Por Marco Faustino
Ontem, no dia 1º de maio, comecei a procurar por assuntos interessantes, que fossem realmente relevantes e que agregassem conhecimento para vocês. Como sempre costumo dizer, meu objetivo é sempre trazer um conteúdo robusto, que possa ir além do assunto propriamente abordado, e não algo raso, ou seja, superficial e que você acabe esquecendo após algumas horas. Afinal de contas, estamos em um mundo, que cada vez mais valoriza apenas e tão somente o entretenimento. Essa não é a pior parte, visto que isso não exclusividade dos dias atuais, mas a descaracterização da informação por sites supostamente de notícias, blogs e até mesmo canais do YouTube. Muitas pessoas tentam dizer que pesquisam aquilo se propõe a oferecer, porém não é isso que acontece na prática, uma vez que a deturpação da informação é cada vez mais frequente. Evidentemente, não tenho a pretensão de ser ou me tornar um oásis para um mundo caótico, porém tenham sempre a certeza que serão bem informados nas postagens que publico e ofereço a vocês. Assim sendo, nada melhor do que escrever justamente no dia do trabalho para demonstrar, que um texto sério e comprometido com a verdade, não nasce em alguns minutos ou pode ser simplesmente copiado, e muitas vezes mal traduzido de uma ou duas fontes de tabloides ou agências de notícias, assim como a muitos fazem.
Nessa postagem vocês vão conhecer uma história que comoveu, revoltou e acabou gerando muita polêmica no mês passado, nos Estados Unidos, sendo que o caso repercutiu até mesmo no site da icônica e renomada revista People. Basicamente, essa história retrata o caso de uma ursa polar chamada Szenja, que morreu pouco tempo depois de ser separada do sua companheiro no parque aquático norte-americano SeaWorld, da cidade de San Diego, no Estado da Califórnia. Vale lembrar nesse ponto, que a empresa "SeaWorld Entertainment", responsável pelo parque aquático de San Diego, ainda possui mais dois parques SeaWorld (de um total de 12 instalações, que incluem aquários) nas cidades de Orlando, na Flórida e San Antonio, no Texas, sendo que todos eles são conhecidos pelas famosas apresentações e performances das orcas, que são incorretamente apelidadas de "baleias-assassinas", visto que esses animais nem mesmo são baleias, mas membros da família dos golfinhos.
Enfim, voltando ao assunto, a questão é que Szenja, 21 anos, acabou sendo separada no fim de fevereiro desse ano de sua companheira e "melhor amiga" chamada Snowflake, que tem a mesma idade dela, com quem vivia junto por cerca de 20 anos. O Seaworld transferiu Snowflake temporariamente para uma outra localidade para fins de reprodução, mesmo diante do apelo das organizações de direitos dos animais para que não fizesse isso, visto que poderia gerar um impacto muito negativo na saúde de Szenja. Pouco tempo depois, ou seja, no início do mês de abril, Szenja morreu de forma "repentina" e "inesperada", sendo encontrada morta dentro do recinto onde ficava. A PETA (sigla em inglês para "Pessoas por um Tratamento Ético aos Animais") entrou nessa história e, em carta aberta, afirmou categoricamente que o tratamento dado a Sjenza foi desumano, e que a atitude de transferir Snowflake fez com que a ursa polar "morresse de coração partido". Ela teria sofrido com a ausência da sua companheira e, não resistindo a solidão, acabou morrendo. Contudo, será que foi isso mesmo que aconteceu? Um animal pode mesmo morrer de "coração partido"? Vamos saber mais sobre esse assunto?
Um Embate de Longa Data: A Conturbada Relação entre o SeaWorld e os Ativistas que Lutam Pelos Direitos dos Animais, nos Estados Unidos
Não é possível contar uma história como essa, sem antes mostrar a vocês um pouco de como é a relação entre o SeaWorld e as organizações que lutam pelos direitos dos animais. Não é uma relação difícil de entender, visto que os animais do parque aquático, assim como zoológicos convencionais, são mantidos em locais considerados muito pequenos e sob condições, que podem se tornar extramemente estressantes, assim como a realização constante de perfomances, gritos das pessoas, flashes de máquinas fotográficas ou smartphones, e todo um ambiente que é muito diferente do seu habitat natural. Por mais que alguns animais possam até nascer em cativeiro, suas necessidades biológicas muitas vezes acabam não sendo compatíveis com os locais onde são confinados.
um documentário chamado "Blackfish", em 2013, dirigido por Gabriela Cowperthwaite. O documentário tratava basicamente sobre a vida de uma orca chamada Tilikum, que na época era uma atração do SeaWorld, e de toda a controvérsia sobre orcas mantidas em cativeiro.
Eu disse "na época", porque Tilikum acabou morrendo no início de janeiro desse ano. Ela ficou "famosa" por ter estado envolvida na morte de três pessoas, sendo que a última morte ocorreu em fevereiro de 2010, quando Tilikum matou sua treinadora, Dawn Brancheau, no SeaWorld.
No caso do SeaWorld, a relação entre a empresa administradora e os ativistas piorou drasticamente com o lançamento de um documentário chamado "Blackfish", em 2013, dirigido por Gabriela Cowperthwaite |
O documentário "Blackfish" acabou sendo criticado por Bridgette Pirtle, ex-treinadora do SeaWorld que, apesar de ter inicialmente elogiado a direção e a mensagem que o mesmo transmitia, se mostrou surpresa com o final. Segundo ela, não houve nenhum interesse real em revelar toda verdade, apenas ganhar dinheiro com as situações que tinham ocorrido no passado. Na época, Michael Scarpuzzi, então vice-presidente de operações zoológicas e treinador do SeaWorld de San Diego, disse que o documentário usava a morte de Dawn Brancheau e detalhes horripilantes "não para informar o público, mas, lamentavelmente, devido ao desejo de sensacionalizar". Michael disse que após o incidente, eles mudaram as instalações, os equipamentos e os procedimentos nos tanques das orcas, sendo que a apresentação educativa desses animais no SeaWorld passou a ser muito mais segura.
Em janeiro de 2014, a família da falecida treinadora Dawn Brancheau disse que, nem eles e nem a fundação batizada em seu nome, tinham quaisquer vínculos com o documentário, e que eles não acreditavam que o mesmo refletisse exatamente quem era Dawn Brancheau ou suas experiências.
É interessante notar nesse ponto, que em uma pesquisa de opinião publicada em 31 de dezembro de 2013 (lembrando que o documentário foi lançado no início de janeiro de 2013), pelo jornal Orlando Business, foi perguntado aos leitores se o documentário "BlackFish" havia mudado a opinião deles sobre o SeaWorld, e a maioria apontou que não. Porém, posteriormente verificou-se que 180 dos 328 votos (cerca de 55%) se originaram de um único endereço IP pertencente ao SeaWorld. O SeaWorld se defendeu dizendo, que cada um dos votos que vieram de um dos seus domínios foram dados por membros da equipe, que eram apaixonados pelo incrível trabalho que o SeaWorld fazia e as experiências que os parques proporcionavam.
Fato é que toda essa polêmica mexeu nas contas do SeaWorld. A companhia aérea "Southwest Airlines" sofreu uma grande pressão para encerrar seu relacionamento de 26 anos com o SeaWorld, algo que acabou acontecendo em julho de 2014. Em novembro daquele mesmo ano, o SeaWorld anunciou que a presença de público nos parques tinha caído 5,2% em relação ao ano anterior, e que os lucros caíram 28% em relação ao trimestre anterior. Também naquele mês, as ações da empresa caíram 50% em relação ao ano anterior. De 2014 a 2015, o lucro líquido no segundo trimestre caiu 84%, de US$ 37,4 milhões para US$ 5,8 milhões, enquanto a receita caiu de US$ 405 milhões para US$ 392 milhões. Em agosto de 2015, o SeaWorld anunciou uma queda de 3% na receita, e uma queda de 84% na receita líquida do segundo trimestre de 2015, em relação ao ano anterior. O comparecimento do público também havia caído 1,6%, de 6,58 milhões para 6,48 milhões.
até mesmo por parte da Assembleia Estadual da Califórnia, onde chegou a ser apresentada uma proposta de lei, em março de 2014, visando proibir a utilização de orcas em cativeiro para fins de entretenimento e aposentar todas que estivessem sendo atualmente utilizadas com esse propósito. Em outubro de 2015, também houve uma decisão tomada pela Comissão Costeira da Califórnia, que proibiu o parque de reproduzir orcas na Califórnia, caso um projeto chamado "Blue World", de US$ 100 milhões, fosse levado adiante. O projeto visava ampliar a capacidade dos tanques para duplicar a quantidade de orcas em cativeiro. Embora essa expansão tivesse sido autorizada, o parque ficaria proibido de reproduzir as orcas em cativeiro.
No mês seguinte (novembro), Joel Manby, presidente executivo da SeaWorld Parks and Resorts, anunciou durante uma reunião com investidores em Orlando, que o SeaWorld de San Diego começaria um processo de retirada de todas as apresentações envolvendo orcas a partir do ano seguinte (2016), e que não expandiria os tanques das orcas na Califórnia. Em entrevista a emissoras de TV locais, ele disse que estava ouvindo a voz dos visitantes, que estavam sempre evoluindo como empresa e sempre mudando. Ele também disse que os californianos queriam que os animais se comportassem como se estivessem na natureza, e não na forma de espetáculos visando o entretenimento.
Em março de 2016, a SeaWorld anunciou que terminaria seu programa de reprodução de orcas em cativeiro através de inseminação artificial, e que proveria aos animais medicamentos para controle da natalidade. Além disso, a empresa voltou a afirmar, que começaria a eliminar gradualmente todas as performances ao vivo usando orcas. Apesar disso, algumas organizações em defesa do direito dos animais não ficaram muito satisfeitas com isso, a exemplo da PETA, mencionando que o SeaWorld deveria abrir mão completamente das ocas. Joel Manby respondeu que nenhum golfinho ou orca mantida em cativeiro foi liberada com sucesso na natureza (a exemplo da Keiko, que ficou famosa pelo filme "Free Willy").
Nesse ano, a poeira levantada pelo filme "Blackfish" ainda não assentou em relação ao SeaWorld, visto que, ao menos para a empresa, o ano começou bem conturbado com a morte da orca Tilikum, no dia 6 de janeiro, aos 36 anos (idade estimada). Tilikum, que era macho, estava há pelo menos 33 anos em cativeiro, sendo que 24 anos somente no SeaWorld de San Diego. Tilikum era um dos reprodutores mais prolíficos do parque, gerando 14 filhotes no total, e sendo bem conhecido pelo seu tamanho (cerca de 7 metros e 5 toneladas). Segundo o comunicado oficial, a orca estava doente há alguns meses e os veterinários estavam tratando Tilikum de uma persistente e complicada infecção bacteriana no pulmão. Organizações em defesa dos direitos dos animais disseram que a orca finalmente havia conseguido a tão sonhada liberdade.
No dia seguinte (7), o SeaWorld de San Diego anunciou o fim das apresentações das orcas em seu parque aquático, após anos de apelos e quedas consecutivas de público. Ao invés disso, o parque anunciou uma nova atração remodelada e chamada de "Orca Encounter" ("Encontro com as Orcas", em uma tradução livre para o português), que mostraria como as orcas se alimentavam, comunicavam entre si e navegavam. No entanto, os animais ainda receberiam comandos dos treinadores, ou seja, as pessoas ainda veriam as orcas saltando na água. Vale ressaltar que o parque possui ao todo 11 orcas, com idades que variam entre 2 e 52 anos. Agora, se formos considerar todos os parques, o SeaWorld possui um total de 22 orcas.
O SeaWorld também mencionou que as apresentações de orcas nos parques de San Antonio e Orlando também serão canceladas até 2019. Além disso, o SeaWorld que está sendo construído em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, a primeira franquia da empresa, não contará com a presença de orcas.
O Protesto Contra a Separação de Ursos Polares para Fins Reprodutivos e as Acusações de Espionagem contra o SeaWorld
No dia 2 de fevereiro desse ano, o site do jornal "The San Diego Union-Tribune" começou a contar uma história, que acabaria não terminando bem. Foi mencionado que Snowflake, uma ursa polar de 21 anos, pertencente ao SeaWorld de San Diego, seria transferida para fins reprodutivos ao "Pittsburgh Zoo & PPG Aquarium", no estado norte-americano da Pensilvânia (um distância de quase 4.000 km). Apesar de não ser a primeira vez que Snowflake faria essa viagem, visto que algo semelhante já tinha ocorrido em 2014, a PETA entrou nessa polêmica se opondo a essa iniciativa, porque a reprodução desses animais fazia com que existessem mais ursos polares em cativeiros, e em ambientes muito menores do que tipicamente existem na natureza.
Imagem aérea do SeaWorld de San Diego, nos Estados Unidos |
Imagem do Google Maps mostrando a distância entre o SeaWorld de San Diego e o Pittsburgh Zoo & PPG Aquarium |
"Esse esforço em termos de reprodução do urso polar mantém o SeaWorld e o Jardim Zoológico de Pittsburgh na vanguarda da preservação e educação sobre a vida selvagem, e demonstra ainda mais o nosso compromisso de preservar as espécies em perigo", disse David Koontz, porta-voz do SeaWorld.
Ingrid Newkirk também escreveu naquela época, que manter Snowflake longe de sua companheira, a Szenja, também com 21 anos de idade, era algo cruel, visto que ambas estavam juntas há 20 anos. Szenja permaneceria em San Diego, enquanto Snowflake viajaria até Pittsburgh. Confira um vídeo realizado pelo SeaWorld de San Diego, que foi publicado no YouTube, na conta do "SeaWorld Parks & Entertainment", mostrando a "comemoração" do aniversário de Snowflake, em dezembro do ano passado:
Assim como do aniversário de Szenja, em outubro do ano passado (em inglês):
Vale destacar nesse ponto, que Szenja nasceu na Alemanha, no Jardim Zoológico de Wuppertal, em outubro de 1995. Posteriormente, ela foi levada até San Diego, quando o parque abriu sua exposição chamada "Ártico Selvagem", em 1997. Já Snowflake nasceu no Jardim Zoológico de Buffalo, no estado norte-americano de Nova York, e também foi transferida para o SeaWorld de San Diego em 1997.
Foto mostrando a ursa polar Szenja (ao fundo) juntamente com Snowflake (em primeiro plano) |
Até mesmo um vídeo dessa tentativa foi postado no YouTube. No vídeo, Justine O'Brien, do Centro de Pesquisas em Reprodução do SeaWorld e do Busch Gardens, disse que os ursos polares estavam sendo ameaçados de extinção, por isso era importante que os pesquisadores aprendessem o máximo possível sobre a biologia deles para ajudar a preservá-los. Você pode conferir esse vídeo através do canal do SeaWorld de San Diego, no YouTube (em inglês):
"Essa informação também é útil para administração das populações em zoológicos, assim como entender o que está acontecendo na natureza. Se existirem quaisquer problemas com a função reprodutiva, que estejam ocorrendo, as mesmas pode salientar o que vemos nas populações selvagens", disse Justine O'Brien.
De qualquer forma, a PETA também disse que o Zoológico de Pittsburgh não era mais certificado pelo Associação de Zoológicos e Aquários, a mais antiga organização dos Estados Unidos em relação a certificação de zoológicos e aquários, e que estabelece políticas sobre o bem-estar animal. Por sua vez, o zoológico de Pittsburgh disse em um comunicado de imprensa, em agosto de 2015, que eles estavam deixando a organização após desentendimentos sobre uma política para limitar o contato dos tratadores com os elefantes. Contudo, o SeaWorld disse que não estava preocupado com o Zoológico de Pittsburgh, uma vez que o mesmo era certificado pela Associação Humana Americana. Essa associação menciona em seu site, que é o maior certificador mundial do bem-estar animal.
"O Zoológico de Pittsburgh é uma excelente instalação zoológica com uma exibição de ursos polares de última geração. A equipe fornece a mais alta qualidade de cuidados e enriquecimento para todos os seus animais, incluindo os ursos polares", disse David Koontz.
Foto mostrando a ursa polar Snowflake em seu recinto denominado de "Ártico Selvagem" |
Foto mostrando a ursa polar Snowflake (ao fundo), juntamente com Szenja (em primeiro plano) |
No dia seguinte, a KSWB, emissora de TV afiliada da FOX, sediada em San Diego, reforçou o coro ao dizer, que os ativistas em defesa dos direitos dos animais estavam pedindo que o SeaWorld de San Diego não enviasse Snowflake para o Jardim Zoológico de Pittsburgh, porque eles acreditavam que isso partiria o coração de sua companheira de longa data. De acordo com a KSWB, essa visita fazia parte do "Plano de Sobrevivência de Espécies", desenvolvido em 1981, e que tinha o objetivo de reproduzir em cativeiro espécies ameaçadas ou em risco de extinção na natureza. Confira a reportagem realizada pela KSWB, que foi publicada em um canal de terceiros, no YouTube (em inglês):
"Nós insistimos que vocês cancelem esse plano cruel, que deixaria a companheira de Snowflake, ao longo de 20 anos, Szenja, triste e sozinha, assim como condenaria quaisquer filhotes que nascessem posteriormente, a uma vida de confinamento para exibição pública. Em um momento que a 'Ringling Bros. e Barnum & Bailey Circus' anunciaram que vão encerrar suas atividades e vocês mesmos reconheceram que o programa de reprodução de orcas de vocês deve terminar devido a indignação pública, nunca ficou tão claro que as pessoas não apoiam manter animais em cativeiro e usá-los para o entretenimento. Snowflake e Szenja já foram privadas de tudo que fosse natural e importante para elas, por favor não adicionem ainda mais sofrimento e uma sentença para que mais ursos polares tenham esse destino sombrio, dando continuidade com esse plano mal concebido", disse Ingrid Newkirk, em um trecho da carta enviada ao SeaWorld.
"... desde 2008, o urso polar foi listado como "ameaçado" na Lista de Espécies Ameaçadas pelo Serviço para Peixes e Vida Selvagem dos Estados Unidos. Esse esforço em termos de reprodução do urso polar mantém o SeaWorld e o Jardim Zoológico de Pittsburgh na vanguarda da preservação e educação sobre a vida selvagem, e demonstra ainda mais o nosso compromisso de preservar as espécies em perigo", rebateu o SeaWorld. Os funcionários do parque ainda disseram que ursos polares geralmente eram animais solitários na natureza, e que Szenja seria tratada por uma equipe especial do SeaWorld enquanto Snowflake estivesse em Pittsburgh.
Em meio a toda essa polêmica, no final do mês de fevereiro, a mídia norte-americana, a exemplo do site do jornal "Orlando Sentinel", publicou que o SeaWorld admitiu que diversos funcionários da empresa se passaram por ativistas em prol dos direitos dos animais para espionarem essas organizações. Esse reconhecimento por parte do SeaWorld ocorreu cerca de sete meses após a PETA acusar o parque de espionagem. Na época, a PETA, que travou uma intensa campanha contra o SeaWorld, e divulgou provas de que um funcionário do SeaWorld de San Diego frequentou protestos e fez comentários inflamados nas redes sociais enquanto se passava por ativista. O funcionário, que foi colocado em licença administrativa, voltou a trabalhar na SeaWorld.
"O último relatório do SeaWorld confirma não somente que a empresa usou mais de um espião para se infiltrar e causar problemas na PETA, mas também que valoriza bem mais seus espiões do que os executivos, que foram demitidos em massa. Pelo menos um dos espiões ainda está trabalhando na empresa", disse a PETA, em nota enviada por email.
O SeaWorld contratou uma empresa de advocacia externa para conduzir uma investigação em julho do ano passado, depois que a PETA acusou o empregado Paul McComb de participar de seus eventos se passando por um ativista chamado Thomas Jones. As suspeitas de PETA foram levantadas após o homem ter sido preso juntamente com um grupo de manifestantes na "Parada das Rosas" de 2014, em Pasadena, mas ao contrário dos outros, ele foi liberado sem quaisquer acusações. Apesar das ações da empresa terem caído após o anúncio, os analistas de mercado acreditavam que a saúde financeira da empresa, e não o reconhecimento de casos de espionagem, tinha sido a responsável pela queda.
No dia 6 de março, a KNSD, emissora de TV afiliada da NBC, com sede em San Diego, divulgou em seu site uma petição online promovida pela Care2, uma espécie de rede social dedicada a ativistas do mundo inteiro, e que conta, de acordo com os dados do próprio site, com cerca de 38 milhões de membros e 529 milhões de assinaturas. A petição, que já contava com 45.000 assinaturas, pedia que o SeaWorld de San Diego não separasse Snowflake de sua "melhor amiga", a Szenja, uma vez que ambas estavam vivendo juntas há 20 anos.
"A maioria dos ursos polares são solitários, mas há exceções. Às vezes, ursos polares selvagens formam relacionamentos que podem durar anos. O estado de cativeiro pode ter criado um vínculo ainda mais forte entre Snowflake e Szenja", disse Sharanya Prasad, Gerente de Estratégias de Campanhas da Care2.
A Morte de Szenja: Será Possível que a Ursa Polar Tenha Realmente Morrido de "Coração Partido" ao ser Separada de Snowflake?
No dia 16 de abril, um domingo, os Estados Unidos acordaram com uma notícia que ninguém gostaria de dar: Szenja estava morta. Aliás, sua morte foi tratada como um evento "inesperado" pela direção do SeaWorld de San Diego. Na semana anterior da sua morte, tratadores e veterinários do SeaWorld notaram que Szenja havia perdido o apetite, assim como sua força. A equipe estava monitorando suas condições de saúde, mas ainda assim, sua morte foi encarada como uma surpresa. Uma necrópsia seria realizada para ajudar a determinar as causas de sua morte.
A equipe estava monitorando suas condições de saúde, mas ainda assim, sua morte foi encarada como uma surpresa. Uma necrópsia seria realizada para ajudar a determinar as causas de sua morte |
"Depois de perder sua companheira de 20 anos, quando o SeaWorld enviou Snowflake para o Zoológico de Pittsburgh, com o objetivo de gerar mais ursos polares miseráveis, Szenja fez o que qualquer um faria quando perde toda a esperança, ela desistiu. Isso deve servir de alerta para o SeaWorld: Parem de reproduzir e enviar animais por aí, encerrem as exposições dos animais, e levem os animais para os santuários. Até que isso aconteça, este navio continuará afundando", disse Tracy Remain, em nota oficial da PETA.
Entretanto, para Tracy Remain (à esquerda), vice-presidente executiva da PETA, Szenja morreu "de coração partido" |
assim como a People.
Para responder a essa pergunta, vou usar o artigo escrito pelo Dr. Marc Bekoff, professor emérito de Ecologia e Biologia Evolutiva na Universidade do Colorado e co-fundador de uma organização não governamental chamada "Etologistas para o Tratamento Ético de Animais" (EETA). Ele é especialista no campo do comportamento dos animais, sendo que já publicou mais de 1000 ensaios (populares, científicos, e capítulos de livros), 30 livros, e editou três enciclopédias. Ele também possui uma espécie de "blog" chamado "Animal Emotions" dentro do site da revista norte-americana "Psychology Today".
Marc também criticou a postura adotada por Al Garver, vice-presidente de operações zoológicas do SeaWorld de San Diego, dizendo que ele apenas seguiu a mesma linha adotada pelos zoológicos para fazer com que as pessoas pensem que eles fazem algo significativo para salvar outros animais. A palavra-chave em seu texto era "querer". Enquanto muitos podem "querer" salvar ursos polares e outros animais, pouquíssimos zoológicos, caso haja algum, realmente fazem alguma coisa que faça a diferença para os "parentes selvagens" dos animais de zoológico.
Embora se saiba que os ursos polares na natureza tendem a ser solitários, isso não tem absolutamente nada a ver com o modo como Szenja e outros ursos polares em cativeiro realmente vivem em suas jaulas de água. Eles convivem com outros animais, tornam-se fortemente ligados com eles, e sofrem com a perda deles, assim como aconteceu com a Szenja, quando a Snowflake foi arrancada dela. A declaração do SeaWorld sobre a morte de Szenja tinha sido totalmente vazia.
Bambi ou Bessie: Os Animais Selvagens são Mais Felizes?", onde ela alega: "O que sabemos até agora é que a evidência sugere que os animais selvagens podem ser tão felizes em cativeiro quanto na natureza, assumindo que eles sejam bem tratados... Animais de zoológicos com cuidados adequados e enriquecimento, por exemplo, possuem perfis hormonais semelhantes, vivem mais tempo, comem melhor e são mais saudáveis do que os seus homólogos selvagens. Por que? Porque a vida selvagem é difícil. Em cativeiro, é fácil."
Segundo Marc, um grande problema com o ensaio de Wilcox é que ela sugere que o estresse e a felicidade são mutuamente exclusivos, algo que muitas pesquisas mostram claramente que não são. Outro problema é sua atitude cavalheiresca sobre como a vida na natureza é totalmente miserável, e que ser "bem tratado", seja o que for que isso signifique, é uma condição melhor de vida, do que um indivíduo que estava destinado a viver como membro de uma determinada espécie. Sim, há sofrimento na natureza, e também há muita alegria e felicidade. Essa é a arrogância antropocêntrica de pensar que podemos ou devemos intervir e tornar as coisas "melhores" - o que quer que isso signifique - uma vez que uma grande variedade de padrões de comportamento e sistemas sociais diversos evoluíram em muitos seres sensíveis antes de nos tornarmos o principal fator negativo nas vidas e mortes de inúmeros indivíduos de numerosas espécies.
Segundo Marc, um grande problema com o ensaio de Wilcox (na foto) é que ela sugere que o estresse e a felicidade são mutuamente exclusivos, algo que muitas pesquisas mostram claramente que não são. |
Os não-humanos podem morrer de um coração partido e os zoológicos precisam perceber que isso é uma realidade, não uma explicação "fofinha" sobre a morte. Em um artigo anterior chamado "Animais Tristes, de Luto e com o Coração Partido", o Dr. Marc Bekoff descreveu o profundo sofrimento que os animais sentem quando perdem um ente querido. Ele destacou as observações da Dra. Jane Goodall, uma etologista e antropóloga britânica, sobre Flint, um jovem chimpanzé que se retirou do seu grupo, parou de comer e morreu de coração partido logo após a morte de sua mãe, a Flo.
Foto bem antiga mostrando a Dra. Jane Goodall conhecendo o pequeno Flint, juntamente com sua mãe, a Flo. |
"Nunca esquecerei ao assistir, três dias após a morte de Flo, Flint subindo lentamente em uma árvore alta perto do córrego. Ele caminhou ao longo de um dos ramos, depois parou e ficou imóvel, olhando para um ninho vazio. Depois de cerca de dois minutos, ele se virou e, com os movimentos de um homem idoso, desceu, andou alguns passos, e depois deitou-se com olhos arregalados olhando para frente. O ninho tinha sido um dia, aquele que ele e Flo tinham compartilhado um pouco antes de Flo morrer... Na presença de seu irmão mais velho, o Figan, Flint parecia ter melhorado um pouco em relação a sua depressão. Porém, de repente ele saiu do grupo e correu de volta para o lugar onde Flo tinha morrido e afundou-se em uma depressão cada vez mais profunda... Flint tornou-se cada vez mais letárgico, recusava comida e, com seu sistema imunológico enfraquecido, adoeceu. A última vez que o vi vivo, ele estava com um olhar profundo e pesado, magro e totalmente deprimido, amontoado em uma vegetação próxima de onde Flo tinha morrido... a última curta viagem que fez, parando para descansar a cada poucos metrros, foi justamente até o lugar onde o corpo de Flo tinha jazido. Lá ele ficou várias horas, às vezes olhando para a água. Ele lutou um pouco mais, depois enroscou seu corpo - e nunca mais se moveu."Não há dúvidas de que Flint estava sofrendo e se sentindo totalmente perdido no mundo. A vida já não valia a pena ser vivida. A morte súbita de Szenja indica fortemente que ela, assim como Flint, sentiu falta de sua melhor amiga, e a vida simplesmente se tornou pesada demais para ser suportada. Perder a Snowflake, a melhor amiga de Szenja ao longo de 20 anos, fez com que o sentimento de mágoa fosse demasiadamente difícil de lidar.
O sofrimento, o luto e a morte de um coração partido mostram claramente que os animais não-humanos são socialmente conscientes do que está acontecendo em seus mundos, e que sentem emoções profundas quando a família e os amigos morrem. Claramente, nós não somos os únicos animais que possuem as capacidades cognitivas e emocionais para sofrer com a perda de outros indivíduos, seja qual for a espécie.
Comentários Finais
Sinceramente, ao terminar de escrever essa postagem, saí com a sensação de ter perdido alguém da minha família. Tive a estranha sensação de que as ursas polares Szenja e Snowflake e os chimpanzés Flint e Flo faziam parte do meu círculo social, mesmo sem conhecê-los. Aliás, é difícil não se emocionar com as palavras de Jane Goodall ao descrever os últimos momentos da vida de Flint, e seu luto que ele não conseguiu superar após a morte da mãe. Aliás, Flint e Szenja, ainda que sejam de espécies totalmente distintas, nos mostraram a força que laços de amizade podem ter em nossas vidas, e como perder alguém que seja importante para nós ou que já nos habituamos a conviver, pode impactar não somente em nossa qualidade de vida, mas selar o nosso próprio destino. Em relação especificamente a Snowflake, ela já tinha viajado a Pittsburgh, porém tinha ido juntamente com sua companheira de parque, a Szenja. Ao contrário de Snowflake, que teria a companhia ao menos de outro urso polar em Pittsburgh, Szenja ficou sozinha em sua pequena imensão gelada do caloroso Estado da Califórnia. Palavras tão contraditórias e opostas quanto sua situação de Szenja. Afinal de contas, era um espaço limitado no interior do SeaWorld de San Diego, onde ela morou até o fim de sua vida, o único lugar que lhe oferecido como um lar. Um local onde reinou a paixão e o amor dos visitantes, que inconscientemente financiaram sua permanência em uma prisão. Não sabemos se Szenja teria sido mais ou menos feliz na natureza. Não sabemos se ela teria vivido mais ou menos. A questão é justamente essa, nunca saberemos, porque ao final não existe mais nada, apenas um vidro no qual observamos esses animais, sem parar e olhar para o nosso próprio reflexo.
Essa postagem é tão emblemática, que é difícil apontar um lado totalmente certo e um lado totalmente errado. É estranho dizer isso, eu sei, mas é importante lembrar o caso da orca Keiko, um macho (não era fêmea como muitos pensam), que o mundo conheceu como Willy, na franquia de filmes chamada "Free Willy". As organizações em defesa dos direitos dos animais se mobilizaram para denunciar que Keiko estaria sofrendo maus-tratos em um parque aquático, no México, e lutaram incessantemente para libertá-lo na natureza. Foram investidos milhões de dólares, mas Keiko amava os seres humanos, queria a companhia deles, queria carinho e conforto, queria proteção e se recusava a conviver com outras orcas. Após cerca de seis anos de uma saga em busca de sua liberdade, que transformou-se em seu calvário, Keiko morreu no início da noite de 12 de dezembro de 2003, letárgico, apático e visivelmente magro, na costa da Noruega. Foi, inclusive, rapidamente enterrado para que o mundo não lembrasse dele como um imenso cadáver. A reabilitação se mostrou um verdadeiro fracasso. Lembro de ter visto um vídeo, de partir o coração, onde foi mostrado a treinadora dele, a Karla, inconsolável, dizendo que tinha perdido o amor da vida dela, que aquilo não tinha sido escolha dela, e que se tivessem deixado que ela ficasse com ele, assim o faria de alguma forma. Em seu canal do YouTube, a treinadora ainda menciona até hoje, mesmo após quase 14 anos de sua morte, que ainda sente falta dele e provavelmente sentirá enquanto viver. Keiko não estava em risco da forma como os ativistas convenceram o mundo e, por mais estranho que pareça, os ativistas tiveram mais responsabilidade pela morte de Keiko, do que o próprio parque aquático mexicano. Hoje em dia, não existe mais nada, apenas ossos enterrados na areia.
Evidentemente, não acho correto que animais, ainda mais de grande porte, sejam confinados durante décadas, e que sirvam tão somente para entretenimento, porém não podemos ser levianos e pregarmos sobre uma liberdade, que sabemos que o animal não terá plenamente. Queria ter uma solução para esse dilema, mas não tenho Acredito que as pessoas deveriam pelo menos minimizar o sofrimento do animal, nem que fosse ampliando consideravelmente o local onde ficam, e que pudessem ser tratados como indíviduos, não sendo treinados para serem estrelas de um espetáculo. Além disso, a reprodução em cativeiro com finalidade comercial também deveria ser proibida. Poderíamos ter um espécie de "admissão benéfica de culpa", onde as empresas reconhecessem os seus erros e garantissem uma vida digna aos membros animais de suas famílias, como eles mesmos gostam de dizer. Apesar do SeaWorld receber quase 7 milhões de visitantes por ano, e ter um faturamento superior a R$ 1 bilhão, não seria vergonha alguma sentar juntamente com os ativistas, promover uma campanha de transmitir uma imagem positiva do empreendimento, e aos poucos criar verdadeiros satuários onde as pessoas pudessem conhecer de perto os animais, tendo a certeza que estão sendo muito bem tratados e continuarão sendo pelo resto de suas vidas. Por outro lado, o ativismo também gera muito dinheiro. Somente a PETA recebe por volta de R$ 80 milhões por ano, e ainda tem fortes acusações de sacrificar dezenas de milhares de cães e gatos que eles mesmos não conseguem fazer com que as pessoas adotem. Assim sendo, em um universo onde mocinhos e bandidos vestem as mesmas roupas, o silêncio e o falatório se tornam armas mortais de nossa prepotência como salvadores de todas as espécies, que há muito tempo estamos ajudando a matar. Não ao pagar um ingresso ou fazer uma doação, mas por acreditarmos que não temos culpa de nada.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://fox5sandiego.com/2017/02/03/plan-to-use-seaworld-polar-bear-for-breeding-sparks-protest/
http://news.nationalgeographic.com/2017/01/seaworld-final-orca-show-california-killer-whales/
http://nypost.com/2017/04/18/beloved-polar-bear-dies-unexpectedly-at-seaworld/
http://people.com/pets/szenja-the-polar-bear-dies-seaworld/
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