Por Marco Faustino
Imagino que vocês devem ter notado que o título dessa postagem é bem semelhante a algo que vocês conhecem, não é mesmo? Talvez seja porque vocês estejam ansiosos pela exibição da terceira temporada da série "A Maldição de Oak Island" do History Channel. Para vocês terem uma ideia atualmente a série está sendo exibida em sua quarta temporada nos Estados Unidos e no Canadá, e aparentemente vem sofrendo menos polêmicas do que o aparente fiasco que aconteceu no ano passado. Na época, o objeto que mais chamou a atenção e movimentou as redes sociais norte-americanas foi uma estranha e suposta e antiga "espada romana", que teria sido encontrada em Oak Island. O problema é que toda aquela história tinha o envolvimento de um homem chamado J. Hutton Pulitzer, conhecido pela sua péssima reputação, não somente empresarial, mas em termos de pseudoarqueologia. Vale lembrar que ele e sua equipe sempre disseram que a "espada romana encontrada em Oak Island" era um "artefato romano 100% confirmado", e que correspondia a uma autêntica espada romana, que estaria em um museu italiano. Porém, eles não tinham apresentado quaisquer provas sobre isso. Não havia nenhuma imagem, não havia nenhuma espécie de registro em catálogo, e nenhuma referência. Absolutamente nada que indicasse que a tal "espada romana" descrita por eles realmente existia. Assim sendo, passei o fim de dezembro de 2015 e o mês de janeiro de 2016 inteiro traduzindo e colaborando com o objetivo de desvendar o caso que foi apelidado de "Swordgate" pelo arqueólogo e antropólogo Andy White, do Instituto de Arqueologia e Antropologia da Carolina do Sul, nos Estados Unidos. Finalmente, após um longo e exaustivo trabalho, conseguimos mostrar a vocês que a espada não pertencia a Roma Antiga, e que tudo não passava de uma farsa propagada pelo Pulitzer. Vocês podem conferir as três postagens relacionadas a essa saga através dos links abaixo:
- Os Romanos Descobriram a América? Será que uma "Descoberta" em Oak Island Poderia Reescrever a História?
- A Saga em Busca de Respostas Sobre a "Espada Romana Descoberta em Oak Island" Continua
- Fim da Saga? Surgem Novas Espadas Pelo Mundo, mas a Espada de Oak Island não Pertence a Roma Antiga!
A Polêmica "Cidade do Deus Macaco": Desde sua Suposta Existência até a Recente Exploração Arqueológica).
Agora, a divulgação de um livro e um documentário, que por sua vez poderá se chamar a "A Maldição da Cidade Perdida do Deus Macaco" novamente expõe toda a frágil crença na existência de uma possível cidade lendária em Honduras. Estão se perguntando qual seria a razão para uma eventual maldição sobre ela? Bem, de acordo com os principais envolvidos nessa nova expedição, cerca de metade da equipe ao deixar a floresta acabou sendo diagnosticada com leishmaniose, que segundo a reportagem seria transmitida pelas chamadas "moscas de areia", e causaria uma série de problemas nos seres humanos, tais como: vômitos, cólicas e efeitos neurológicos. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Entenda a Origem dessa História Sobre a Suposta "Maldição" da Cidade Perdida do Deus Macaco
Toda essa polêmica em torno do "Cidade Perdida do Deus Macaco" voltou a ser destaque na mídia internacional após uma reportagem do programa "Sunday Morning", de um canal de TV norte-americano chamado "CBS News", no domingo passado (8). Assim sendo, para tentar entender melhor essa história, vamos conhecer, é claro, o conteúdo dessa reportagem, que foi publicado no canal do programa, no YouTube, naquele mesmo dia (em inglês, mas fiquem calmos, vou transcrevê-la para vocês):
Confira agora a transcrição aproximada e adaptada dessa reportagem acima:
Se você perguntar ao autor de best-seller Doug Preston, ele vai dizer que não acredita em maldições. E, no entanto, aqui está ele, sendo tratado por uma doença que ele contraiu durante uma expedição na selva, até um sítio onde há séculos existem rumores, que infortúnios recaem sobre aqueles que tentam entrar.
"Jamais trocaria essa experiência por nada. Isso foi bem intenso", disse Doug.
Seu conto começa nas florestas tropicais de Mosquitia, que cobra cerca de 52.000 km² do território de Honduras e da Nicarágua.
"A lenda é que havia uma grande cidade nas montanhas, que foi atingida por uma série de catástrofes, e os habitantes pensaram que os deuses estavam zangados com eles, e eles acabaram deixando todos os seus pertences para trás", continuou.
"Quem não gosta de uma história que tem algum mistério nela? Então, vamos ver o que acontece!", disse Steven Elkins. Em sua última expedição de 2015, ele convidou Preston para documentá-la.
Entretanto, desse vez Steve Elkins tinha algo que nenhuma expedição anterior à área tinha: uma tecnologia impressionante chamada LiDAR, um sistema de mapeamento a laser. Olhando através de um buraco cortado na parte inferior de um velho Cessna Skymaster, ele poderia escanear centenas de quilômetros quadrados de uma densa selva em questão de dias. O problema? Era caro, e Elkins precisava de um patrocinador. Foi nesse ponto que entrou em cena o documentarista Bill Benenson, que concordou em pagar mais de um milhão de dólares, caso pudesse registrar a aventura em vídeo.
Olhando através de um buraco cortado na parte inferior de um velho Cessna Skymaster, Steve Elkins poderia escanear centenas de quilômetros quadrados de uma densa selva em questão de dias |
"Elas tinha sido feitas pelo homem ou então os roedores (geomídeos) mais inteligentes do mundo estiveram lá, fazendo coisas que nunca tinham feito antes", continuou.
O que o LiDAR revelou, uma vez que a cobertura vegetal foi removida, chocou a todos na equipe |
O LiDAR tornou visível o que pareciam ser estruturas retangulares, incluindo duas linhas perfeitamente lineares, e um ângulo reto |
"Bem, eu sabia que tínhamos encontrado uma cidade, uma cidade antiga. Isso eu sabia. Porém, o que poderia ser além disso, cabia aos arqueólogos descobrir", respondeu Bill Benenson. Esse arqueólogo foi Chris Fisher, do estado norte-americano do Colorado. E se isso é algo realmente interessante?
"Bem, eu acho que sim. Se é parecido com Machu Picchu? Não, mas essa essa área, regionalmente, acredito que é muito, muito importante", disse Chris Fisher. Ele ajudou os profissionais da National Geographic a revelar a eventual aparência da cidade, mas para ter certeza ele tinha que ir a pé até o local. Foram necessários três longos anos de planejamento.
"Ele segurou a cobra, mas naquele momento a cobra teve um acesso de fúria, e se balançou para todos os lados lançando veneno, jatos de veneno em meio a escuridão", lembrou Doug Preston.
"Não posso dizer que vejo o local inteiro daqui", disse um membro da equipe. "Bem, é isso mesmo. É uma pirâmide. É composta de terra", disse Fisher.
"Alguém disse: 'Ei, espera um minuto, tem algumas pedras estranhas aqui. Todos nós voltamos, e a primeira coisa que vi foi uma cabeça de jaguar saindo do chão, esculpida em pedra, imponente", disse Doug Preston.
Nos arredores havia um tesouro de artefatos, que se acredita que datam do século XVI, ou seja, os pertences pessoais dos habitantes que, conforme uma teoria mencionada, fugiram da cidade em uma tentativa desesperada de escapar das doenças e da escravidão europeia.
No entanto, alguns membros da comunidade acadêmica não ficaram tão impressionados.
Rosemary Joyce, professora de Antropologia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, disse que uma expedição liderada por cineastas se parecia mais com Indiana Jones do que a ciência real, sendo que mais de 20 arqueólogos também concordavam com isso.
"Não saímos mais à procura de tesouros, saímos à procura de conhecimento. Se isso estivesse sendo retratado como uma história de aventura, não teríamos nenhuma objeção quanto a isso. Porém, está sendo retratado como Arqueologia, algo que não é", disse Rosemary Joyce.
"O parasita migra para as membranas mucosas da sua boca e do seu nariz, e basicamente as come. Seu nariz cai, seus lábios caem, e eventualmente seu rosto se torna uma ferida gigantesca, aberta", disse Doug Preston. Ao longo dos meses seguintes, cerca de metade dos membros da expedição apresentou os primeiros sintomas, e tiveram que passar por um doloroso tratamento.
Bill Benenson e Steve Elkins foram poupados, e o documentário sobre a aventura está em processo final de edição |
Parece que a selva ainda está lutando para manter seus segredos, um véu quase impenetrável fazendo o melhor que pode, dificultando ao máximo. E que, no final das contas, pode ser a maldição mais duradoura de todas.
O Que Representa Essa Reportagem da CBS News?
A reportagem divulgada pela CBS News é basicamente mais um capítulo do que vocês já puderam conferir, de uma forma bem mais completa, aqui no blog AssombradO. No começo do ano passando, quando publiquei a postagem intitulada "A Polêmica 'Cidade do Deus Macaco': Desde sua Suposta Existência até a Recente Exploração Arqueológica", vocês ficaram sabendo do questionável posicionamento da revista National Geographic, que passou a divulgar aos quatro ventos que a "Cidade do Deus Macaco" havia sido descoberta em Honduras, quando na verdade nada indicava isso.
Na época da divulgação por parte da National Geographic, ou seja, em março de 2015, o site do jornal hondurenho "La Prensa" rapidamente publicou as declarações de Ricardo Agurcia, renomado arqueólogo hondurenho, que questionou a então "possível descoberta" amplamente divulgada para todo o mundo, porque a equipe de investigação que havia sido composta não era sólida, não se conhecia os interesses das instituições envolvidas, e ninguém sabia realmente se havia especialistas hondurenhos envolvidos.
"Até onde eu sei, isso tem pouco critério científico. Também acho estranho que uma notícia como essa tenha sido publicada primeiro no exterior do que em Honduras", disse Ricardo, observando ainda que o que foi mostrado pela National Geographic não possuía as características do que a lenda mencionava. Aliás, nunca foi segredo algum, que existem muitos sítios arqueológicos na região de La Mosquitia.
A arqueóloga hondurenha Eva Martinez concordou com Ricardo Agurcia, que aquilo não tinha sido uma descoberta e a "Cidade Branca" continuava a ser apenas uma lenda.
"La Mosquitia foi estudada por arqueólogos durante décadas. O lugar mencionado pela National Geographic pode ser um dos sítios arqueológicos já previamente registrados no Instituto Hondurenho de Antropologia e História (IHAH). Qualquer sítio arqueológico em La Mosquitia poderia receber esse nome. A Cidade Branca é um mito, uma lenda. A publicação não é uma pesquisa acadêmica, e dá uma ideia errada do trabalho da Arqueologia", disse Eva.
Cerca de uma semana depois, no dia 11 de março, o jornal britânico "The Guardian" publicou uma notícia dizendo que mais de duas dezenas de arqueólogos e antropólogos estavam condenando a atitude do National Geographic sobre as alegações sobre as "cidades perdidas" de Honduras. Em uma espécie de Carta Aberta os mesmos protestavam contra a "espetacularização" dos sítios arqueológicos do país.
John Hoopes, um dos signatários e professor de Antropologia da Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, disse que a National Geographic tinha demonstrado "um desrespeito para com o conhecimento indígena, e que se tratava de um discurso colonialista".
O presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández (à esquerda) ao lado do arqueólogo Chris Fisher (à direita) |
"Nós nunca dissemos que era a 'Cidade Branca' ou a 'Cidade Perdida do Deus Macaco'. Os artigos não são artigos científicos, mas não negamos que a população local possa ter conhecimento desses sítios. Entretanto, a região estava inabitada e relativamente intacta depois de todos esses séculos", disse Christopher Fisher, que como sabemos pertence a equipe de Steve Elkins.
Embora ele tenha dado essa declaração em 2015, aparentemente isso não impediu os planos em realizar um documentário tendo essa lenda como plano de fundo. A National Geographic, por sua vez, tentou se defender dizendo que sua cobertura havia sido imparcial, e que não dava créditos a declarações fantasiosas do passado em relação as lendas locais.
Confira o Teor da Carta dos Acadêmicos Internacionais: Achados Arqueológicos em Honduras
6 de Março de 2015,
A quem interessar possa:
Escrevemos para expressar sérias preocupações sobre os artigos recentes proclamando a descoberta de uma cidade perdida ou civilização perdida em Honduras. Descobrimos que esses artigos: 1) fazem alegações exageradas da "descoberta", 2) ignoram extensas pesquisas anteriores na região, 3) não reconhecem a familiaridade dos moradores locais com a região, 4) sensacionalizam a prática da Arqueologia e 5) empregam um discurso ofensivo e ultrapassado, que está em desacordo com os esforços substanciais da Antropologia na inclusão e na multivocalidade. Além de parecer desinformado e focado no autoengrandecimento, esses artigos implicitamente violam um princípio básico da ciência, atribuído ao arqueólogo David Hurst Thomas: "Não é o que você encontra, é o que você descobre."
1) Alegações Exageradas da "Descoberta":
Assim como em artigos anteriores e comunicados à imprensa, membros da expedição alegam incorretamente que essa equipe de cineastas, ex-soldados e arqueólogos "descobriram" uma "civilização perdida" na região de Mosquitia, no leste de Honduras. Na realidade, como bem sabiam os membros da expedição, esta região tem sido objeto de pesquisas arqueológicas durante a maior parte do século passado e especialmente nas últimas duas décadas. Intensivos estudos já tinham sido conduzidos por arqueólogos, geógrafos e outros cientistas. Longe de ser desconhecida, a área tem sido foco de muitos trabalhos acadêmicos e populares, incluindo duas teses de mestrado, uma dissertação de doutorado, dois livros populares, dois documentários, inúmeros artigos e apresentações, e uma série de encartes recentemente publicados por um jornal hondurenho.
Na realidade, como bem sabiam os membros da expedição, esta região tem sido objeto de pesquisas arqueológicas durante a maior parte do século passado e especialmente nas últimas duas décadas |
Arqueólogos com experiência nessa região entraram em contato com os membros da equipe após comunicados de imprensa anteriores, e artigos publicados em 2012 e 2013. Então, não se pode negar a ausência de estudos prévios. As alegações nesses artigos sugerem uma falta de familiaridade com o estudo anterior. No entanto, fontes na internet, de fácil acesso, tal como o site Mosquitia (http://www.mosquitia.com) e um artigo detalhado na Wikipedia sobre La Ciudad Blanca, torna isso indefensável.
3) Incapacidade de Reconhecer o Conhecimento Local:
Esses artigos descaradamente ignoram o conhecimento local e significativo dos recursos arqueológicos nessa região. Grupos indígenas locais e residentes de longa data da área fizeram contribuições essenciais para a localização, documentação e interpretação de sítios arqueológicos. Eles foram reconhecidos em trabalhos anteriores publicados por arqueólogos como Begley, Hasemann, Lara Pinto, Dixon e Gomez Zuniga, tornando esses artigos especialmente 'notáveis' pela ausência nesse aspecto.
4) O Sensacionalismo da Arqueologia na Região:
Ao se concentrar na lenda da Cidade Branca, citando a "Cidade Perdida do Deus Macaco" (um nome inventado em 1940 em razão de uma notícia de tabloide), e apresentando a área como "um dos últimos lugares cientificamente inexplorados na terra" os artigos exploram a retórica hiperbólica, sensacionalista e não científica. A explicação e outros aspectos essenciais de uma abordagem científica são amplamente ignorados.
Esses artigos constituíram os membros da expedição como "descobridores", um tropo comum na literatura de viagens de aventura do século XIX e início do século XX, em que a superioridade externa é enfatizada às custas do conhecimento local. O posicionamento dos membros da expedição como exploradores que "descobrem" sítios na selva, em áreas onde "os animais parecem nunca ter visto seres humanos antes" mostra desconhecimento e desrespeito aos povos indígenas Pech, Tawahka e Miskito e outros hondurenhos, que viveram lá por todas as suas vidas. Arqueólogos sabem que até mesmo as áreas mais remotas são rotineiramente visitadas por caçadores e pescadores. Afirmar ser a primeira pessoa a descobrir um grande sítio arqueológico, ainda mais uma "cidade perdida" ou "civilização perdida" não é apenas improvável, mas evoca um passado problemático quando as contribuições locais e indígenas para o conhecimento foram ignoradas, e que coisas já conhecidas pelos moradores da região foram reivindicadas por terem sido "descobertas" por exploradores estrangeiros.
Convidamos vocês a fazerem um esforço para corrigir as imprecisões e retórica prejudicial desses artigos e dar uma consideração mais sofisticada à publicação disso e futuros artigos que sensacionalizem a Arqueologia, fazem falsas alegações de descobertas, mostrem uma total desconhecimento da região e pesquisas prévias, e explorem elementos retóricos que representem atitudes antiquadas, ofensivas, e etnocêntricas.
Aparentemente, mesmo após quase dois anos, o conteúdo da carta assinada por mais de vinte arqueólogos continua sendo atual, verdadeiro, e aplicável a outras regiões, como por exemplo, na América Andina. Para conferir a lista de pessoas que a assinaram, clique aqui.
"A parte mais ofensiva é que existe muita coisa que é conhecida, que a National Geographic deixou de fora. A região é tão rica em sítios arqueológico, que se você apontar o LiDAR em praticamente qualquer lugar do vale, você vai encontrar o que esses rapazes encontraram", disse John Henderson.
A "Cidade Perdida do Deus Macaco" Realmente Existe ou Tudo Isso é Apenas uma Farsa Para Eventualmente Lucrar com a Lenda?
Muito provavelmente, a "Cidade Perdida do Deus Macaco" não existe. Entre as diversas declarações dadas por Chris Begley, estava uma onde ele dizia, que ao invés de ser uma cidadela isolada em uma selva ou alguma civilização misteriosa esquecida no tempo, na região de La Mosquitia, quase todo vale de rio possui algum achado arqueológico.
Conhecer a cultura local, bem como o povo Pech teria muito mais importância e valor arqueológico do que qualquer escaneamento aéreo, muito embora ele reconhecesse a relevância da tecnologia. A região teria abrigado diferentes culturas, que se mesclaram ao longo do tempo, não apenas somente uma.
"Há uma enorme quantidade patrimonial que está à espera de ser recuperada, mas a maioria dos Pech que eu conheço não acredita que as pessoas que criaram esses lugares sejam seus antepassados", disse Bonta, acrescentando ainda que a maioria nunca foi ensinada sobre povos, sem ser os maias, que teriam cruzado a região.
"Imagine gregos que nunca tivessem ouvido falar do Parthenon. Essa é a maneira como você tira a terra do povo: dizendo que não podem ser o povo que construiu tudo aquilo, ainda mais usando o jargão 'Cidade Branca'", continuou Bonta, se referindo claramente ao tom de pele dos nativos em relação aos descendentes europeus. Vale ressaltar que povo Pech já perdeu enormes extensões de terra devido ao desmatamento por criadores de gado e mineração ilegal de ouro. E, apesar da segurança ter melhorado, a região ainda está repleta de traficantes de drogas, caçadores e saqueadores de antiguidades.
Durante a reportagem da CBS, o jornalista Lee Cowan aceitou sem questionar que a "cidade perdida" venha atraindo exploradores desde 1500. Porém, isso não é verdade. Essa busca começou a partir da década de 1940, visto que antes ninguém se importava muito com isso. No século XVI, Hernán Cortês escreveu sobre cidades da região, mas não mencionou que tivessem sido abandonadas, perdidas e muito menos brancas. Não é a mesma coisa. Chegamos a contar um pouco sobre isso na postagem do ano passado para vocês.
Agora, o motivo de tanta especulação sobre esse assunto? A mais provável resposta é bem simples: dinheiro. Juan Orlando Hernández, o presidente de Honduras, declarou no começo de 2015, que cerca de 60 milhões de pessoas, em mais de 15 idiomas, tinham visto o documentário da National Geographic, e que Honduras nunca antes teve tamanha exposição. Ele apontou ainda que, em termos turísticos, eles não possuíam apenas sol e praias". Ele destacou a questão sobre o ecoturismo e o turismo científico, que eram setores muito importantes em sua concepção. Assim sendo, a "descoberta" da "Cidade Branca" contextualizava em relação a uma nova "infraestrutura", que estariam construindo em termos de estradas, aeroportos e portos, pois tinham que preparar o país aproveitar esta "grande oportunidade". Assista como foi o anúncio do presidente Juan Orlando Hernández (em espanhol):
Em meados de janeiro do ano passado, Hernández desceu de helicóptero no local, que havia sido visitado anteriormente pela equipe de Doug Preston com uma equipe da National Geographic (que teria financiado a expedição, com uma quantia de US$ 100.000). Hernández observou os artefatos descobertos no local e disse aos repórteres que o país foi obrigado a proteger seu "patrimônio nacional" - tanto para o turismo, quanto para a história. Assista como foi (em espanhol):
Assista também (em espanhol):
Enfim, como vocês podem perceber, aparentemente a exploração predatória da região tem motivações meramente financeiras em prol de um governo, que sempre esteve mergulhado em problemas de corrupção no alto escalão e no sistema de saúde, e que possui índices alarmantes de criminalidade para controlar em diversas cidades do país devido a impunidade (o que de certa forma não é muito diferente do nosso país).
A Discussão Entre o Escritor Doug Preston e o Arqueólogo John W. Hoopes no Reddit
Doug Preston vem sendo bastante sonoro em seu profundo aborrecimento, visto que diversos arqueólogos, incluindo alguns que deram entrevistas para seu livro, discordaram com as conclusões da expedição sobre o local, particularmente questionando sobre o seu tamanho, e se realmente é a "Cidade Branca". Houve inclusive um bate boca, no qual Doug Preston ficou sem palavras para responder adequadamente John W. Hoopes, do Departamento de Antropologia da Universidade do Kansas, através do Reddit. Confira abaixo um trecho da troca de farpas entre eles:
"Devo também acrescentar, que tenho escrito sobre Arqueologia para revista New Yorker há 25 anos, e venho de uma família de arqueólogos. Nunca na minha vida encontrei uma resposta mais irresponsável e infundada a uma descoberta, assim como ocorreu de um pequeno grupo de arqueólogos americanos que têm trabalhado em Honduras. Eu relatei essa controvérsia maluca em meu livro, mas pessoalmente foi decepcionante ver esses acadêmicos se comportando da maneira que fizeram. A equipe que explorou esse sítio incluiu seis eminente arqueólogos diplomados (hondurenhos e americanos), assim como diversos outros pesquisadores que possuem PhD e trabalhos acadêmicos publicados. Havia indígenas dos povos Tawahka, Miskito e Garifuna na expedição. O problema é que esses outros acadêmicos não foram incluídos, e eles se sentiram ofendidos por isso", declarou Doug Preston, que acabou sendo rebatido efusivamente por John W. Hoopes.
Embora o projeto tivesse começado em 1997, quando Doug Preston escreveu sobre isso para a revista New Yorker, não havia nenhum arqueólogo profissional associado ao projeto até meados de 2012, APÓS os dados do LiDAR terem sido coletados, ou seja, o projeto foi concebido, gerenciado e executado por indivíduos com praticamente nenhuma base arqueológica relevante para o que eles se propuseram fazer. Como resultado, o projeto tem sido repleto de problemas conceituais desde o início. Isso incluiu a propagação da região como 'desconhecida', apesar do fato de que a área foi explorada e descrita pelo arqueólogo Herbert J. Spinden já em 1924, que fotografou e coletou artefatos praticamente idênticos aos encontrados no sítio T1, relatado-os naquele mesmo ano no Congresso Internacional de Americanistas em Gotemburgo, na Suécia, e os levando para o Museu Peabody, na Universidade de Harvard. As alegações de que essa cultura era 'desconhecida' ou 'sem nome' simplesmente não estão corretas. Em um artigo publicado em 1925, baseado em sua apresentação no ano anterior, Spinden nomeou a cultura de 'Chorotegan'. Estudos subsequentes de Doris Stone, uma grande estudiosa da Arqueologia do Norte de Honduras, apesar de sua breve menção em uma nota de rodapé no livro de Preston, a levou a definir o que ela chamou de cultura "Paya" em uma apresentação no encontro de 1939, do Congresso International de Americanistas, na Cidade do México (que ela também publicou no mesmo ano). Juntos, Spinden e Stone descreveram e nomearam o que Preston alegou ser uma cultura "desconhecida" e "sem nome", sendo que eles fizeram isso há mais de 90 anos. Os acadêmicos que conhecem a região possuem essas informações, assim como da grande quantidade de trabalho subsequente, razão pela qual eles não ficaram especialmente impressionados com o que Elkins queria fazer. Sabe-se há muito tempo que existem centenas de locais nesta área, razão pela qual foi designada como uma reserva protegida há mais de 50 anos (provavelmente a razão pela qual os animais 'agiram como se nunca tivessem visto seres humanos'). O sítio T1 provavelmente não é a maior do leste de Honduras, mesmo entre aqueles que já foram documentados.
John W. Hoopes, do Departamento de Antropologia da Universidade do Kansas trocou farpas dom Doug Preston, que por sua vez não foi capaz ou não quis rebater o que foi mencionado |
É verdade que LiDAR é uma ferramenta incrível que está revolucionando a maneira pela qual a pesquisa arqueológica é feita. Também é verdade que o trabalho arqueológico de campo é caro, difícil, demorado e frustrante, muitas vezes produzindo apenas resultados modestos. No entanto, um bom número de excelentes pesquisas têm sido feita sem a necessidade de helicópteros ou escoltas militares por pesquisadores solitários (muitos deles desempenhando seu trabalho com grande esforço, mas ainda assim são estudantes de pós-graduação dedicados, e que possuem orçamentos bem reduzidos), que aprenderam espanhol e línguas indígenas trabalhando apenas com alguns guias locais. Sim, havia indígenas como parte da expedição, mas os identificados no livro eram todos os soldados hondurenhos, que forneciam segurança à equipe de campo. Há muitas outras vozes indígenas com opiniões sobre este projeto e como ele foi apresentado, e que merecem ser ouvidas. Entre elas estão inclusas as declarações em uma carta aberta de líderes indígenas Miskitu", disse
John W. Hoopes. Curiosamente, Doug Preston não foi capaz ou não quis rebater o que foi mencionado.
Enfim, AssombradOs, pelo visto essa discussão sobre a "Cidade Branca" ou "Cidade do Deus Macaco" ainda deve continuar por um longo tempo. Sinceramente, não ficaria espantado que se algum dia alguém viesse com a ideia de realizar uma série de TV chamada "A Maldição do Deus Macaco" ou algo assim, visto que fazem exatamente isso em relação a "Maldição de Oak Island", que entra ano e sai ano, e nenhum "tesouro"é realmente descoberto, não importando o quanto uma ilha possa se destruída e quanto dinheiro seja investido. Muito provavelmente eu assistiria uma eventual série chamada "Maldição do Deus Macaco", assim como faço em relação a Oak Island, porém não esperaria que grandes descobertas fossem realizadas, veria apenas por diversão. Evidentemente, existem inúmeros mistérios em relação a civilizações antigas ao redor do mundo, mas muito provavelmente a "Cidade do Deus Macaco" não é uma delas. Isso fica nítido ao vermos a capa do livro de Douglas Preston, onde ele coloca em letras minúsculas a frase "A True Story", talvez porque nem ele mesmo acredite no que conta, mas o que isso importa quando aparentemente é mera ficção moderna? Só nos resta, é claro, aguardar sobre o futuro de toda essa história.
Até a próxima, AssombradOs!
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://news.nationalgeographic.com/2015/03/150302-honduras-lost-city-monkey-god-maya-ancient-archaeology/
http://www.assombrado.com.br/2016/02/a-polemica-cidade-do-deus-macaco-desde.html
http://www.cbsnews.com/news/curse-of-the-lost-city-of-the-monkey-god/
http://www.dailymail.co.uk/news/article-4104286/Is-curse-Monkey-God-Author-archaeologist-lost-city-deep-rainforest-mystery-life-threatening-illness-FACES-fall-off.html
http://www.laprensa.hn/honduras/816926-410/ciudad-blanca-es-un-mito-para-arque%C3%B3logos-hondure%C3%B1os
https://realhonduranarchaeology.wordpress.com/letter-from-international-scholars-archaeological-finds-in-honduras-2/
https://realhonduranarchaeology.wordpress.com/who-signed-the-letter-from-international-scholars/
https://www.reddit.com/r/IAmA/comments/5m7r68/i_am_journalist_and_author_doug_preston_ask_me/
https://www.theguardian.com/world/2015/mar/11/honduras-lost-cities-open-letter-national-geographic-report
https://www.youtube.com/watch?v=GMSR0Gk6__0