Por Marco Faustino
No ano passado, mais precisamente em outubro de 2015, eu publiquei uma matéria sobre a "Busby Stoop Chair", que é considerada a cadeira mais amaldiçoada do mundo, e que teria sido a responsável por diversas mortes um tanto quanto "misteriosas" ao longo do tempo (leia mais: Conheça a Lendária Cadeira Mais Amaldiçoada do Mundo: A Busby Stoop Chair!). Existem centenas de relatos, de todas as partes do mundo, envolvendo os mais diversos objetos considerados "assombrados", embora o mais comum seja noticiarmos casos envolvendo bonecas. Na verdade, estamos tão acostumados a falar de objetos amaldiçoados, alguns deles que supostamente teriam o poder de matar os seus respectivos proprietários, que muitas vezes nos esquecemos dos perigos que nos cercam em nosso cotidiano. Não somente o nosso, mas também de nossos idosos, crianças e animais de estimação.
Recentemente, diversos sites de notícias brasileiros - entre eles o Portal G1, Portal Terra e o site Último Segundo do Portal IG - repercutiram uma pequena matéria, que foi originalmente publicada pela versão em espanhol do site da BBC, no dia 18 de junho desse ano - sobre uma árvore apelidada de "árvore da morte", e que de acordo com o Guiness Book - o livro dos recordes - seria considerada a árvore mais perigosa do mundo. O texto foi traduzido para o português pela própria BBC Brasil, e consequentemente foi replicado na íntegra por esses sites. Foi assim que um membro bem ativo da SSA (Sociedade Secreta dos Assombrados) no Facebook (clique aqui para saber mais detalhes de como fazer parte dela), chamado Julio Cesar Santos, nos chamou a atenção sobre esse assunto. Resolvi ir atrás dessa história para saber mais detalhes que pudessem esclarecer se essa árvore realmente fazia jus ao apelido que havia recebido. Apesar de não haver muito mistério sobre essa árvore, considero algo honesto e válido a ser trazido de uma forma mais completa para o conhecimento de vocês, uma vez que na parte final dessa postagem pretendo transformá-la em um assunto de utilidade pública, algo que transcende, e ao mesmo tempo simboliza a importância da publicação desse material.
Não é preciso dizer que uma árvore é o símbolo natural supremo de crescimento dinâmico, morte e regeneração sazonais. Muitas árvores são consideradas sagradas ou mágicas em diferentes culturais. A reverência pelo poder das árvores remonta às crenças primitivas de deuses e espíritos as habitavam. Nos contos de fada, as árvores podem ser protetoras e atender a desejos, ou aparecer como terríveis, obstrutivas e demoníacas. O dualismo da simbologia da árvore é em geral representado por árvores em pares ou com tronco dividido. No simbologismo dualista do Oriente Próximo, a Árvore da Vida tem como correspondente a Árvore da Morte. Essa é a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal bíblica, cujo fruto proibido, quando experimentado por Eva no Jardim do Éden, trouxe para a humanidade a maldição da mortalidade. Talvez nunca saibamos se o Jardim do Éden realmente existiu, porém em nosso planeta existe uma árvore que queima ao ser tocada, cuja sombra oferecida, não importa o calor que esteja fazendo no dia, pode ser ainda mortal que o Sol, cujo fruto de sabor adocicado, semelhante a uma maçã, em pouco tempo se torna venenoso em nosso corpo, e sua seiva, bem como a fumaça gerada queima da sua casca, pode desencadear a uma perda irreversível da visão. Apesar de ser única e considerada mortal para os seres humanos, será mesmo que ela merece esse apelido? Vamos saber mais sobre esse assunto?
Antes de começarmos a comentar sobre a toxidade da mancenilheira (nome científico: "Hippomane mancinella"), é importante dizer a vocês que ele não recebeu o apelido de "Árvore da Morte" da noite para o dia, mas sim ao longo dos séculos.
As Referências Históricas sobre a Mancenilheira, a "Árvore de Morte"
Provavelmente você já aprendeu ou ainda está aprendendo, que antes da chegada dos europeus ao continente americano, milhões de indivíduos já habitavam a América. Para se ter uma ideia, estima-se que havia cerca de 100 milhões de ameríndios vivendo no continente. Cerca de 90% dos povos indígenas foram dizimados durante séculos de colonização europeia, seja pelo massacre deliberado, e muitas vezes remunerado, para a criação de assentamentos e exploração de riquezas naturais, seja pela introdução deliberada de diversas doenças que foram trazidas nos corpos dos europeus e em seus navios. É justamente dentro desse contexto que iremos abordar rapidamente sobre o conquistador espanhol Juan Ponce de León.
Juan Ponce de León (1474-1521) |
Como curiosidade, ao longo do tempo especulou-se que a tal "Fonte de Juventude" fosse apenas uma metáfora para uma planta apelidada de "Videira do Amor das Bahamas" (seu nome científico é Cassytha filiformis, conhecida popularmente no Brasil como "cipó-chumbo"), que os moradores locais preparam atualmente como uma bebida afrodisíaca. Juan Ponce de León pode ter sido levado a acreditar que uma espécie de "chá marrom" consumido por indígenas em Porto Rico fosse uma bebida para mantê-los sempre jovens, o que acabaria gerando um empreendimento lucrativo. A razão para isso é que ele pode ter confundido a palavra "vid" ("vinho" no idioma dos nativos), com a palavra "vida". Logo, ele poderia ter ido atrás de uma mera videira pensando que seria a lendária "Fonte da Juventude".
O conquistador espanhol teria sido atingido por uma flecha envenenada. O veneno? Bem, o mesmo teria sido obtido a partir da mancenilheira |
O livro chamado "De Orbe Novo", de 1509, de Pedro Mártir de Anglería, um dos secretários da Rainha Isabel I de Castela |
Os primeiros colonos claramente consideravam a árvore como se fosse mortal, e muitas vezes comentavam sobre seus efeitos tóxicos para os olhos. Em 1673, Richard Ligon, um médico de Barbados escreveu: "conforme os lenhadores cortam as árvores, eles são muito cuidadosos em relação aos seus olhos, e aqueles que possuem lenços, os colocam em seus rostos, pois se qualquer gota de seiva cair em seus olhos, faz com que fiquem cegos por um mês".
O Almirante Horatio Nelson, ao comandar uma expedição britânica na Nicarágua espanhola, no final do século 18, teria sido envenenado por índios considerados hostis, cuja nascente da água estava repleta de ramos e folhas de mancenilheira.
John Esquemeling, autor de um dos mais importantes livros de consulta sobre pirataria no século 17, chamado "The Buccaneers of America" ("Os Corsários da América", em português), publicado em 1678, escreveu sobre sua experiência com a árvore chamada "mançanilha", quando esteve na Ilha Hispaniola, também conhecida como Ilha de São Domingos, que atualmente é dividida entre o Haiti e a República Dominicana, e conhecida por ter abrigado o primeiro assentamento europeu na América no fim do século 15.
Veja o que ele escreveu na página 32, do capítulo IV, na primeira parte do livro, que basicamente descrevia as frutas, árvores e animais da região em que estava:
O livro "The Buccaneers of America" ("Os Corsários da América", em português), publicado em 1678 |
"A árvore chamada 'mançanilha' ou 'macieira anã' cresce quase até a beira do mar, sendo naturalmente tão baixa que seus galhos, embora nunca sejam tão curtos, sempre tocam a água. Ela possui frutos semelhantes as nossas tão cheirosas maçãs, que ao serem comidos por qualquer pessoa, a mesma muda imediatamente de coloração, acometida por tamanha sede, que nem mesmo toda a água do Tâmisa pode saciá-la, e a pessoa morre delirando pouco tempo depois. Além disso, os peixes que as comem, e isso acontece frequentemente, também se tornam venenosos. Esta árvore proporciona também uma seiva, um tanto quanto espessa e branca, semelhante a da figueira, que, se tocada pela mão, surgem bolhas na pele, que fica tão avermelhada, como se tivesse sido profundamente escaldada com água quente. Certo dia estava sendo muito atormentado por mosquitos, e como ainda não estava familiarizado com a natureza desta árvore, cortei um galho da mesma, com o intuito de me abanar, mas todo o meu rosto inchou no dia seguinte, ficou repleto de bolhas, e chegou ao ponto que fiquei cego por três dias."
No livro "O Diário de Nicholas Cresswell, 1774-1777", no qual o próprio Nicholas Cresswell narra como foram seus dias nas colônias britânicas na América, ele menciona a mancenilheira em seu texto referente a uma sexta-feira, 16 de setembro de 1774, durante sua visita a ilha de Barbados:
As páginas 37 e 38 do "O Diário de Nicholas Cresswell, 1774-1777" |
"A maçãMangenneltem o aroma e a aparência de uma maçã inglesa, mas é pequena, e cresce emárvores de grande porte, geralmenteao longo do litoral. Elas são classificadas como venenosas. Disseram-me queuma maçãé suficiente para matar20 pessoas. O venenoé de natureza tãomaligna, que uma única gota dechuva ouorvalho que cair da árvore em cima da sua pele iráimediatamente fazer surgiruma bolha. Até onde soube nem o fruto e nem mesmo a madeira possuem quaisquer utilidades."
Berthold Carl Seemann, um botânico alemão, em seu relato sobre a viagem do HMS Herald (navio da Marinha Real Britânica) entre 1845 e 1851, disse que alguns dos carpinteiros do navio foram temporariamente cegados pela seiva das árvores, que escorria em seus olhos, enquanto as derrubavam.
Em 1943, um médico norte-americano chamado Emanuel M. Satulsky relatou um caso envolvendo 60 soldados do Exército dos Estados Unidos que tiveram dermatite de contato irritativa (reação alérgica na pele que ocorre devido ao contato com alguma substância irritativa ou causadora de alergia), mais precisamente na região do rosto, devido a exposição a mancenilheira. Eles participavam de exercícios militares durante a noite, no Panamá, e mesmo diante dos avisos prévios de perigo ao manusear qualquer parte dessa planta, os soldados tiveram graves problemas ao cobrirerem suas trincheiras com galhos dessa árvore. Ao menos 50% dos soldados ficaram temporariamente cegos, e foi necessário utilizar morfina antes de evacuá-los. É interessante notar que nenhum soldado teve contato direto com a árvore. A distribuição das lesões cutâneas em seus corpos apontava, que naquela noite em particular, houve a formação de um orvalho intenso, que acabou escorrendo das folhas das árvores sobre os mesmos. De qualquer forma, todos os soldados voltaram à ativa em 8 dias, sem sequelas.
Apesar das referências históricas sobre a mancenilheira serem um tanto quanto assustadoras, até então não havia encontrado quaisquer evidências de mortes registradas ou oficialmente causadas diretamente pela mesma. Embora ainda falte mencionar um estudo publicado na Revista Britânica de Oftalmologia, em maio de 1993, e um impressionante relato de uma radiologista britânica sobre sua experiência ao provar o fruto da mancenilheira em 1999, a árvore apesar de ser completamente tóxica ao ser humano e a maioria dos animais, aparentemente apresentava uma baixa letalidade. Enfim, vamos conhecer um pouco mais sobre ela?
O Aspecto Geral da Mancenilheira (Hippomane mancinella)
De acordo com o Instituto de Ciências de Alimentos e Agricultura da Flórida (sigla em inglês, IFAS), nos Estados Unidos, Hippomane vem das palavras gregas "hippo", que significa "cavalo", e "mane", derivativo de "mania" ou "loucura". O filósofo grego Teofrasto (371 a.C a 287 a.C.) nomeou assim uma planta nativa da Grécia após descobrir que os cavalos ficavam "loucos" ao comê-la. O sueco Carl Linnaeus, considerado o pai da taxonomia moderna, deu o mesmo nome à tóxica árvore das Américas.
A palavra mancinella viria da palavra espanhola "manzanilla" ("maçanilha", em português), que entre outros significados seria o diminutivo de maçã, ou seja, "maçã pequena" devido ao seu formato do seu fruto, é claro. Entretanto, devido a natureza extremamente tóxica dessa árvore, os espanhóis também a apelidaram de "manzanilla de la muerte" ("pequena maçã da morte") ou "árbol de la muerte" ("árvore da morte").
Exemplo de uma mancenilheira crescendo livremente à beira-mar em uma ilha do Caribe |
Em um estudo publicado na Revista Britânica de Oftalmologia, em maio de 1993, chamado "Manchineel keratoconjunctivitis" ("Ceratoconjuntivite pela Mancenilheira"), o mesmo aponta que a árvore é encontrada nas Índias Ocidentais (ilhas do Caribe), América Central (Honduras, Nicarágua, Panamá etc.), nas Bahamas, ao norte da América do Sul (Colômbia e Venezuela), e na costa oeste da África. Ela ainda é descrita como a árvore mais tóxica do continente norte-americano, onde é permitida crescer livremente apenas nos Everglades, na Flórida, e no Parque Nacional das Ilhas Virgens, nas Ilhas Virgens dos Estados Unidos, que por sua vez são territórios norte-americanos comprados da Dinamarca, em 1917 (os Estados Unidos consideravam a região como estratégica para a proteção do canal do Panamá). É bom ressaltar nesse ponto que essa árvore não existe em nosso país, exceto, é claro, se alguém por ventura a trouxer para o nosso país, o que particularmente considero uma loucura, bem improvável, porém não é impossível.
A árvore é capaz de florescer em um ambiente altamente salino e, portanto, normalmente encontrada em regiões costeiras, bem como em praias consideradas paradisíacas |
IFAS diga que a mesma pode chegar a 15 metros. Seu tronco pode variar entre 30 a 60 cm de diâmetro, sendo coberto por uma casca de coloração castanho-acinzentada. As folhas são simples, serrilhadas, tendo entre 5 a 10 cm de comprimento com uma coloração verde-escuro brilhante. Cada folha possui uma pequena glândula onde a folha se une ao galho, por onde é liberada a seiva. Ela ainda conta com pequenas flores um tanto quanto discretas, e de coloração amarelo-esverdeado.
Centenas de frutos da mancenilheira, que são extremamente tóxicos, espalhados na areia de uma praia |
Um dos maiores destaques, no entanto, está relacionado ao fruto dessa árvore, muito semelhante a uma maçã verde, medindo entre 2,5 e 5 cm de diâmetro. |
Entretanto, identificar esses casos junto aos centros de saúde e unidades de atendimento é um verdadeiro desafio. Os casos mais comuns de intoxicação envolvem o pinhão-paraguaio (Jatropha curcas L.), a mamona (Ricinus communus L.) e a coroa-de-cristo (Euphorbia milii Des Moul.), e quase sempre envolvem com crianças ou adolescentes, através da ingestão das sementes. Os sintomas são caracterizados por intensa dor abdominal, náuseas, vômitos e diarréia, e não existem antídotos específicos. O tratamento geralmente é sintomático, e preventivo para se evitar complicações cardiovasculares, neurológicas e renais. A lavagem gástrica geralmente é utilizada como medida preliminar nesses casos.
A seringueira(à esquerda) e são exemplos de espécies da família das Euphorbiaceae, embora apresentem um nível baixo de toxidade |
Como curiosidade a seringueira (Hevea brasiliensis L.), a mandioca (Manihot esculenta) e uma planta muito comum nos lares brasileiros, a chamada bico-de-papagaio (Euphorbia pulcherrima Willd), são exemplos de espécies da família das Euphorbiaceae. O bico de papagaio, por exemplo, solta um líquido branco, a seiva, que é tóxico. É pouco tóxico, mas pode causar lesões na pele e mucosas, inchaço nos lábios, boca e língua. A ingestão pode causar náuseas, vômitos e diarréia.
Como vocês podem perceber, essa "família" compreende tanto espécies de alto valor comercial e com os mais diversos níveis de toxidade, quanto espécies que requerem muito atenção na hora de serem manuseadas ou então sequer devemos se aproximar delas.
Um Pouco Sobre a Toxidade da Mancenilheira
O primeiro aviso sobre essa árvore é bem simples: todas as partes da mancenilheira são extremamente venenosas e interagir com ela ou ingerir qualquer parte desta árvore pode ser letal. Ficou bem claro isso? Se algum dia vocês visitarem uma região que possua esse tipo de árvore, nãoousem tocá-la ou prová-la "por curiosidade" ou "por desafio" (daqui a pouco iremos mostrar o resultado na prática disso). Antes disso veja um vídeo publicado no Youtube pela Wildlife and Environmental Protection of Trinidad and Tobago (sigla em inglês, WEPTT, ou "Proteção Ambiental e da Vida Selvagem de Trinidad e Tobago", em português), em 18 de março desse ano, mostrando essa árvore um pouco mais de perto:
Como dissemos anteriormente, esta árvore produz uma seiva espessa, leitosa, e que pode escorrer por suas folhas, galhos, cascas e frutos. A seiva é conhecida por causar como se fossem bolhas de queimadura quando entra em contato com a pele, assim como simplesmente ao tocar em sua casca, que também pode resultar em queimaduras.
Como se isso não fosse suficiente, a árvore também pode causar sérios danos se você somente ficar em pé, tentando se proteger embaixo de sua copa. Se estiver chovendo, a água que cai das folhas pode levar toxinas até sua pele, deixando-o gravemente queimado ou cego (muito embora ninguém deve fica embaixo de árvores durante uma chuva, devido a possibilidade da ocorrência de raios). Suas toxinas, pelo menos boa parte das que são conhecidas, são solúveis em água, óleo e álcool, sendo que a principal substância responsável por todos esse efeitos é o forbol, um componente orgânico que pertence à família dos ésteres, altamente solúvel em água.
Queimadura ocasionada pelo contato direto da pele com folhas de mancenilheira |
A maior parte das complicações estão quase sempre relacionadas a região dos olhos, que pode resultar em uma espécie de "ceratoconjuntivite induzida por mancenilheira" (a ceratoconjuntivite é basicamente uma inflamação que afeta os olhos). Para vocês terem uma ideia, após poucos minutos de contato (cerca de 5 minutos) com a seiva, a pessoa começa a sentir um ardor intenso, evoluindo para lacrimejamento e blefaroespasmo (contração involuntária das pálpebras), e tudo isso em menos de 1 hora. Se não for rapidamente tratado, sua seiva pode causar sérios danos na córnea, e como resultado final, a cegueira.
"Parece, portanto, que o látex da mancenilheira é uma mistura altamente complexa de toxinas. Os candidatos mais prováveis para a produção de ceratoconjuntivite parece ser uma mistura de ésteres de diterpenos oxigenados. Estas moléculas orgânicas pequenas, não-protéicas, são solúveis em água, o que explica o porquê a água da chuva ou de condensação pode causar a síndrome da ceratoconjuntivite induzida por mancenilheira, sem o contato direto com a árvore. O mecanismo exato de sua toxicidade é desconhecido, mas parece provável que seja um efeito direto sobre as células", apontou o estudo chamado "Manchineel keratoconjunctivitis" ("Ceratoconjuntivite pela Mancenilheira"), publicado na Revista Britânica de Oftalmologia, em 1993.
A seiva da mancenilheira escorrendo a partir da ponta de um galho quebrado |
A seiva da mancenilheira escorrendo a partir de um dos seus frutos, recém-tirado da ponta de um dos seus galhos |
Esse estudo identificou 19 pacientes que tiveram lesões oculares causadas pela mancenilheira entre 1985 e 1990. Cerca de 70% dos pacientes tiveram seus dois olhos afetados e em 80% dos casos houve danos a córnea. Apesar da gravidade, o tratamento dos pacientes se mostrou efetivo, e na maioria dos casos a acuidade visual final dos pacientes sofreu apenas uma pequena redução. Apenas um dos pacientes evoluiu para um quadro de glaucoma.
O estado dos olhos de um paciente após 18 horas de contato com a seiva da mancenilheira |
Os principais sintomas observados na intoxicação sistêmica são lacrimejamento, salivação, vômitos, diarréia e depressão do sistema nervoso central (SNC) levando ao coma e à morte. É comumente dito que fatalidades já foram relatadas em seres humanos e animais que comem seus frutos e folhas, visto que dependendo da quantidade ingerida, pode levar a um quadro de hemorragia grave. Porém, não encontrei nenhuma fatalidade registrada devido a mancenilheira na literatura moderna.
Vale a pena ressaltar que essa "não existência de fatalidades" tem uma colaboração importante das placas e avisos que muitos países colocam próximos a locais onde a mancenilheira é encontrada, assim como em Curaçau, Tobago etc. Outros locais são marcados com uma cruz vermelha no tronco para indicar perigo. Nas Antilhas Francesas (Martinica e Guadalupe) são pintadas faixas em vermelho nas árvores, a uma altura de 30 cm acima do solo. Entretanto, em outros locais não há nenhuma espécie de aviso.
Placa alertando para os perigos da mancenilheira no Parque Nacional das Ilhas Virgens dos Estados Unidos |
Placa alertando para os perigos da mancenilheira, no Parque Nacional Manuel Antonio, na Costa Rica |
Mais uma placa avisando aos turistas para sequer tocar na mancenilheira |
Placa em tom humorístico e ilustrativo para representar os riscos da mancenilheira, nas Antilhas Francesas |
Nas Antilhas Francesas (Martinica e Guadalupe) são pintadas faixas em vermelho nas árvores, a uma altura de 30 cm acima do solo. Entretanto, em outros locais não há nenhuma espécie de aviso. |
Queimar a sua madeira para fazer, por exemplo, uma fogueira, também não é uma boa ideia. A fumaça gerada é comumente descrita por causar irritação e grave inflamação nos olhos, bem como resultando em uma "visão reduzida" ou "cegueira temporária". Cortar sua madeira também requer muito cuidado, pois se a seiva "espirrar" na sua pele ou olhos, bem você já sabe o que acontece, não é mesmo?
Infelizmente, dizem que algumas pessoas alegam ser imunes aos efeitos tóxicos dessa árvore, porém não encontrei tais casos. Mesmo que eu encontrasse, jamais diria para ninguém brincar ou "pagar para ver" o que acontece ao manuseá-la, visto que fazer isso é um ato irracional, que não causa danos somente a uma pessoa, mas gera todo um transtorno para a pessoa que estiver a acompanhando e sua família. Veja abaixo o que acontece quando alguém tenta inadvertidamente interagir com a mancenilheira:
O homem que aparece no vídeo, publicado no Youtube em janeiro de 2013, chama-se Adam Anderson. No entanto, sua experiência ocorreu cerca de 6 meses antes enquanto viajava pela Antígua, que é uma ilha no Mar do Caribe, e que faz parte da nação insular de Antígua e Barbuda. Ele disse ter manuseado de forma incorreta alguns frutos da mancenilheira, muito embora não tenha provado o fruto.
Entretanto, em seguida, provavelmente por descuido, ele passou a mão em seus olhos. Seu olho direito começou a ficar irritado, começou a inchar, lacrimejar e pasmem, as lágrimas acabaram se tornando condutores das toxinas que rapidamente foram parar em seu nariz e sua boca. Adam relatou que não adiantava lavar as mãos, e que se mergulhasse em gasolina e "ateasse" fogo, provavelmente a dor seria menor do que estava sentido. Felizmente os efeitos passaram após algum tempo, e não resultou em sequelas. Ele disse que gravou o vídeo, e tentou levar a situação na brincadeira, mas a dor e o sofrimento eram insuportáveis.
Vale ressaltar também que muitos comentários são recentes, porque a árvore e seus perigos voltaram a ser divulgados na mídia internacional, graças, é claro, a BBC. Aliás, independentemente disso, essa árvore também acabou se tornando "famosa" ao longo do tempo em obras literárias, bem como peças de ópera. Tamanha repercussão negativa fez com que a Mancenilheira entrasse em 2011 para o Guinness Book, o Livro dos Recordes, como a árvore mais perigosa do mundo. Discutiremos sobre isso nos comentários finais dessa postagem.
O Impressionante Relato de uma Radiologista Britânica Chamada Nicola H. Strickland
Uma das pessoas que tiveram uma experiência bem desagradável com a mancenilheira foi uma radiologista britânica chamada "Nicola Strickland", que atualmente é presidente da "The Royal College of Radiologists", no Reino Unido, principal instituição de sua categoria.
Entretanto, antes disso ela ficaria "famosa" por um artigo publicado em agosto de 2000, no periódico British Medical Journal, ao descrever sua experiência em 1999, na ilha caribenha de Tobago, ao provar um fruto da mancenilheira. Confira o que ela escreveu:
A radiologista britânica chamada "Nicola Strickland", atual presidente da "The Royal College of Radiologists" |
De forma precipitada, eu dei uma mordida nesse fruto, e achei agradavelmente doce. Meu amigo também provou (por sugestão minha). Momentos mais tarde, notamos uma sensação estranha e picante em nossas bocas, que gradualmente evoluiu para uma queimadura, uma sensação de arranhado e de aperto na garganta. Os sintomas pioraram após algumas horas, ao ponto que mal conseguia engolir alimentos sólidos por causa da dor excruciante, e a sensação de um enorme caroço obstruindo a faringe. Infelizmente, a dor foi agravada pela maioria das bebidas alcoólicas, embora ligeiramente diminuída pelas piña coladas, porém, em razão do leite de coco.
Ao longo das oito horas seguintes nossos sintomas orais lentamente começaram a diminuir, mas os nossos linfonodos cervicais tornaram-se muito sensíveis e facilmente palpáveis. Contar nossa experiência para os moradores locais provocou horror e incredulidade, tal era a reputação venenosa da fruta.
Ao consultar a literatura, ficou claro que nós tínhamos provado o fruto da planta mancenilheira, vulgarmente conhecido como "maçã da praia", Hippomane mancinella, da famila Euphorbiaceae. Ela ocorre ao longo das praias costeiras das Antilhas e América Central, onde são frequentemente cultivadas para fornecer uma espécie de quebra-vento.
A árvore mancenilheira pode causar graves problemas de saúde. A seiva leitosa provoca bolhas, queimaduras e inflamações quando em contato com a pele, membranas mucosas e tecidos conjuntivos. A fumaça proveniente da queima de madeira pode ferir os olhos. A dermatite de contato a partir desta espécie é comumente observada no litoral americano do Caribe e da América Central. Vários estudos sobre os princípios ativos da árvore mancenilheira demonstraram que ésteres de forbol do tipo tigliane são as causas prováveis de reações graves.
Imagem do fruto da mancenilheira que foi usado no artigo escrito por Nicola Strickland |
Percebemos diante de nossa experiência assustadora, e com a crescente disponibilidade de pacotes de viagens para o Caribe, que convém chamar a atenção para o perigo potencialmente grave deste fruto. Talvez alguns poucos adultos (especialmente um médico qualificado) fossem tolos o suficiente para tentar comer uma fruta desconhecida encontrada em uma praia de um país estrangeiro, porém seria altamente provável que as crianças comessem, especialmente quando ao encontrá-las, sentissem o aroma e sabor doce, parecido com uma ameixa madura."
Impressionante, não é mesmo? Porém, por incrível que pareça essa árvore tem suas utilidades, e nem todo animal parece sofrer com as toxinas.
A Utilidade e os Eventuais Benefícios da Mancenilheira
Apesar do risco que a árvore apresenta aos seres humanos, ela não pode ser considerada como "inútil". Aliás, seria incoerente chamar qualquer ser vivo de "inútil", porque acredito que sempre existe uma razão para um ser existir, mesmo que seja uma espécie de "mal necessário". Muitas vezes apenas não sabemos ou não pesquisamos corretamente a riqueza de recursos que a natureza nos provê, e seria incorreto dizer que até mesmo a mancenilheira, apelidada pelo homem de "árvore da morte", não tenha nenhum benefício para a própria natureza, e para a civilização humana.
Conforme já dissemos anteriormente, a mancenilheira é utilizada como quebra-vento pelas comunidades locais, bem como evita a erosão das praias devido ao seu longo sistema radicular. Além disso, segundo o Instituto de Ciências de Alimentos e Agricultura da Flórida, sua madeira vem sendo utilizada ao longo dos séculos para a fabricação de móveis, uma vez que se acredita que seu veneno possa ser anulado ao colocar sua madeira para secar naturalmente ao sol. Obviamente é necessário todo um cuidado no corte da madeira para evitar o contato da seiva com a pele ou com os olhos.
Também tem sido documentado que uma goma de mascar feita a partir da casca dessa árvore tem sido utilizada para tratar doenças venéreas e hidropisia na Jamaica, enquanto os frutos secos têm sido usados como um diurético. A falta de conhecimento, respeito e de maiores estudos sobre a mancenilheira, fez com que a árvore entrasse para a lista de espécies ameaçadas de extinção na Flórida, nos Estados Unidos. E embora ela seja venenosa para os seres humanos e a maioria dos animais, há uma iguana nativa da América Central, a "garrobo" (Ctenosaura similis), que é completamente imune ao veneno dessa árvore. Ela frequentemente come seus frutos, e muitas vezes é encontrada vivendo entre seus galhos. Resumindo, ela não é bem uma "árvore da morte, como estão dizendo por aí.
Comentários Finais
Quando resolvi fazer essa pequena matéria, eu não queria escrevê-la de maneira sensacionalista e apontando como se a mancenilheira fosse a mais mortal de todas as árvores, porque isso, ao menos do meu ponto de vista, é completamente mentiroso. Existem dezenas de plantas que são bem tóxicas, e estão dentro de nossas casas ou em parques públicos, ao contato de nossas crianças, idosos e animais de estimação. Muitas delas são manipuladas sem o menor cuidado, como é o caso das plantas apelidadas de "Comigo-ninguém-pode", "Espada-de-São-Jorge" e "Bico de Papagaio". Até mesmo antúrios e hortências possuem seus riscos. Para terem uma noção, a "comigo-ninguém-pode", como o próprio nome diz, é bem perigosa. A ingestão de partes de suas folhas, principalmente por crianças que são atraídas por sua beleza, pode resultar em salivação intensa, náuseas, diarréia, vômito, e até levar a um quadro de asfixia devido a obstrução das vias respiratórias devido ao inchaço causado na boca, língua e garganta. Ela ainda por cima pode causar lesões nos olhos, e uma série de reações alérgicas, principalmente através de queimaduras e bolhas na pele. Convido vocês a acessarem os textos publicados pela Revista Veja, pelo site Somos Verdes, pelo Hypescience e também do Vio Mundo para terem uma dimensão dessa situação. Os textos publicados são bem curtos, mas você pode realizar uma pesquisa sobre cada uma delas para obter maiores informações, combinado?
Não estou dizendo que as pessoas não devam ter em casa essas plantas, comumente vendidas sem qualquer tipo de alerta, até mesmo por supermercados e feiras livres. O importante é que as pessoas procurem por maiores informações, e a maneira correta de manuseá-las. Não caia na história de vendedores, e façam uma boa pesquisa, pois a melhor maneira de se evitar acidentes e intoxicação por plantas é a informação. Nesse ponto, é importante dizer que ao notar que uma criança ingeriu ou mastigou alguma planta que você tem em casa ou em seu jardim, que é sabidamente tóxica, procure imediatamente um atendimento médico pelo SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) pelo telefone 192 (caso tenha disponibilidade em sua cidade) ou através do Corpo de Bombeiros pelo telefone 193. Além disso, enquanto aguarda o atendimento em casa, não dê leite, não provoque vômito, e evite alimentar a criança. Ligue também para o Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica) da sua região (procure previamente o telefone referente a sua região e o deixe anotado em um lugar de fácil acesso). Para o Estado de São Paulo, por exemplo, o número é o 0800-0148110. Lembrando que é um serviço gratuito, que funciona 24 horas por dia, onde atuam estudantes e formados em medicina, farmácia e enfermagem, treinados especificamente na área de toxicologia. Se você estiver viajando para um outro país, se informe melhor sobre o mesmo, assim como os telefones e os locais de atendimento para emergências médicas.
Em relação a mancenilheira, acredito que agora vocês conseguem perceber, que ela é o menor dos problemas da civilização moderna, e mesmo ao longo dos séculos, é muito pouco provável que ela tenha sido a responsável por tantas mortes ao ponto de justificar o apelido de "árvore da morte". Provavelmente isso poderia fazer sentido se imaginarmos o século 16 e 17, quando dezenas de navios europeus desembarcaram, e seus tripulantes não tinham a menor experiência em um terreno totalmente desconhecido para eles. Mesmo assim, a mancenilheira não era párea para a fúria europeia em busca de conquistar e demarcar novos territórios. Para os indígenas, sua seiva era sinônimo de esperança para que não morressem durante um combate, se apoiando em flechas envenenadas para defender suas famílias das mais diversas violências cometidas naquela época. Para os europeus, a árvore representava os riscos do "Novo Mundo", e a hostilidade intríseca de seus habitantes. Hoje em dia, a mancenilheira é apenas uma árvore dentre tantas consideradas tóxicas, mas nem de longe se assemelha as águas avermelhadas, tingidas com o sangue das tribos, que nasciam e viviam bem próximo de suas raízes. A mancenilheira foi uma das principais testemunhas da colonização europeia, e ironicamente até hoje recebe esse injusto apelido. Se houvesse uma bruxa que segurasse uma maçã em uma das mãos, e colocasse um espelho em seu tronco, provavelmente em seu lugar refletiria a imagem de um conquistador europeu empunhando uma espada, e colocando um nativo para dormir profundamente, bem diante do paraíso.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://edis.ifas.ufl.edu/fr370
http://hypescience.com/a-arvore-tao-mortal-que-foi-usada-como-instrumento-de-tortura/
http://io9.gizmodo.com/5841540/10-of-the-worlds-deadliest-plants----and-how-they-kill-you
http://sploid.gizmodo.com/this-tree-can-kill-you-1505763900
http://super.abril.com.br/ciencia/conheca-a-arvore-da-morte
http://www.bbc.com/mundo/noticias-36560568
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