Por Marco Faustino
Recentemente, fiz uma postagem sobre uma mulher chamada "Ikram Benhaddi", que estava sendo julgada em Zaragoza, na Espanha, pelo suposto assassinato de duas filhas, e pela tentativa de homicídio contra uma terceira filha. Sem dúvida alguma era um caso extremamente complexo, e visivelmente ao ler o que preparamos para vocês, ficava evidente que faltavam diversas lacunas que nunca foram preenchidas. Tivemos uma repercussão muito centrada e sóbria em nossa página no Facebook, porém alguns usuários no Youtube se mostraram um pouco mais exaltados diante da triste situação. Houve uma tentativa de responsabilizar uma determinada religião, nesse caso o Islamismo, como se a morte das duas menininhas, cada uma com menos de 3 meses de vida, fosse integralmente culpa da fé e das crenças de Ikram Benhaddi. Porém, ela sempre alegou que não acreditava em nada sobrenatural. Na última sexta-feira saiu a sentença de Ikram B., sendo que a mesma foi condenada a 18 anos de reclusão somente pela morte de sua terceira filha, Marwa. Confesso que entre a noite daquela sexta-feira (24) e manhã de sábado (25) fiquei refletindo internamente sobre o caso. Será que a sentença foi justa? Será que ela merecia ser absolvida ou condenada por mais tempo? Enfim, coincidentemente, na tarde de sábado me deparei com um outro caso envolvendo um infanticídio, cujo julgamento tinha ocorrido na França, igualmente revoltante, mas até então não pensava em escrever. O problema é que eu não parava de pensar sobre ele.
Durante a manhã do último domingo (26), estava passando o jogo "França x Irlanda" em duas emissoras de TV aberta. Talvez você também tenha acompanhado a partida, que terminou como uma espetacular vitória francesa. Aliás, a França está sediando a Eurocopa (Campeonato Europeu de Futebol) de 2016, sendo que os jogos estão sendo realizados desde o dia 10 de junho em nove cidades-sede. Vi toda aquela comemoração na arquibancada, a cobertura intensa da mídia sobre o evento, e percebi que não podia deixar esse caso passar em branco. Esse caso que passou praticamente desapercebido pela mídia internacional durante a semana passada, estava relacionado ao julgamento de uma mulher chamada Fabienne Kabou, 39 anos, que estava sendo acusada pela morte de sua filha, a pequena Adelaide, em novembro de 2013, quando Fabienne tinha 36 anos, e sua filha apenas 1 ano e 3 meses de vida (15 meses). Na época, esse caso comoveu a França, que não conseguia entender as razões pelas quais a mãe, Fabienne Kabou tinha deixado sua filha para morrer nas areias de uma praia da estância turística de Berck-sur-Mer, no departamento de Pas-de-
Nessa postagem vocês irão conhecer todos os detalhes envolvendo a enigmática Fabienne Kabou, toda a sequência de eventos que acabou resultando na trágica morte da pequena Adelaide, e também conhecer os novos detalhes que surgiram durante seu julgamento durante a semana passada. Isso porque a mãe alegou que estava sob influência de "bruxaria", sendo motivada por forças desconhecidas, que disseram para ela ir até o mar, e simplesmente se livrar de sua filha. Quando Fabienne Kabou foi presa pela polícia, poucos dias depois, disse que não queria matar a sua própria filha, que havia pedido diversas vezes desculpas para ela ao abandoná-la, e que havia gastado milhares de euros com feiticeiros e videntes, na esperança de não ser mais atormentada por tais forças ocultas antes do fatídico acontecimento. A promotoria pedia "prisão perpétua", mas a defesa lutava para que Fabianne fosse até mesmo absolvida, alegando depressão pós-parto, e questionando até mesmo a sua sanidade mental. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Entenda o Caso que Resultou na Trágica Morte de Adelaide e da Prisão de Fabienne Kabou
Por volta das 8h da manhã do dia 20 de novembro de 2013, um pescador de camarão chamado Alain, 57 anos, encontrou uma jaqueta preta, com o capuz virado para baixo, nas areias da praia da estância turística de Berck-sur-Mer, no departamento de Pas-de-Calais, na região norte da França. Para seu espanto, dentro do casaco havia o corpo de uma menininha com o rosto virado contra a areia, e com um sangramento visível do nariz até o canto dos olhos. A criança não estava respirando, e desesperado ele tentou reanimar seu corpo, mas era tarde demais. Em seguida, ele avisou os serviços de emergência e as autoridades locais sobre a criança que havia encontrado na praia. A partir daí começava uma verdadeira caçada para saber quem eram seus pais, e consequentemente saber quem teria responsabilidade sobre sua morte. Não se sabia nada sobre ela. Não se sabia seu nome, sua idade, quem eram seus pais, sua nacionalidade, absolutamente nada.
Imagem do Google Maps mostrando a distância de Berck-sur-Mer, no departamento de Pas-de-Calais, na região norte da França, em relação a pequena comunidade de Saint-Mandé, a cerca de 5km de Paris |
Fabienne Kabou foi conduzida no dia seguinte para prestar depoimento em Boulogne-sur-Mer onde o inquérito havia sido instaurado. Durante cerca de quatro horas ela deu detalhes sobre todos seus passos que acabaram resultando na morte da menininha, que agora tinha um nome e uma idade, chamava-se Adelaide e tinha 1 ano e 3 meses de idade. Os investigadores, no entanto, se surpreenderam com o que se depararam. Na frente deles estava uma mulher confessando que havia abandonado a pequena Adelaide na beira do mar, e nem era a própria sorte, porque a mãe tinha consultado o horário das marés naquela noite, e sabia o que aconteceria com sua filha ao ser deixada próxima a água. Como resultado, a menina foi deixada dormindo tranquilamente, e aquecida em sua jaqueta preta, que se tornaria rapidamente sua mortalha ao experimentar a gélida água do Canal da Mancha (considerado um "braço" do Oceano Atlântico). Adelaide morreu sozinha, abandonada pela mãe, vítima de asfixia por edema pulmonar, ou seja, afogamento.
Para vocês terem uma ideia da dimensão de tudo isso, ao chegar em Berck-sur-Mer, ela conversou com algumas pessoas na orla da praia para pedir opiniões de onde ela poderia se hospedar. O local escolhido foi o "Hôtel Le Littoral", onde ela passou apenas uma única noite, visto que ela retornou para Saint-Mandé no dia seguinte (20 de novembro). Ela tinha dado uma saída do hotel por volta das 21h, do dia anterior, com Adelaide em seu carrinho de bebê. O gerente do hotel estava assistindo TV, porém a viu passar com a criança. Ao retornar explicou que havia deixado a menina para passar um tempo com o pai.
O local escolhido foi o "Hôtel Le Littoral", onde ela passou apenas uma única noite, visto que ela retornou para Saint-Mandé no dia seguinte (20 de novembro) |
A notícia mencionou que ela estava desempregada e sem recursos financeiros, mas que fazia pós-graduação em Filosofia na Université Paris VIII ("Universidade de Paris VIII", em português), uma universidade pública em Saint-Denis, não muito longe de onde morava com seu "companheiro", de 63 anos de idade, para o qual ela disse que havia deixado a filha para passar um tempo no Senegal, com sua mãe. Inicialmente, o Promotor Público de Boulogne-sur-Mer disse que mulher tinha agido de forma premeditada, devido as dificuldades que ela vinha enfrentando no cuidado diário de sua filha, e que seu companheiro não sabia das suas intenções criminosas em relação a pequena Adelaide.
A "Marcha Branca" Foi Realizada em Memória a Pequena Adelaide
No dia posterior a prisão de Fabienne, sábado (30), cerca de 400 pessoas fizeram uma passeata na orla da praia de Berck-sur-Mer, a chamada "Marcha Branca", em homenagem a menininha que havia sido encontrada já sem vida nas areias da praia. Foram deixadas centenas de rosas brancas, bichinhos de pelúcia e camisetas com frases que demonstravam os sentimentos dos franceses, que desejavam que aquele pequeno anjinho descansasse em paz.
"Não nos esqueceremos de você, princesa", dizia a frase estampada em uma das camisetas |
Foram deixadas centenas de rosas brancas, bichinhos de pelúcia e camisetas com frases que demonstravam os sentimentos dos franceses, que desejavam que aquele pequeno anjinho descansasse em paz |
"Descanse em paz anjinho...", dizia uma das frases coladas no invólucro de uma rosa branca depositada nas areias da praia de Berck-sur-Mer |
Idosos e crianças também participaram da Marcha Branca em memória da pequena Adelaide |
Diversos moradores passavam constantemente pelo ponto final da marcha para rezar e prestar suas últimas homenagens |
Naquela ocasião, cerca entre 350 e 500 mil pessoas participaram da marcha em Bruxelas, na Bélgica, que conforme dissemos acimas, estão sendo motivos pela descoberta de uma rede de sequestro, abuso sexual e morte de crianças. O objetivo da manifestação era prestar solidariedade aos parentes das vítimas e protestar contra as autoridades judiciais e políticas do país, acusadas de não ter agido corretamente no caso. A "Marcha Branca", como foi chamada, reuniu uma das maiores multidões da história do país, que tem 10 milhões de habitantes. Assista a uma reportagem sobre a "Marche Blanche" de Bruxelas, que ocorreu no dia 20 de outubro de 1996, no canal do Youtube da BX1 (antigamente chamada de "Télé Bruxelles", um canal de TV local):
A mídia belga afirmou na época, que existiu envolvimento de autoridades policiais, judiciais e políticas na rede de abuso infantil. Reconhecendo que a manifestação de ontem era um "sinal" dos belgas, o então premiê Jean-Luc Dehaene anunciou a criação de um Centro para Crianças Desaparecidas para toda a Europa, similar ao que existe nos Estados Unidos. Durante o encontro, o primeiro-ministro belga também prometeu levar a investigação "até o final" e uma modernização da Justiça "para torná-la mais humana".
O Pai de "Adelaide", Michel Lafon, Disse que Não Sabia das Intenções Criminosas da Companheira
No dia seguinte, domingo (1), o jornal francês "Le Parisien" seria um dos primeiros a conversar com Michel Lafon, o companheiro de 63 anos citado anteriormente pelo "France 3 Nord Pas-de-Calais", proprietário do ateliê onde morava com Fabienne Kabou. Na época, ainda era questionada sua paternidade, e até mesmo um exame de DNA já tinha sido solicitado para confirmá-la (posteriormente o resultado deu positivo, ou seja, ele era realmente o pai biológico de Adelaide).
Michel Lafon, o então companheiro de Fabienne Kabou e pai da pequena Adelaide |
Michel dizia estar desolado, demonstrando uma total incompreensão diante de toda aquela situação. Ele dizia que não sabia mais em quem acreditar, e se mostrava arrependido de não ter desconfiado das intenções de Fabienne, que por sua vez, em seu depoimento, dizia que vinha sofrendo de uma profunda solidão ao cuidar de sua filha. Michel se defendeu ao afirmar categoricamente, que nunca havia ignorado Fabienne ou a criança, e que sempre a levava para passear no parque. Ressaltou ainda que ela era uma mãe maravilhosa, e que adorava amamentar Adelaide.
Ele disse que havia notado a ausência da menina na semana anterior, e ao questionar Fabienne, a mesma teria dito que tinha levado Adelaide para passar um tempo com sua mãe, no Senegal. Michel disse que acreditou nela, sequer desconfiou, mas se mostrava muito arrependido de não ter percebido algo de errado antes que a tragédia acontecesse. Segundo uma notícia publicada no site de notícias Metronews, só havia um pequeno problema na versão apresentada por Michel: um dos seus melhores e mais antigos amigos, cujo nome não foi relevado, nunca soube da existência de Adelaide.
A única foto do rosto de Fabienne Kabou, que foi divulgada pela imprensa naquela época |
Foi justamente naquele domingo que aconteceu uma coletiva de imprensa convocada por Fabienne Roy-Nansion, que além ter o primeiro nome exatamente igual a da acusada, tinha sido nomeada como sua advogada de defesa. Aliás, Fabienne Roy-Nansion se manteve ao lado de sua cliente desde aquela época. Segundo ela, sua cliente não estava à procura de desculpas, ela não estava fugindo de sua responsabilidade e compreendia a atrocidade do que havia feito. Não era algo defensável, porém era uma "lógica que não conseguíamos perceber, algo paralelo a nossa própria realidade", e que ela era uma "pessoa muito peculiar".
o site do jornal francês "Le Figaro", e segundo Fabienne Roy-Nansion, sua cliente enfrentava problemas em seu relacionamento com Michel, e não tinha qualquer relacionamento com familiares. E foi através desse site que ficamos sabemos que Etienne Kabou, pai de Fabienne Kabou, estava morando na França há 10 anos, mas não se falavam durante todo esse tempo, por uma espécie de desentendimento do passado. A mãe ainda estaria morando no Senegal, cujo contato não seria tão simples assim. Apesar de ser descrita como sociável, ela não tinha e não conhecia ninguém. Chegou ao ponto que nem mesmo os vizinhos a reconheceram na TV durante o apelo da polícia em encontrar testemunhas, que pudessem dar mais pistas sobre o paradeiro da mulher, que empurrava o carrinho da Adelaide.
Fabienne Kabou foi conduzida para a Maison d'arrêt de Lille-Sequedin ("Centro de Detenção Provisória de Lille-Sequedin", em português, de onde não iria sair tão cedo. |
Oficialmente, a "Pequena Adelaide" Nunca Existiu
Nos dias 2 e 3 de dezembro, as pessoas que já estavam impactadas pelo caso, receberam mais um duro golpe. Na segunda-feira (2), o site do "Le Parisien" entrevistou com exclusividade uma filha de Michel Lafon de um relacionamento anterior, que tinha 30 anos de idade, cujo nome não foi revelado.
"Meu pai não tinha reconhecido ou adotado essa menina. Talvez tenha sido seu progenitor, mas não mais do que isso. Essa criança não tinha pai", disse a filha de Michel Lafon. No entanto, o mesmo não se aplicava a relação entre seu pai e Fabienne Kabou, visto que ela confirmou que os dois viviam como casal já algum tempo.
No dia 3 de dezembro, uma terça-feira, e cinco dias após a prisão de Fabienne Kabou, os franceses descobriram que, oficialmente, Fabienne nunca existiu. Os investigadores fizeram uma varredura em busca de quaisquer eventuais registros que a criança pudesse ter nos órgãos públicos. Não havia absolutamente nada. Adelaide não tinha certidão de nascimento, nunca fez nenhum exame de saúde, nunca foi a um médico, nunca foi vacinada, e a única prova de sua existência era seu corpo sendo mantindo refrigerado em uma temperatura inferior a que foi encontrada, em um necrotério de Boulogne-sur-Mer.
Os Principais Pontos da Entrevista Realizada com uma Psicóloga Chamada Odile Verschoot
No dia 6 de dezembro daquele ano, uma sexta-feira, o site de notícias La Voix du Nord, publicou uma pequena entrevista com Odile Verschoot, psicóloga clínica e psicoterapeuta do Hospital da Universidade de Nantes, e que já estava trabalhando na Maison d'arrêt de Lille-Sequedin há cerca de 18 anos, na tentativa de esclarecer o que poderia ter acontecido com Fabienne Kabou.
Foi perguntado a Odile Verschoot se havia um elemento decisivo, uma espécie de gatilho, que tivesse feito com que Fabienne Kabou tomasse a fatídica decisão irreparável de matar sua própria filha. A psicóloga respondeu que a mãe poderia estar sofrendo de um impasse emocional, pensando que não havia outra solução. Porém, se ela estava nesse impasse, como o nascimento da filha poderia ter sido algo bom para ela? Odile estão respondeu que uma mãe ao se deparar com uma profunda solidão, existia a ideia recorrente de nunca estar sozinha com a chegada de uma criança, mas a realidade mostra que isso não é verdade, e que não se pode ter um filho, com o objetivo de preencher um vazio emocional.
Odile Verschoot, psicóloga clínica e psicoterapeuta do Hospital da Universidade de Nantes, e que já estava trabalhando na Maison d'arrêt de Lille-Sequedin há cerca de 18 anos |
Odile Verschoot finalizou dizendo que os autores de infanticídios são péssimos criminosos, visto que eles deixam vestígios de seus atos. Eles não estariam cientes que cometeram um crime. Haveria uma falta de consciência das consequências jurídicas, e um foco apenas sobre o sofrimento de momento. De qualquer forma, isso não parecia se aplicar a Fabienne Kabou.
O Triste Enterro de Adelaide na Quadra dos Indigentes do Cemitério Capécure, em Boulogne-sur-Mer
Naquela mesma sexta-feira, quinze dias após a descoberta de seu corpo na praia de Berck, Adelaide, com quinze meses de idade, foi enterrada anonimamente, por volta das 16h, na quadra dos indigentes, no "Cimetière de l'Ouest" (também conhecido como "Cemitério Capécure"), em Boulogne-sur-Mer. De acordo com o promotor público da cidade, essa decisão havia sido tomada na manhã daquele dia por sua "família", que dizer, por parte dos avós maternos, em uma cerimônia de quinze minutos, bem discreta e para evitar uma maior pressão por parte da mídia. "Com o atestado de óbito, ela poderia ser enterrada adequadamente, mas ela ainda não tinha uma data de nascimento", disse na época, Nathalie Bany, promotora-adjunta de Boulogne.
Portão de entrada do "Cimetière de l'Ouest" (também conhecido como "Cemitério Capécure"), em Boulogne-sur-Mer |
em entrevista para um site de notícias, o "La Voix du Nord", comentou o quão triste havia sido aquele enterro.
"Foi tudo muito rápido. Tinham pouquíssimas pessoas. Estava muito frio, e rapidamente a escuridão da noite chegou. Durou cerca de 15 minutos, talvez nem isso. O ambiente era muito sereno e muito tranquilo, carregado de muita emoção. Acho que em toda a minha vida, nunca ministrei um enterro tão triste", disse o padre Frédéric Duminy, apontando que somente os avós maternos participaram da cerimônia, que não contou com a presença de Michel Lafon, o então pai da criança.
Um investigador de polícia disse ao jornal, que Fabienne Kabou tinha uma espécie de "postura filosófica de oposição às instituições. Ela queria sair do sistema (...). Além disso, ela não tinha documentos ou conta bancária", e que dois psiquiatras seriam nomeados pelo juiz de instrução para avaliar as faculdades mentais da acusada. Na época, os jornais questionavam se Fabienne Kabou era uma "desequilibrada" ou apenas uma pessoa "anti-sistema".
Era muito triste saber que o corpo daquela menininha, que todos estavam acompanhando pela TV, estava enterrada naquele lugar, e cuja cerimônia tinha contado com a presença dos avós maternos, que sequer sabiam da existência daquela menina. Sim, isso mesmo que você leu. Etienne Kabou, pai da acusada, e sua mãe, que tinha saído do Senegal para comparecer ao enterro da neta, disseram que não sabiam da existência da Adelaide. Pior situação enfrentava a mãe de Fabienne Kabou, pois além de ter que enterrar uma neta que nunca pegou nos braços, soube da noite para dia, que sua filha era uma assassina confessa.
Ao ficarem sabendo do enterro da pequena Adelaide muitas pessoas foram até o local para levar flores ao seu túmulo, de modo que a identificasse de alguma forma. |
"Na minha qualidade de prefeita, eu gostaria de oferecer um enterro digno a essa criança, vítima de uma das piores tragédias que podem existir. Já solicitei ao Promotor para que tome as medidas necessárias nesse sentido. Em solidariedade, a cidade de Boulogne-sur-Mer irá custear as despesas da lápide e dos arranjos florais do túmulo da criança", disse Mireille Hingrez-Cereda. A comunidade de Saint-Mandé também demonstrou interesse em oferecer um enterro digno para a criança.
A ação de Mireille Hingrez-Cereda realmente prevaleceu e se concretizou, sendo que centenas de pessoas visitaram posteriormente seu túmulo, que passou a contar com uma lápide, e uma manutenção por parte da prefeitura da cidade.
Em uma espécie de pequena placa em forma de lápide deixada em seu túmulo era possível ler a seguinte frase: "Adelaide, Princesse de la plage" ("Adelaide, A Princesa da Praia", em português") |
"A atitude de Michel, no entanto, continua sendo algo questionável no contexto do presente processo. Esse artista aposentado, residente em Saint-Mandé, de fato tinha escolhido esconder de seus parentes a existência de Adelaide, que, no entanto, estava morando com ele e com Fabienne Kabou. Nem sua filha de um relacionamento anterior, nem seus amigos estavam cientes dessa criança, que nunca foi declarada em registro civil. E quando Fabienne Kabou voltou à noite, sem Adelaide, Michel não aparentou se preocupar. E não fez nenhuma pergunta quando sua companheira lhe disse que a criança tinha ido embora por alguns dias para o Senegal, para ficar com a família de sua mãe. Perturbadoramente, até mesmo Michel tinha decidido doar todas as coisas do bebê para a Emmaüs", escreveu Lisa Galante em seu texto.
Após Cerca de 10 meses, as Autoridades Francesas Ainda Buscavam Por Respostas
Apesar das investigações correrem em segredo de justiça, cerca de 10 meses depois, novas informações começariam a ser divulgadas pela mídia francesa. Em 18 de setembro de 2014, o site do jornal francês "Le Parisien" publicou declarações de Fabienne Roy-Nansion, advogada de Fabienne Kabou, dizendo que o gesto da mãe em relação ao infanticídio era algo terrível, que ela tinha tocado em algo sagrado, mas que certamente não se resumia apenas a isso. A advogada dizia que sua cliente não era um monstro, e que era uma mulher cuja trajetória, inteligência, e capacidade de raciocínio eram surpreendentes. Nos corredores do tribunal, assim como na prisão, havia um certo fascínio em torno de sua personalidade singular. Indiciada por homicídio, ela nunca perdeu o controle de si mesma, e após longas sessões de análise para tentar entender o seu gesto, "ela agora diz que foi atraída por uma força irresistível". Foi através desse mesmo jornal que descobrimos aos poucos um pouco mais de sua história.
Provavelmente você deve estar pensando que ela era simplesmente negra, pobre, ignorante, de origem africana, mais precisamente do Senegal, uma ex-colônia francesa predominantemente islâmica. Bem, já sabemos o que a maioria irá pensar sobre isso, não é mesmo? Muitos até mesmo conseguem imaginá-la cometendo essa atrocidade.
Fabienne Kabou apesar da nacionalidade francesa, tinha uma origem africana. Ela tinha nascido na década de 70 no Senegal, uma ex-colônia francesa e predominantemente islâmica |
Aliás, Fabienne Kabou estava prestes a apresentar uma tese sobre a "Teoria do Real" que é a teoria de inspiração Lacaniana, que o Alvissarismo apresenta no livro "Lógica Alvissarista", e que consiste na ideia de que o Real é um termo que designa um conceito enigmático, não podendo ser equiparado a realidade, uma vez que o Alvissarismo entende que a realidade é estruturada simbolicamente. O Real não é a realidade, pelo contrário, o Real é o núcleo indecifrável da realidade, isto é, algo que nos referencia a um trauma ou fixação marcada pelo limite e a incompletude da simbolização (ou seja, algo que não pode ser expresso em palavras). O Real é o negativo, não tendo existência epistemológica positiva, existindo, portando, somente como algo puramente abstrato, consistindo não como algo externo à realidade, mas como o próprio núcleo da realidade cuja qual a capacidade humana de simbolização, marcada pelo limite e pela incompletude, não consegue alcançar através da ciência, sendo exatamente o que se manifesta dentro da ordem simbólica através da Filosofia, da Arte e da Religião.
Fabienne Kabou estava prestes a apresentar uma tese de doutorado sobre a "Teoria do Real" na Université Paris VIII ("Universidade de Paris VIII", em português) |
O Primeiro Laudo Sobre as Condições Psicológicas de Fabienne Kabou, e a Possibilidade de Estar Sob Influência de "Bruxaria"
No mesmo dia, o site do Metronews divulgou trechos de uma audiência preliminar de Fabienne Kabou, que contou com declarações um tanto quanto difícies até mesmo de traduzir, não pelo idioma, mas pela surrealidade como foram proferidas. O site basicamente transcreveu o que foi publicado na edição de quinta-feira, 18 de setembro daquele ano, no jornal "Le Parisien".
"Em certo momento, eu parei. Adelaide fez um pequeno movimento como se tivesse acabado de acordar. Ela queria pegar no meu peito, então eu a amamentei. Eu permaneci imóvel, mantendo-a junto ao meu corpo, e em seguida, eu não entendo, eu digo não, não, não, eu continuo repetindo não, e não sei o porquê. Eu choro, como se dissesse a alguém que não podia fazer algo assim, mas eu faço", disse Fabienne Kabou para a magistrada durante a audiência preliminar. Na sequência, a jovem mãe explicou que estava sozinha na praia, iluminada pela lua.
"É como se houvesse um holofote sobre mim (...) Quando eu percebo a escória do que estava fazendo com a Adelaide. A água se aproximava... 5 metros... 2 metros... Não sei dizer o quão rápido o mar estava subindo, mas estava chegando perto. Conversei com ela, pedi perdão para ela. Acho que ela estava bem. Ela não aparentava estar em perigo, mas não estava certa disso. Eu estava de joelhos. Dei-lhe um abraço demorado. Ela não estava totalmente adormecida, mas tinha acalmado (...). Não sei quanto tempo fiquei lá (...) e então eu me virei e corri", completou Fabienne Kabou. A pequena Adelaide então se afogou, mas sua mãe não iria mais voltar. Ela mesma se questionou na audiência: "O que eu fiz?", se perguntou. Logo, respondeu a si própria: "Eu não sei".
"Todos os criminosos tendem a encontrar explicações externas para si mesmos. Ela tem uma inteligência que lhe permite apresentar os acontecimentos de forma romântica", disse o advogado. Na tentativa de compreender melhor o terrível ato cometido por Fabienne Kabou, um segundo laudo psiquiátrico foi solicitado naquela ocasião.
Em entrevista para a rede de rádio Europa 1, no dia anterior, em 17 de novembro de 2014, quase 1 ano após a morte da pequena Adelaide, Michel teria começado a demonstrar seu sofrimento como pai, em contraste com a relativa indiferença do início das investigações. Segundo ele, Fabienne deu à luz a pequena Adelaide enquanto estava viajando, e rapidamente ele entendeu que a menina era sua filha com ela. Quando perguntado se a menina tinha sido registrada em seu nome, ele garantiu que tinha sido, ao menos era isso que Fabienne tinha dito para ele. Contudo, Adelaide nunca foi registrada nem mesmo pela mãe. De acordo com Michel, a menina nunca ficou escondida, visto que as pessoas o viam com ela, e ele disse que sempre tomava conta dela como um pai normal faria em relação a uma filha. Ele demonstrava estar "devastado" com tudo o que havia acontecido.
"Ela era uma menina maravilhosa. Eu a adorava. Lembro de uma noite em que estávamos os três juntos, e em um momento de ternura eu disse para a Fabienne: 'Se isso não for o paraíso, então eu não sei o que pode ser', declarou Michel Lafon.
Michel Lafon dizia acreditar em uma espécie de "rito cultural", a lenda de "Mami Wata" |
No dia seguinte (18), o site de notícias Metronews destacou diversos pontos dessa entrevista exclusiva da rádio Europa 1, ressaltando a versão de Fabienne Kabou apontando para uma força desconhecida que havia a induzido a cometer esse crime irreparável. Por incrível que pareça, o pai de Adelaide, Michel Lafon dizia acreditar em uma espécie de "rito cultural", a lenda de "Mami Wata". Vale ressaltar nesse ponto, que Mami Wata é uma espécie de "panteão de espíritos ou divindades da água", que são adorados na África, bem como em parte da América do Norte, Caribe e América do Sul.
O Julgamento de Fabienne Kabou, que Aconteceu Entre os Dias 20 e 24 de junho de 2016
O caso sobre a trágica morte da pequena Adelaide não foi tão divulgado em 2015, mas voltou com força diante do julgamento de Fabienne Kabou no Tribunal Criminal de Pas-de-
No dia 20 de junho, foi noticiado uma espécie de resumo sobre tudo o que havia sido investigado até então. Acrescentou-se que diversas versões foram apresentadas por Fabienne Kabou em seu interrogatório inicial, sendo que uma delas dizia que ela tinha agido "mecanicamente". Foi apontado também que ela se dizia estar horrorizada com o que estava fazendo naquele dia, e assim que colocou os pés para fora do ateliê onde morava, sabia que algo de muito ruim aconteceria. Ela disse que entrou no trem em direção a Berck-sur-Mer, junto com sua filha, rumo a algo extremamente trágico e imundo. Durante a viagem ela disse que se viu confrontada por diversas vezes com a violência que estava prestes a fazer, que estava em conflito, e em certos momentos se sentia como se estivesse "anestesiada".
Ainda foi mencionado que ela estava ao lado de Michel Lafon desde 2001, e que havia sofrido dois abortos, em 2006 e 2009. Porém, ela engravidou novamente em 2011, dando à luz a pequena Adelaide, sozinha, no banheiro do ateliê onde morava, em agosto de 2012. Ela cuidava de sua filha, interagia com ela, e costumava acariciar seu frágil corpo. De qualquer forma, em novembro de 2013, Fabienne Kabou parecia que não fazia mais parte da sociedade. Não tinha mais nenhum vínculo com a seguridade social, nem mesmo com a universidade, que ela havia se formado em Filosofia. Ela estava desempregada, e sequer tinha conta bancária.
Para explicar o seu crime, primeiramente ela disse que a menina não era compatível com seu relacionamento, dizendo que Michel Lafon não queria a criança. Depois, ela evocou razões místicas. Ela disse que a morte de sua filha aconteceu devido a uma espécie de perseguição, ressaltando que seria um ato de "bruxaria". Ela declarou sofrer de alucinações visuais e auditivas desde 2010 ou 2011, listando "paredes que estremeciam", "uma música que começava a tocar do nada", e "maldições que eram rogadas contra sua família". Assista a uma reportagem realizada pelo canal de notícias "iTele", em sua respectiva conta no Youtube (em francês):
"Sua estrutura psíquica foi amplamente influenciada pelas referências culturais e uma história pessoal relacionada com a bruxaria senegalesa, e uma operação mágico-religiosa que mudou radicalmente a sua relação com o mundo", disse uma avaliação psiquiátrica, evocando a hipótese de uma forte deterioração das suas faculdades mentais. De qualquer forma, Fabienne Kabou seria julgada pelos próximos cinco dias e poderia ser condenada a "prisão perpétua".
É muito importante ressaltar nesse ponto, que apesar do termo "prisão perpétua", a pena máxima para um crime considerado punível dessa forma é de no máximo 30 anos na França, sendo que não existe a possibilidade de liberdade condicional por boa conduta, e nem mesmo por anistia presidencial.
Um Pouco Mais Sobre a Infância e o Passado de Fabienne Kabou
No dia 21 de junho, terça-feira passada, o enviado do site de notícias da Metronews, descreveu praticamente tudo o que aconteceu durante aquele dia de julgamento. Um pouco mais sobre a infância e o passado de Fabienne Kabou foram revelados.
Seu pai, Etienne Kabou, deixou sua mãe quando ela tinha apenas três anos, e rapidamente construiu uma vida com uma outra mulher. Seu pai acabou tendo três filhas adotivas, mas Fabienne além de ser a única filha biológica, nunca foi apresentada as demais "irmãs". Fabienne Kabou cresceu em uma família dividida, passava a semana com a mãe, e muitas vezes passava o fim de semana com o pai. Ela disse que sempre existiu uma pressão muito grande sobre ela por parte de seu pai, que a tratava como se fosse "filha única".
Em 1995, Fabienne Kabou, então com 18 anos, decide viajar para Paris, para "estudar". Em depoimento, sua mãe não foi capaz de explicar a mudança de comportamento que aconteceu quando sua filha deixou o Senegal. O exemplo de criança "estudiosa", "sorridente", e "alegre" tomou outro caminho. Ela deu início aos seus estudos que foram inicialmente custeados pelo seu pai, sendo que em 1997, ela vislumbrou cursar "Filosofia", mas desistiu. Para se sustentar, ela começou a trabalhar. Foi empregada doméstica, garçonete, entre outros empregos de menor expressão, considerados como "bicos", e se mudava constantemente.
Etienne Kabou, pai de Fabienne Kabou, durante o julgamento de sua filha na semana passada |
Fabienne Kabou disse que os dois anos que antecederam a morte de Adelaide (2010-2012) foram os piores anos de sua vida, visto que ela vinha sofrendo de diversas alucinações sonoras e visuais. Aliás, ela afirmou que gastou cerca de € 40.000 (cerca de R$ 150.000 pela cotação atual) ao longo do tempo com feiticeiros e videntes para tentar resolver a situação pela qual estava passando, mas nada adiantou. Esse dinheiro ela pegava emprestado de Michel Lafon, sob o pretexto que era para pagar um empréstimo relacionado a uma casa para sua mãe, mas o destino era para pagar pessoas que supostamente tentariam ajudá-la "espiritualmente".
A Vida na "Maison d'arrêt de Lille-Sequedin"
Ela disse que ficou bem surpresa com o tratamento que havia recebido na prisão. Nos primeiros três meses ela disse que não saía de sua cela, e que somente após cinco ou seis meses que ela começou a se socializar. Segundo Fabienne, houve uma certa tensão inicial, o que era totalmente justificável. Quando questionada sobre o único incidente que aconteceu na prisão, Fabienne Kabou reagiu com calma: "Quando você está na frente de você uma pessoa que matou seu bebê, é claro que você não pode esperar que se tenha simpatia Não posso culpá-la, porque eu compartilhava da mesma opinião."
A Descoberta da Gravidez por Parte de Fabienne Kabou
Fabienne Kabou diz ter engravidado no final de outubro de 2011. Ela disse que sua menstruação havia atrasado, e resolveu comprar um teste de farmácia. Ela disse que rezou para que o resultado desse negativo, porque não conseguia acreditar que estava grávida. Durante a audiência ela se lembrou dos abortos que havia sofrido (um em 2006, e outro em 2009), que tinham sido "muito estressantes" para ela. "Era impensável que eu cometesse esse crime novamente", disse Fabienne, sem perceber claramente o peso de suas palavras.
Michel Lafon (à direita) ao lado de seu advogado de defesa, Christian Saint-Palais (à esquerda) |
Na noite de 9 de agosto de 2012, ela deu à luz a pequena Adelaide, no banheiro do ateliê de Michel Lafon. Ela conta que sentiu as primeiras dores por volta da meia-noite. Disse que sentiu febre, mas foi um momento maravilhoso, ela estava fascinada pelo que havia saído de dentro dela por volta das 4h40 da manhã. A pequena Adelaide não chorava, se mantinha em tamanha serenidade que a impressionava. Ela disse que não ligou para Michel Lafon presenciar o nascimento de sua filha, pois acreditava que isso seria inútil. Aliás, ela queria a pequena Adelaide somente para ela, admitindo que era muito egoísta. Segundo ela, as primeiras palavras de Michel ao ver a criança foram de questionamento para saber se realmente a criança era dele, e em seguida Fabienne alega ter sido insultada por diversas vezes.
Além disso, de acordo com Fabienne Kabou, havia um acordo entre ela e Michel Lafon. Após o nascimento da criança, a jovem mãe iria confiar a custódia do bebê para sua mãe, no Senegal, e em seguida ela arrumaria um emprego, para então reaver sua filha, uma vez que ela tivesse um emprego e uma moradia adequada. Algo que era contestado por Michel Lafon, que ao depor disse que Fabienne Kabou mentiu para ele, que sequer sabia do dia exato do nascimento da criança, mas que a aceitava, cuidava dela e a sustentava como qualquer pai faria. Ele disse que jamais a maltratou, e que todas as manhãs ele passeava com Adelaide. Cerca de 10 a 20 babás o viam com a menininha. Porém, não havia nenhuma babá para depor no julgamento. E isso pouco importava, porque Michel Lafon sequer tinha sido indiciado.
Michel Lafon (à esquerda) conversando com o Etienne Kabou (à direita), pai de Fabienne Kabou |
O Fatídico Dia da Morte da Pequena Adelaide
A juíza Claire Le Bonnois questionou Fabienne Kabou sobre o motivo dela ter escolhido o dia 19 de novembro para cometer tal ato contra a vida de sua filha. Ela não soube explicar, simplesmente se sentiu pressionada, como se estivesse sendo empurrada, incentivada por forças desconhecidas. Disse que não teve escolha, e citou duas razões principais. A primeira delas foi uma violenta discussão que teve com Michel Lafon alguns dias antes, e a segunda foi "bruxaria".
Fabienne Kabou disse que acalentava a pequena Adelaide naquela noite, a amamentou, tentando colocá-la para dormir. Antes que a bebê ficasse completamente em silêncio, a mãe fugiu. Ela foi questionada se teria visto a água do mar chegando próximo a sua filha, e ela disse que sim, uma vez que suas botas já estavam afundando na água. Ela disse que chorou, pediu desculpas para Adelaide, e ao voltar para o hotel ela não sabia se tomava um banho ou dormia. Sequer sabia onde tinha deixado seu carrinho de bebê. No dia seguinte ela voltaria para sua casa em Saint-Mandé.
O corpo da pequena Adelaide foi encontrado na manhã de 20 de novembro de 2013 nas areias da praia de Berck-sur-Mer |
"Se eu não quisesse essa criança eu não teria a mantido comigo durante 15 meses, sequer teria dado à luz a ela. Eu teria a deixado em uma igreja ou entregado para o serviço social. Eu tinha mil possibilidades", disse Fabienne Kabou antes de cair em um choro compulsivo.
As Fotos da Pequena Adelaide São Exibidas no Tribunal
O rostinho da pequena Adelaide havia aparecido pela primeira vez nas telas no tribunal na terça-feira (21). No segundo dia do julgamento, as fotos de Adelaide, deitada na areia e usando uma jaqueta escura, já sem vida, foram reproduzidas. Michel Lafon, o pai da criança, abaixou a cabeça. Ele era incapaz de olhar para essas fotos, dizendo que não conseguia olhar para aquelas imagens.
Os sapatos e a roupa que a pequena Adelaide estava usando quando encontraram o seu corpo |
Outras fotos apareceram, Adelaide tinha crescido. Estava no parque. Michel Lafon havia imortalizado tais momentos. Segundo Fabienne Kabou, as imagens datavam por volta de setembro de 2013. Adelaide deveria ter 13 meses. Ela ainda estava viva. Em seguida, surge o vídeo de pouco mais de dois minutos extraído do telefone celular de Fabienne Kabou. Não havia nenhum ruído na sala, apenas o som associado com as imagens. "Ada, Ada, Ada", repetia a mãe sem parar. O bebê de alguns meses, com os olhos bem abertos, reage à voz de sua mãe. Você consegue escutar o som suave de sua voz. O tempo parece uma eternidade, e as imagens, magníficas, são insustentáveis. Todos sabem o destino que Adelaide terá momentos mais tarde.
O que se vê são apenas lágrimas, e o que se escuta é o som de soluços ecoando na sala. Fabienne Kabou olha para sua filha em uma das telas. Michel Lafon, com os olhos ainda fixos na mesa à sua frente apenas escuta. Então, a emoção toma conta do lugar. A juíza, no entanto, não suspende a sessão, e decide continuar a audiência.
O Segundo Laudo Sobre as Condições Psicológicas de Fabienne Kabou
Louis Roure, psiquiatra, e Alain Penin, psicólogo, foram os primeiros especialistas a ter um contato mais próximo de Fabienne Kabou, em fevereiro de 2014, e para eles não havia nenhuma perturbação de sua consciência, nenhum transtorno de ajustamento, e nenhuma atividade delirante ou alucinatória por parte de Fabienne Kabou, mas suas crenças, reais ou inventadas (em relação a bruxaria) tinham claramente influenciado seu comportamento.
Um segundo laudo emitido pelos doutores Daniel Zagury, Roland Coutanceau e Maroussia Wilquin não concordava muito com isso. Para eles, Fabienne Kabou era propensa a desenvolver uma "psicose delirante crônica". Isso se traduz em uma experiência delirante, frequentemente de perseguição, por alucinações intra-psíquicas, vinculadas a sua mente, e por anosognosia (um estado neurológico caracterizado pela incapacidade de uma pessoa estar consciente da sua própria doença). Fabienne Kabou não conseguia reconhecer que estava doente, então buscava explicações no que ela conhecia. Neste caso, ela se baseava em uma de suas avós africanas, que era praticante de "magia negra". Para a Dra. Maroussia Wilquin, Fabienne Kabou matou sua filha para salvá-la de algo pior, como por exemplo, de ser atormentada por espíritos malignos.
Para a Dra. Maroussia Wilquin, Fabienne Kabou matou sua filha para salvá-la de algo pior, como por exemplo, de ser atormentada por espíritos malignos |
A sessão havia sido interrompida na tarde daquela quarta-feira, devido as fortes chuvas que atingiram a região, mas foi reiniciada na manhã de quinta-feira (23), quando muitos alegaram que Fabienne Kabou estava enganando a todos, que ela estava simulando tudo aquilo. Porém, para os psiquiatras, considerar isso seria um grande absurdo. Convencido de que sua filha foi "ameaçada por um perigo maior", por supostas "bruxas que procuravam separar o casal", Fabienne Kabou decidiu "matá-la para protegê-la".
De qualquer forma, a promotoria inicialmente pediu a "prisão perpétua" para Fabienne Kabou (posteriormente foi sugerido cerca de, no mínimo 18 anos, devido a possibilidade de que os laudos psiquiátricos interferissem no veredito), mas a defesa tentava alegar depressão pós-parto seguida de uma completa insanidade por parte de Fabianne Kabou, o que poderia reduzir drasticamente a sua pena.
O Veredito
Na sexta-feira (24), quinto e último dia de julgamento de Fabienne Kabou, o representante do Ministério Público, Luc Frémiot, rejeitou a tese de loucura, assim como de bruxaria, pedindo ao júri para desconsiderar as conclusões dos psicólogos e psiquiatras. Para ele a acusada fazia uso da "máscara da indiferença e de ironia", algo que ele não conseguia "suportar". Ele apontava a "frieza", e o "cinismo" que Fabienne Kabou tinha antes de falar sobre "aquele pequeno corpo encontrado na praia, cujo rosto tinha sido esculpido pelas ondas e pela areia". O promotor apontava que tudo havia sido premeditado, de maneira fria, e cuidadosamente orquestrado. Portanto, o júri deveria usar o bom senso nesse caso.
O representante do Ministério Público, Luc Frémiot, rejeitou a tese de loucura, assim como de bruxaria, pedindo ao júri para desconsiderar as conclusões dos psicólogos e psiquiatras |
Para a advogada de defesa, Fabienne Roy-Nansion, a história de Fabienne Kabou era uma "descida ao inferno" |
De qualquer forma, o júri saiu para deliberar por volta de 12h15, e cerca de três horas depois, mais precisamente as 15h25 saiu o veredito. Fabianne Kabou foi condenada somente a 20 anos de reclusão, e também a passar por um tratamento psiquiátrico durante sua permanência na prisão.
Nem os pais de Fabienne Kabou, nem o seu ex-companheiro Michel Lafon fizeram qualquer comentário após a sentença. Sua advogada Fabienne Roy-Nansion se mostrava um tanto quanto satisfeita com o veredito, um tanto quanto incrédula do júri ter considerado a condição de "alteração do discernimento" de sua cliente, visto que a situação poderia ser muito pior. A acusada não demonstrou nenhuma reação ao que foi proferido pelo juiz, saindo do tribunal da mesma forma que tinha entrado naquela sexta-feira. Assista a uma reportagem feita pela "France 3 Nord Pas de Calais" e publicada em seu canal do Youtube (em francês):
De acordo com o site do jornal "Le Monde", e segundo o artigo 122-1 do Código Penal da França, quando a "alteração do discernimento"é considerada, a pena é reduzida em um terço. No caso de um crime punível com "prisão perpétua", onde a pena máxima é de trinta anos, significava que Fabienne Kabou iria cumprir apenas 20 anos de reclusão. Essa é uma lei muitas vezes utilizada pelos peritos para "beneficiar o acusado": o sujeito, ainda que estando consciente, e não em um "estado de demência" como se dizia antigamente, pode estar, contudo, em um estado em que seu discernimento está alterado ou modificado pela sua patologia, que é necessário colocar em evidência em vez de tomar por responsável todo sujeito consciente de seu ato. O problema é que hoje existem outras formas de psicose que não são psicoses paranóicas, e que não são sujeitas à ação da justiça.
Comentários Finais
O Hino Nacional da França, o "La Marseillaise", foi originalmente concebido para instigar os soldados franceses a lutar em defesa de seu país, e era entoado pelas tropas que marchavam até Paris oriundas da região de Marselha. Nem todos os franceses gostam do seu próprio hino, como era o caso de Valery Giscard d'Estaing, que foi presidente da França entre 1974 e 1981, e achava que a canção era muito agressiva. Alguns outros críticos dizem que existe um trecho na letra - "Qu'un sang impur, abreuve nos sillons" ("Que um sangue impuro, banhe o nosso solo", em português), que seria considerado um ponto neuvrálgico e racista do hino. Contudo, a maioria da população vem bradando seu hino com impetuosidade durante diversos momentos singulares da história da França, porque ele é um símbolo de luta do seu povo, sendo cantado em coro por seus cidadãos. Uma homenagem a resistência, a liberdade, mas principalmente cantada a plenos pulmões para exalar um sentimento de solidariedade e coragem diante de uma ameaça. Tenho certeza que apesar da tristeza que havia no coração dos franceses ao marcharem em memória da pequena Adelaide, o "branco" das roupas daqueles que prestaram as últimas homenagens não simbolizava exatamente a paz, mas sim a pureza e a inocência daquele pequeno anjinho, que foi deixada a mercê da própria impediosa natureza que assistiu a sua morte sem poder fazer absolutamente nada por ela. Caberia então ao franceses não deixar que um sangue puro banhasse suas praias. Mesmo que ela nunca tenha sido oficialmente uma cidadã francesa, ela estava no coração do seu povo, que nunca a esqueceu.
A mãe da pequena Adelaide, Fabianne Kabou, que sequer merecia estar sendo mencionada nesse comentário final, disse por diversas vezes que agiu mecanicamente, que tinha sido induzida por forças desconhecidas, as quais teriam sugestionado dentro de sua cabeça, que ela cometesse essa monstruosidade contra sua filha inocente e indefesa. Ela mencionou que poderia ter deixado Adelaide na porta de uma igreja, entregado para o serviço social, mas pelo visto ela era muito egoísta para fazer isso. A menina havia se tornado uma espécie de câncer a ser extirpado de sua vida frustada e uma espiral fantasiosa de mentiras que ela criou dentro de si mesma ao viver ao lado de Michel Lafon, pai biológico de Adelaide. Sinceramente, é difícil olhar para ele e chamá-lo de "pai". Mesmo com boa parte da imprensa francesa questionando seu possível envolvimento na morte da criança, as autoridades policiais não viram ou não quiseram ver quaisquer eventuais indícios que ele poderia ter sido o demônio ou a entidade maligna que havia atormentando Fabianne Kabou. Isso não tira ou diminui a culpa da mãe, pelo contrário, deveria colocar ambos sentados no banco dos réus, mas não foi isso que aconteceu ao longo de quase 3 anos. Michel passou a ser vítima e assim como a polícia, a Justiça estava vestida a caráter, completamente vendada. Talvez se trocássemos uma única letra da última palavra da frase anterior, exemplicasse melhor a razão de Michel Lafon não estar ao lado de sua companheira após 12 anos de convivência, em um subúrbio boêmio e artístico de Paris.
A pequena Adelaide não morreu em vão, e infelizmente não será a última gota de sangue puro e inocente a ser derramado em território francês. Apesar de agora ter se tornado um pequeno anjo no céu, ela também faz parte de grupo de crianças que foram vítimas de pais inescrupolosos, cujas supostas raízes africanas e suas crenças ainda são levadas aos tribunais como pretexto para assassinar outras pessoas, e até mesmo seus familiares. Fabienne Kabou, que tinha uma inteligência acima da média, se viu diante de um veredito que considerou que a mesma não tinha tanta capacidade assim, e de um julgamento no qual ela jamais passaria a "eternidade" atrás de barras de ferro. Se existe alguma justiça nesse caso, é que Fabianne Kabou sairá da prisão em uma idade que dificilmente será capaz de gerar uma nova criança em seu ventre. Talvez não seja o resultado esperado por muitos, e talvez sua condenação não signifique muito diante da perda irreparável de Adelaide. O importante é que boa parte da França não esqueceu de sua filha, visto que muitos se tornaram verdadeiros soldados em sua defesa. Vive la France, Vive Adélaïde.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
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