estava coberto de feridas abertas, possivelmente devido à constante exposição a materiais radioativos |
Richard Maierle mencionou que seu departamento evacuou o complexo de apartamentos e chamou a Esquadrão Antibombas da Polícia Estadual que, por sua vez, não encontrou materiais perigosos. Ele também disse que as autoridades ficaram sabendo que David Hahn havia retornado para a região em janeiro daquele ano, após servir a Marinha dos Estados Unidos.
"Por causa de seu passado, estávamos um pouco preocupados. Não queríamos que locais radioativos começassem a surgir", disse Richard Maierle, acrescentando que seu próprio departamento alertou o FBI quando descobriram que ele estava de volta ao Michigan.
Posteriormente, David Hahn se declarou culpado pelos crimes de roubo. Ele acabou sendo sentenciado a 90 dias de reclusão, mas o cumprimento da pena de acabou sendo adiado devido a problemas de saúde do próprio David, visto que ele ficou sob tratamento na unidade psiquiátrica do Hospital de Administração de Veteranos local.
Cerca de seis anos depois, em novembro de 2013, o britânico "Daily Mail" resolveu publicar um artigo sobre o caso de David Hahn. Assim sendo, em entrevista ao tabloide, David disse inicialmente que, naquela época, seus experimentos estavam apenas no papel, mas que ainda gostava de se manter informado sobre assuntos científicos. Ele chegou a mencionar podia ter havido algumas questões de segurança, mas que o valor da descontaminação, considerado bem alto para os padrões da época, teria sido exagerado, porque, segundo ele, estava apenas construindo um reator nuclear modelo, e ele nunca chegou a ver o galpão brilhando no escuro. David também contou sobre suas ambições, e que a mais recente delas era criar uma lâmpada que duraria cerca de 100 anos. Ele acreditava fielmente que isso fosse possível.
David disse que tinha dificuldade em fazer amigos, porque não encontrava pessoas com quem pudesse conversar no mesmo nível que ele, e que também tivessem os mesmos interesses. Naquela época, ele estava se correspondendo com o proprietário de uma loja de produtos radiológicos, que já teria trabalhado na famosa "Área 51", e um engenheiro nuclear da cidade de Albuquerque, no estado norte-americano do Novo México. Resumindo? David ainda demonstrava paixão pela energia nuclear.
Entretanto, ele disse que tudo começou com a Astronomia, que amava os planetas, e sempre achou que um dia o homem iria para Marte ou uma das luas de Júpiter. Aos sete anos de idade, ele disse que ficava vidrado nos quadrinhos do Homem-Aranha, e na figura de Peter Parker, o gentil fotógrafo, transformado pela mordida de uma aranha irradiada.
O artigo ainda apontou que David estava fazendo cursos na Faculdade Comunitária Macomb. Primeiramente, ele cursou Ciências Aplicadas, depois Comunicações e Artes Performáticas, e naquele ano em questão, ou seja, em 2013, estava cursando Engenharia Automotiva. No que talvez fosse uma das suas últimas declarações públicas, David disse que sabia que sua vida era "esporádica e caótica", mas esperava por algo melhor, e esperava chegar lá através do estudo. Sua ambição era se matricular na Universidade Estadual do Michigan, e criar a tal lâmpada que brilharia por 100 anos.
"Tento aprender o máximo que posso. Quero deixar uma marca na vida. Acho que causei um pequeno caos, mas ainda não deixei uma marca", disse David Hahn.
A Morte de David Hahn
David Charles Hahn, que ganhou alguma notoriedade em 1994, por tentar construir um reator regenerador nuclear caseiro como parte de seu projeto para obter uma medalha de mérito dos escoteiros, morreu aos 39 anos, no dia 26 de setembro do ano passado, sendo que morte quase passou desapercebida pela mídia norte-americana.
Na época, David estava morando em Shelby Township, também no estado do Michigan, e muitos especularam que sua morte teria sido devido a exposição à radiação, que ele sofreu ao longo do tempo. Daviu foi enterrado no Cemitério Militar dos Grandes Lagos, no pequeno vilarejo de Holly.
Na época, David estava morando em Shelby Township, também no estado do Michigan, e muitos especularam que sua morte teria sido devido a exposição à radiação, que ele sofreu ao longo do tempo |
Daviu foi enterrado no Cemitério Militar dos Grandes Lagos, no pequeno vilarejo de Holly |
Em uma notícia publicada em meados de março desse ano, no site de tecnologia "Ars Technica", foi divulgado que Kenneth Hahn, pai de David, entrou em contato com o site para confirmar que seu filho morreu de intoxicação por álcool, e que suas experiências nucleares anteriores não desempenharam nenhum papel em sua morte. Ele disse que encontrou um pedido de informação por parte do site em conta de e-mail, enquanto excluía mensagens antigas.
"David estava fazendo compras no Walmart, era por volta das 22h30, e acredito que ele tenha ido comprar algo para comer. Eles o encontraram no banheiro cerca de 20 minutos depois, morto, não havia como reanimá-lo", disse Kenneth Hahn, acrescentando que não sabia sobre a morte do filho até que polícia de Shelby Township batesse à sua porta poucas horas depois, por volta de 2h da manhã, para dar a notícia.
Comentários Finais
É muito importante destacar, ainda que particularmente considere desnecessário mencionar, que você não deve manipular, tentar adquirir ou extrair materiais radioativos, mesmo que você tenha a melhor das intenções. Você também não deve tentar recriar qualquer um dos experimentos mencionados, visto que ninguém, absolutamente ninguém, precisa de um reator caseiro totalmente inseguro, principalmente um que seja composto de folhas de papel alumínio e fita adesiva. Além disso, um outro detalhe primordial, é que as poucas tentativas de construir um reator regenerador nuclear acabaram resultando em alguns dos episódios mais tensos da era nuclear. Basta ver os casos que não vingaram ou resultaram em sérios problemas para as unidades que abrigavam tais reatores. É necessário ter respeito pela radiação, visto que ela não ocasiona apenas a morte de pessoas, mas deixa marcas profundas, sequelas físicas e mentais em descedentes, através de aberrações cromossômicas, e expõe pessoas inocentes a um desastre praticamente invisível, sem gosto e sem cheiro.
De qualquer forma, o experimento de David é uma indicação assustadora, de quão fácil determinados materiais radioativos podiam, e talvez ainda possam ser adquiridos ao redor do mundo, e estocados sem que ninguém perceba ou se importe em perceber o que está acontecendo. Apesar de ser péssimo na escola, assim como em matemática, a aptidão de David para a ciência era fenomenal. A partir de um livro de experimentos químicos da década de 1960, ele rapidamente catalisou os princípios e as habilidades em manipular as reações, e expandiu seu conhecimento através de muitas horas de uma verdadeira e profunda pesquisa em uma biblioteca. Mesmo com medidas mínimas ou praticamente inexistentes de segurança, ele seguiu em frente, inabalável, na certeza que estava fazendo algo pelo mundo, algo pelo qual seria reconhecido e respeitado. Acima de tudo, David também ganhava destaque na chamada engenharia social. Apesar da rígida disciplina imposta e da ausência de afeto, principalmente paterno, ele conseguia manipular as pessoas. Ele conseguia conseguir seduzir autoridades reguladoras e indústrias, mesmo diante de uma escrita precária, para receber todo o apoio e dicas extremamente valiosas para o seu projeto.
Entretanto, ironicamente não podemos chamá-lo de "maluco" ou "lunático". Quando David percebeu que seu experimento estava fora de controle, notando que não havia nenhuma pessoa próxima que pudesse efetivamente ajudá-lo e nem mesmo as páginas dos livros eram suficientes para conter o que estava gradativamente piorando, e sendo detectado relativamente longe da casa de sua mãe, David parou. Tentou desmantelar seu "reator nuclear" da forma que podia. Ele sabia que tinha ido longe de mais. Você pode dizer o mesmo daquele cientista que resolver realizar testes em uma determinada noite na Central Nuclear de Chernobyl? Aquele cientista, no auge de sua arrogância como detentor do conhecimento científico, condenou centenas de milhares de vidas, em um evento que ecoa até hoje no coração da Europa. Você pode dizer o mesmo dos cientistas que conduziram os testes nucleares em Semipalatinsk, no Cazaquistão, que sabiam que estavam muito próximos de quase 1,5 milhão de pessoas? Esses são apenas alguns exemplos, existem dezenas na história da energia nuclear. Por mais que David fosse excêntrico, solitário e que tenha sofrido uma grande negligência afetiva por parte de seus pais, visto que o pai era bem fechado, e a mãe tinha problemas com álcool e até mesmo de ordem psicológica, ele não aceitou o risco que ele estava colocando a si mesmo, sua família e sua comunidade. O drama pessoal de David é tão complicado, quanto o potencial desastre que poderia ter acontecido. E, no final, com apenas 39 anos de vida ele acabou morrendo sozinho, em um banheiro de um supermercado. Talvez essa seja a pior ironia da energia nuclear: um dos poucos que teve coragem de respeitá-la é considerado por muitos até hoje como um maluco. Aqueles que mataram milhões, ainda são lembrados como contribuidores da paz mundial, como se fossem heróis.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://brasilrad.com.br/artigos/radioatividade-na-sua-casa/
http://knowledgenuts.com/2013/12/11/the-boy-scout-who-attempted-to-make-a-nuclear-reactor/
http://www.csmonitor.com/2004/0316/p16s03-bogn.html
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2506549/Uh-oh-Radioactive-Boy-Scout-built-nuclear-reactor-Detroit-shed-sparking-evacuation-40-000-wants-invent-lightbulb-lasts-100-years.html
http://www.dangerouslaboratories.org/radscout.html
http://www.eagletv.co.uk/home/nuclear.htm
http://www.foxnews.com/story/2007/08/04/radioactive-boy-scout-charged-in-smoke-detector-theft.html
http://www.foxnews.com/story/2007/10/04/radioactive-boy-scout-sentenced-to-0-days-for-stealing-smoke-detectors.html
http://www.pbs.org/newshour/rundown/building-a-better-breeder-reactor-1/
https://arstechnica.com/science/2016/11/this-fall-the-radioactive-boy-scout-died-at-age-39/
https://arstechnica.com/tech-policy/2017/03/radioactive-boy-scout-died-of-alcohol-poisoning-not-radiation-father-says/
https://harpers.org/archive/1998/11/the-radioactive-boy-scout/