Por Marco Faustino
Quando alguém procura por informações sobre a cidade de São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos, principalmente pela internet, provavelmente irá encontrar informações belíssimas sobre as colinas, as manhãs nebulosas, o céu azul, o vento e o sol radiante, que fazem parte do cotidiano dos moradores dessa cidade localizada na Costa Oeste dos Estados Unidos. Uma cidade linda que encanta pela arquitetura, música, artes, gastronomia, parques, passeios e estilo de vida. A cidade foi construída em meio as montanhas sendo banhada pelo fantástico oceano Pacífico.
Dizem que seus moradores são criativos, liberais, divertidos e alegres, e suas ruas são cheias de cor, música e beleza. É possível até mesmo encontrar, que a cidade é um lugar onde "falsos moralismos não tem vez", e que recebe bem a todos, independentemente de suas preferências religiosas, sexuais ou culturais. A cidade oferece uma agenda cultural incrível, restaurantes deliciosos, transporte público eficiente e charmoso, sendo localizada apenas algumas horas de carro de regiões vinícolas mundialmente conhecidas, e lindas cidades costeiras. As ladeiras da cidade também já foram palco de inúmeros filmes e séries mundialmente conhecidas, produzidas evidentemente por Hollywood, que sempre a exaltou como um orgulho norte-americano.
Quase esquecemos da "Ponte Golden Gate", que liga a cidade a Sausalito, na região metropolitana de São Francisco. A ponte é o principal cartão postal da cidade, uma das mais conhecidas construções dos Estados Unidos, e é considerada uma das "Sete Maravilhas do Mundo Moderno" pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis. Sinceramente, diante de tantas informações desse gênero, quem não gostaria de morar em uma cidade assim, mesmo correndo o risco intríseco de estar dormindo sobre a Falha de San Andreas, que já praticamente destruiu a cidade em 1906, ao longo de intermináveis 28 segundos. E se você achava que o único problema debaixo da terra de São Francisco era uma falha geológica, bem você se engana.
Imagine que você contratou uma empresa para reformar a casa em que morou durante toda a sua infância, mas você atualmente vive em outro lugar enquanto a reforma não termina, em um outro estado. Um belo dia você está preparando o almoço ou o jantar para seus filhos, a cerca de milhares de quilômetros de distância do local onde antigamente morava, e o seu telefone toca. Na linha está um dos operários que trabalha em sua reforma, e ele simplesmente diz que encontraram um pequeno caixão de bronze, e dentro dele jaz o corpo de uma menina, praticamente preservado, de cachinhos dourados e segurando uma rosa vermelha na mão. Você corre até o local, entra em contato com a prefeitura, e ela simplesmente diz que o problema é seu. Além disso, você descobre que ela é apenas "um corpo" deixado para trás, de uma imensa e antiga operação que removeu cerca de 150.000 corpos da cidade de São Francisco no início do século 20, porque os cemitérios estavam ocupando muito espaço, e atrapalhando os negócios de empresários locais. Parece loucura? Acredite, tudo isso aconteceu de verdade. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Tudo começou quando uma mulher chamada Ericka Karner, decidiu reformar a casa onde mora desde a sua infância, na região de Lone Mountain, no Distrito de Richmond, nas proximidades do Parque Rossi, na cidade de São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos. Ela contratou uma empresa para realizar as obras, e tudo parecia transcorrer bem, quer dizer, ao menos até o dia 9 de maio desse ano.
Os operários estavam trabalhando na garagem de sua casa, após remover todo o concreto que havia no local, quando suas pás bateram em algo muito estranho. Obviamente, eles foram olhar mais de perto para ver do que realmente se tratava, e para o espanto deles, se tratava de um pequeno caixão feito de metal.
"Aquilo era estranho. Algo chocante, entende?", disse Kevin Boylan, um dos operários que trabalham na reforma da casa de Ericka Karner, em entrevista para a KTVU, uma emissora de televisão local, que é afiliada da rede americana FOX.
"Todo o cabelo ainda estava lá. As unhas estavam lá. Havia flores, rosas, ainda no corpo da criança. Era algo admirável de se ver", completou.
As duas janelas do caixão, que tinha por volta de 1 metro de comprimento, revelavam a pele perfeitamente preservada, os cabelos loiros e cacheados da menina, que usava um vestido longo e branco, com flores de lavanda tecendo o seu cabelo encaracolado. Colocado sobre o coração havia uma cruz feita com mais flores de lavanda, sendo que folhas de eucalipto ornamentavam as laterais de seu corpo. A criança estava segurando uma rosa vermelha na mão direita, e não havia nada escrito em seu caixão forrado com um veludo de cor roxa, que pudesse ajudar a identificá-la. Acreditava-se apenas que tivesse morrido, devido ao seu tamanho e aparência, quando tinha apenas 3 anos de idade.
Diante de uma situação dessas, eles fizeram o que qualquer pessoa faria. Eles ligaram para a proprietária da casa, Ericka Karner, que está morando no estado do Idaho, com seu marido e suas duas filhas, enquanto a reforma não termina. Ao chegar no local ela teve uma surpresa, e foi questionada por Kevin Boylan, que estava tão espantando quanto ela.
"Você faz ideia do que é isso? Acreditamos que é um caixão", contou Ericka Karner sobre a pergunta que Kevin Boylan fez para ela ao chegar no local, em entrevista pelo Skype para a KPIX 5, emissora local da TV, afiliada da CBS.
"Por um lado, era um pouco assustador, mas por outro era bem triste. A questão era: 'O que vamos fazer agora?’", disse Ericka Karner, em entrevista para a KTVU.
O corpo estava muito bem preservado, mesmo depois de ter sido enterrado, muito provavelmente por volta de 1870. Como chegaram a essa suposição? É bem simples. De acordo com os registros históricos, a casa fica próxima do local onde um dia foi um cemitério, dentre tantos que havia na cidade. Acreditava-se portanto, que a criança era uma das cerca de 30.000 pessoas que foram enterradas no antigo Cemitério dos Odd Fellows, em São Francisco, que ficou em atividade entre 1860 e 1890.
Os corpos foram transferidos para a cidade de Colma (originalmente chamada de Lawndale), na Califórnia, pouco tempo depois, no início do século 20, depois que todos os cemitérios da cidade foram obrigados a fechar e transferir seus mortos para outros lugares, para que os antigos terrenos pudessem abrigar a novas construções para o mundo dos vivos. Assim sendo, acreditava-se que aquela menina estava naquele local por cerca de 145 anos, e por algum motivo havia sido deixada para trás.
Entretanto, o espanto de Ericka Karner não terminaria ao encontrar aquele pequeno caixão debaixo de sua garagem. Evidentemente, ela ligou para as autoridades competentes, mais precisamente para o "Escritório do Médico Legista de São Francisco" (algo equivalente ao que conhecemos como Instituto Médico Legal, o IML, aqui no Brasil). Por mais surreal que isso possa parecer, ela foi informada que o corpo daquela criança era sua responsabilidade, ou seja, ela que deveria arcar com todos os custos e providenciar um "segundo sepultamento" daquela criança. Assista a reportagem feita sobre esse caso pela KPIX 5 (em inglês):
Para piorar a situação, o selamento que havia sido feito no pequeno caixão de bronze foi rompido, não pelos operários da obra, muito menos pela Sra. Harner, mas com as ordens do médico legista chefe, que por alguma razão queria ver o que realmente havia dentro do caixão. Com isso, tudo o que havia sido feito no passado, para preservar o corpo de "Miranda", se perdeu e seu frágil e pequeno corpo começou a se deteriorar. Em um comunicado, o porta-voz do "Escritório do Médico Legista de São Francisco" disse que eles apenas tinham coberto as janelas do caixão, cujos vidros tinham sido removidos anteriormente, muito embora as imagens não mostrem bem isso.
"Sendo mãe, é impensável e triste, que uma criança pudesse ter sido deixada para trás dessa forma", disse Ericka Karner, em entrevista para o jornal "Los Angeles Times".
A cidade de São Francisco se recusou a assumir a custódia do corpo da pequena criança, que passou então a ser chamada de "Miranda", nome esse dado pelas duas filhas de Ericka Karner. A Sra. Harner diante daquela situação faria o que qualquer mãe faria, ou seja, queria dar um enterro digno para "Miranda", porém isso não seria possível sem um atestado de óbito. E foi justamente nesse ponto que começou mais uma triste parte de toda essa história.
Ericka Karner entrou em contato com funerária na cidade de Colma, que para cuidar de todos os procedimentos para a realização de um novo funeral, passou para ela um valor de US$ 7.000 (cerca de R$ 25.000 pela cotação atual) pelos serviços funerários. A situação iria piorar, porque ao entrar em contato com uma empresa de cunho arqueológico de East Bay, a mesma passou um valor de US$ 22.000 (cerca de R$ 77.000) para realizar os mesmos procedimentos. Ericka Karner mora desde 1976 na mesma casa, e tem como principal renda, a venda de biscoitos, ou seja, valores muito acima de suas reais possibilidades.
"Isso não podia estar certo. Eu entendo se uma árvore que esteja em sua propriedade, seja sua responsabilidade. Porém, isso é diferente. A cidade decidiu transferir todos estes corpos há 100 anos, e eles deveriam dar conta dessa situação", disse Ericka Karner, em entrevista para o site SFGate, uma das versões online do jornal "San Francisco Chronicle". Ela ainda disse que "Miranda" tinha passado a fazer parte de sua família.
"Não conseguíamos ter um atestado de óbito. Isso nos colocou em uma posição de, infelizmente, ter que colocá-la em nosso quintal, e me sentindo horrível por ser mãe, e saber que era uma criança pequena", disse Ericka Karner, em entrevista para a KPIX 5. Como mãe ela não podia suportar a ideia de deixar o corpo de uma criança, completamente sozinha, no quintal de sua casa, sem ninguém para cuidar dela.
"Parece definitivamente ser a política de cidade, que o corpo seja de responsabilidade do proprietário da casa", contou Ericka, que naquela altura dos acontecimentos já estava sem saber mais o que fazer, em entrevista para a KTVU.
Desesperada, ela entrou em contato com a prefeitura da cidade de São Francisco, que disse que não poderia fazer nada por ela, mas a orientou a procurar a "Garden of Innocence" ("Jardim dos Inocentes", em português), uma organização sem fins lucrativos, que oferece funerais para crianças não identificadas, localizada nos arredores da cidade de San Diego, na Califórnia, cuja fundadora se chama Elissa Davey.
"Essa menina era filha de alguém. Você precisa fazer a coisa certa. Ela não tinha voz, então precisávamos dar uma voz a ela", disse Elissa Davey, em entrevistas para o SFGate e KTVU.
Elissa Davey entrou em contato com os Odd Fellows, que concordaram em fornecer os recursos financeiros necessários para a realização de um novo funeral. O caixão de "Miranda" foi recolhido pela "Garden of Innocence", e está sendo mantido temporariamente em uma câmara mortuária na cidade de Fresno, na Califórnia, na tentativa de ainda preservar seu o corpo.
"Se as pessoas descobrissem que ela estava em um canteiro de obras, com ninguém por perto à noite, você pode apostar que alguém iria roubá-la. As pessoas a utilizariam para algo macabro. Para bruxaria. Eu queria tirá-la de lá", disse Elissa Davey, em entrevista para o SFGate.Era óbvio para ela, que os pais de "Miranda" a amavam muito.
"Só de olhar para a forma como eles a vestiram. A tristeza deles foi muito grande. Vamos amá-la da mesma forma", continuou.
Elissa Davey contratou sua sobrinha para que fabricasse um segundo caixão feito de madeira de bordo (maple), que fosse grande o suficiente para então colocar o caixão original de "Miranda" dentro dele.
"Não quero que ela seja ainda mais pertubada do que já foi", acrescentou.
Na semana que vem, Elissa Davey irá até a cidade de São Francisco para uma reunião com representantes dos Odd Fellows para providenciar um funeral para a menina, que está sendo planejado para o mês que vem no Parque Memorial Greenlawn, na cidade de Colma, isso se a organização receber uma autorização de sepultamento por parte das autoridades de São Francisco, é claro. Ela também tem como objetivo, ao menos tentar identificar a menina, por mais que essa seja uma árdua tarefa.
Sinceramente, AssombradOs, não sei nem o que dizer nesse momento para vocês. Quero apenas continuar um pouco dessa história, e contar para vocês sobre quem é Elissa Davey, o "Garden of Innocence", e um breve resumo sobre a sombria história, que muito provavelmente deu origem a tudo isso.
Quando Elissa Davey, que trabalha como genealogista, leu um artigo de jornal, no ano de 1998, sobre o corpo de um bebê, um menino, que foi simplesmente jogado em uma lata de lixo no campus de uma univesidade, ela não conseguiu esquecer a sua história.
Um mês depois, ligou para o médico legista do condado, perguntando o que tinha acontecido com o corpo do bebê, e ele lhe disse que ainda tinha o corpo, ou seja, mesmo depois de todo aquele tempo ainda não havia sido reclamado. Porém, o corpo da criança iria para uma sepultura não identificada ("sepultura de indigentes", por mais que eu não goste desse nome) caso ninguém aparecesse para reclamar o corpo. Então, contrariando toda a lógica diante de casos assim, Elissa Davey perguntou o que ela precisa fazer para reclamar o corpo de uma criança que simplesmente não era dela, e poder enterrá-la.
Elissa Davey, que tem cinco netos e dois bisnetos, fundou por conta própria o "Garden of Innocence" para abrigar os restos mortais de crianças, que nunca foram reclamados. Desde a leitura daquele artigo de jornal em 1998, ela e sua equipe de voluntários forneceram cerca de 327 serviços memoriais e funerais de crianças em 11 "jardins" por toda a Califórnia. Assista a um vídeo publicado pela própria Elissa Davey em sua conta no Youtube, em dezembro do ano passado:
"Sentimos que essas crianças merecem ter sua jornada concluída. Para nós isso é coisa certa a ser feita", disse Elissa Davey, em entrevista o site InsideEdition.com, em novembro de 2015.
Cabe a Elissa Davey a missão de ligar para médicos legistas para saber se existem crianças que necessitam de um lugar para poder finalmente descansarem em paz. Em seguida, ela liga para os mais diversos cemitérios, e pede por um simples pedaço de terra para poder enterrar os corpos dessas crianças, sendo que os voluntários a ajudam com o restante dos procedimentos.
Cada corpo tem sua própria história. Um deles foi deixado em um rio, outros foram vítimas de assassinato, e alguns nasceram prematuramente, sendo abandonados por suas famílias nos hospitais. Contudo, o "Garden of Innocence" não compartilha os detalhes nos serviços memoriais, em vez disso, eles preferem se concentrar apenas nas crianças.
"Não sabemos as razões pelas quais os pais abandonam seus filhos e não questionamos isso. Não é essa a história que temos para contar. Focamos apenas no presente", contou Elissa Davey.
As crianças recebem nomes e, em seguida, corpos são colocados dentro de pequenos caixões de madeira, que são feitos por escoteiros, e posteriormente são forrados com rendas através de voluntários. Cada criança recebe um cobertor feito à mão, uma pelúcia e um poema personalizado. Policiais, militares e até mesmo moradores locais comparecem aos funerais, que acabam sendo divulgados de boca em boca, e que chegam a contar com mais de 300 pessoas. Cantores e músicos também tocam para o público presente.
"Salvamos a vida das pessoas dando-lhes uma razão para viver. Estamos ajudando os vivos, os mortos, e as pessoas que estão sofrendo", continuou.
Women of Worth" ("Mulheres de Valor", em uma tradução livre para o português) devido ao seu trabalho, porém, na época ela disse que tudo isso era apenas o começo. Assim que ela conseguisse mais recursos financeiros, eles esperavam que fosse criados mais jardins, para que pudessem levar conforto e paz para o restante dos Estados Unidos.
"Certa vez perguntei aos voluntários que revestiam os caixões: O que vocês estavam pensando enquanto faziam isso? Eles disseram: 'Foi a coisa mais tranquila que nós já fizemos. Para nós, isso é o verdadeiro significado do jardim'", completou.
"Quando você tiver um problema, vá ao jardim. Vá e diga às crianças. Você vai se sentir melhor", finalizou Elissa Davey.
Não sei se vocês estão tão emocionados quanto estou nesse momento ao escrever diante de uma tela em branco, e tentando repassar a vocês a maior fidelidade possível das palavras de cada pessoa envolvida nessa história. Porém, precisamos dizer a razão pela qual "Miranda" foi encontrada debaixo da garagem Ericka Karner, uma históra na qual muitos de vocês não fazem ideia que um dia aconteceu.
A pequena cidade de Colma, fica localizada ao sul da cidade de Daly, no Condado de Sao Mateo, na Califórnia. Segundo o último censo realizado em 2010, a cidade conta com pouco menos de 2.000 habitantes, porém, nem de longe essa é uma cidade comum, como tantas outras dos Estados Unidos.
Se uma pessoa for dirigir por essa cidade, vai notar que um mesmo cenário sempre se repete: lápides, e em seguida uma floricultura, mais lápides, outra floricultura, e assim sucessivamente. Se Las Vegas foi construida para ser um palco do entretenimento para jogos de azar, bem, Colma foi criada para abrigar a morte.
Quase três quartos da cidade que possui uma extensão territorial de aproximadamente 5.697.974 m² está coberta por cerca de 17 cemitérios, que abrigam um vertiginoso número entre 1,5 e 2 milhões de corpos. Isso mesmo que você leu, não errei nessa conta.
Cemitério Nacional de São Francisco, que fica localizado no Parque Presidio, uma antiga aérea militar da cidade, portanto tecnicamente é um cemitério federal (do próprio governo norte-americano). O único cemitério da cidade seria apenas o "Mission Dolores", porém atualmente ele ocupa apenas um sexto de seu tamanho original, sendo que 11.000 corpos tinham sido enterrados no local entre os anos de 1782 e 1898.
Pode parecer estranho, mas um dia a cidade de São Francisco já esteve repleta de cemitérios.
Durante o período da "Corrida do Ouro" (também conhecida como a "Febre do Ouro") na Califórnia, entre 1848 e 1855, as pessoas decidiram construir cemitérios na região oeste da cidade, onde na época ninguém jamais iria querer viver. Quatro grandes cemitérios foram construídos: Laurel Hill, Calvary, o "The Independent Order of Odd Fellows" (Cemitério dos Odd Fellows) e o "Masonic Cemetery" (Cemitério Maçônico). Eles ocupavam o espaço onde atualmente está localizada a Universidade de São Francisco.
Em 1880 os moradores da cidade de São Francisco estavam ficando cada vez mais descontentes, uma vez que tinham que conviver diariamente com uma série de funerais, e um clima muito negativo após um dia cansativo de trabalho. E a partir disso, uma verdadeira campanha surgiu para acabar com os cemitérios. Frases como "Os cemitérios devem ir embora!" começaram a surgir nas manchetes de jornais locais, e os moradores começaram a ficar preocupados com a propagação de alegações histéricas sobre os "perigos para a saúde" sobre a presença de cemitérios no meio urbano.
"Os cientistas alertaram que doenças relacionadas a garganta, constantemente se tornam algo do tipo maligno... quando os pacientes são expostos a um vento que sopra de um cemitério lotado", escreveu Michael Svanevik e Shirley Burgett, em um livro chamado "Cidade das Almas", publicado em janeiro de 1995. Resumindo, uma onda de boatos assustadores começou a se espalhar por São Francisco.
Entretanto, essa proibição gerou um problema ainda maior. Depois que a cidade São Francisco proibiu novos enterros, não havia dinheiro para cuidar dos cemitério existentes, e muitos cemitérios simplesmente caíram em ruínas. Estátuas e lápides foram derrubadas. Os valiosos portões de bronze de mausoléus particulares foram roubados. Segundo informações da época, as pessoas ficavam vagando totalmente bêbadas dentro dos cemitérios, e até mesmo participavam de orgias sexuais durante as madrugadas. Esqueletos inteiros foram levados para serem utilizados como "decoração de Halloween" por muitos moradores locais, e houve relatos que pessoa jogavam futebol com crânios, que davam lugar as bolas de futebol. Um verdadeiro caos se instaurou nos prestigiados cemitérios da cidade ao longo do tempo.
Em 1912, São Francisco anunciou que iria fazer mais do que proibir novos enterros. A cidade queria que os cemitérios deixassem definitivamente a cidade. Porém, antes da proibição, e logo que começou uma maior insatisfação por parte dos moradores de São Francisco, dois cemitérios judaicos, o "Hills of Eternity" e "Home of Peace", abandonaram os terrenos, que hoje compõem o Parque Dolores, e se transferiram para uma fazenda em Colma. Alguns anos mais tarde, a Arquidiocese de São Francisco criou o "Holy Cross Cemetery" ("Cemitério de Santa Cruz"), em Colma.
Foi assim que em 1924, cerca de 14 associações de cemitérios fundaram a cidade de Lawndale (nome original de Colma). A única cidade fundada com o único propósito de preservar e proteger os mortos. Os fundadores tinham boas razões para ser bem sinceros sobre o propósito da nova cidade, visto que muitos dos restos mortais que foram parar em Colma, tinham sido realocados por diversas vezes. Eles não queriam que ninguém vivesse em Colma, exceto se fosse uma floricultura ou com alguma finalidade relacionada a cemitérios (muito embora não seja bem essa a realidade hoje em dia).
Ao final desse processo, cerca de 150.000 corpos foram desenterrados dos quatro grandes cemitérios de São Francisco e realocados em Colma. A exumação e transporte dos corpos, no geral, foi uma operação muito sofisticada para a época. Se o caixão estivesse em bom estado, eles o transportavam juntamente com o corpo. Se o caixão havia se deteriorado com o tempo, os ossos eram colocados em caixas. Os restos mortais eram obrigados a serem levados por um carro fúnebre no mesmo dia da exumação. A Igreja Católica também exigiu a presença de um sacerdote para testemunhar a exumação de corpos de alguns cemitérios, como foi o caso do "Calvary Cemetery" ("Cemitério do Calvário", em português).
Quando os cemitérios de São Francisco deixaram a cidade, os corpos foram transportados gratuitamente, porém o mesmo não se podia dizer a respeito das lápides. Se o corpo possuísse algum familiar ainda vivo, o mesmo teria que custear o transporte da lápide. Muitos parentes não puderam ser encontrados,e a maioria das lápides não seguiram viagem para Colma. Em vez disso, cada uma delas foram vendidas por alguns míseros centavos para serem utilizadas em obras públicas.
Criptas inestimáveis, túmulos e mausoléus particulares foram praticamente "saqueados" sem a menor cerimônia, e utilizadas na construção de quebra-mares na Baía de São Francisco, e até mesmo em um Iate Clube da cidade. As lápides descartadas foram utilizadas para construir um dique, sendo que de tempos em tempos ela ressurgem em praias, assim como aconteceu em "Ocean Beach" em 2012. E como se tudo isso não bastasse, foram deixados milhares de corpos para trás.
Em 1950, durante a construção da Biblioteca Glesson, que pertence a Universidade de São Francisco, e que por sua vez foi praticamente construída sobre o Cemitério Maçônico, pelo menos 200 corpos foram encontrados durante as escavações. Em 1966, durante a construção do Dormitório Estudantil Hayes-Healy, também na Universidade de São Francisco, os operários encontraram muitos ossos e crânios, tantos que eles se recusaram a continuar trabalhando até que os restos mortais fossem transferidos para outro local. Em 2011, quando as escavações começaram para construção do Centro de Ciência e Inovação, cerca de 55 caixões, 29 esqueletos e diversos crânios foram descobertos na mesma área universitária.
Uma das descobertas mais surpreendentes aconteceu em 1993, quando um museu de artes de São Francisco chamado "Legion of Honor" passou por uma reforma para protegê-lo de abalos sísmicos. Quando as escavações começaram, cerca de 750 corpos que pertenciam ao antigo Cemitério Golden Gate, que foi utilizado de 1868 a 1909, foram descobertos. Cerca de 18.000 pessoas tinham sido enterradas no local.
A verdade é que São Francisco nunca contou exatamente os seus mortos, e não se sabe exatamente quantos ainda existem debaixo de seu solo, visto que a qualquer momento, basta uma simples reforma de uma casa ou a construção de um novo empreendimento, que novas descobertas podem ser feitas.
Quem é "Miranda"? Quem é aquela garotinha que acreditam ter apenas 3 anos de idade, que nos fez querer estar em seu "segundo funeral" ao longo de toda essa postagem? Não sei quanto a vocês, mas eu me emocionei por duas vezes em traduzir e escrever todo esse texto, e isso me fez questionar as razões pelas quais "Miranda" estava justamente quieta, repousando ao longo de décadas embaixo de uma casa onde um dia, uma menina igual a ela nasceria e seria mãe de outras duas crianças. Não é de hoje que "Miranda" havia encontrado seu lar, visto que ela sempre esteve no lugar certo. E mesmo que seu destino a tenha feito passar pelas mãos sórdidas de empreiteiros ao longo das décadas, ainda sim ao final de tudo isso ela se encontraria em mãos abençoadas de uma mãe, que ao se deparar com seu corpo dormindo profundamente em sua última morada, a adotou como filha, assim como aqueles que um dia a amaram em vida.
Miranda não é apenas um corpo dentro de um caixão, ela é uma reflexão sobre nós mesmos e os valores que damos as pessoas as quais amamos. Ela é um símbolo de todo um processo que aconteceu na cidade de São Francisco durante o início do século 20, onde mais de 150.000 corpos de pessoas foram realocados sumariamente em outros locais, até que finalmente pudessem ter um relativo descanso em uma cidade fundada somente para eles. Infelizmente, sepultamentos coletivos fizeram parte desse mesmo processo, e muitas lápides foram perdidas pelo descaso das autoridades públicas na época. Sinceramente, com a opinião pública norte-americana e o conhecimento científico que temos hoje em dia, essa história talvez não se repetisse com tanta facilidade em São Francisco. Porém, a ponta do icerberg exposta pelo gélido corpo de Miranda, dentro de um caixão de bronze, não reflete essa opinião. A prefeitura da cidade de São Francisco simplesmente lavou suas mãos diante de um problema visivelmente muito mal administrado por eles mesmos por mais de um século. Não importa quem assume, se deseja ocupar o cargo para gerenciar uma cidade, que aceite também toda sua história.
Talvez nunca saibamos a real história por trás de Miranda, quem eram seus pais, do que ela morreu, e o quão feliz ela pode ter sido durante sua breve estadia nessa terra. A cidade que tentou ocultar seus mortos, fingindo que eles não eram de sua responsabilidade continua fazendo descobertas. Essas descobertas possuem um nome, uma vida, uma família, uma história que muitas vezes jamais será lembrada novamente. Tenho certeza que se nesse caixão houvesse algumas moedas de ouro, mesmo que fossem poucas, rapidamente apareceria alguém da administração pública para confiscá-las em "nome do interesse público", e prontamente a sepultariam de forma simbólica para demonstrarem sua gratidão. O caixão de Miranda não reluzia tanto quanto gostariam, porém ele refletia a dignidade de muitos dos novos moradores de São Francisco, que não aceitaram ou não se esconderam atrás de uma hipocresia histórica, e foram atrás para devolver a tão almejada paz para aquela menina. A verdade é que Miranda não faz mais parte da cidade de São Francisco, ela faz parte, ainda que uma pequena parte, de cada um de nós.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://sanfrancisco.cbslocal.com/2016/05/24/san-francisco-young-girl-miranda-casket-discover/
http://touch.latimes.com/#section/-1/article/p2p-87357464/
http://viagem.uol.com.br/noticias/2015/03/13/cidade-da-california-tem-quase-1000-mortos-para-cada-morador.htm
http://ww2.kqed.org/news/2015/12/16/why-are-so-many-dead-people-in-colma-and-so-few-in-san-francisco
http://www.dailymail.co.uk/news/article-3612053/145-year-old-coffin-young-girl-San-Francisco-home.html
http://www.inquisitr.com/3142125/145-year-old-coffin-of-little-girl-with-rose-in-hand-found-under-san-francisco-home/
http://www.insideedition.com/headlines/12775-meet-the-woman-who-organizes-funerals-for-children-who-were-abandoned-after-they-died
http://www.ktvu.com/news/145216662-story
http://www.nytimes.com/2016/02/06/sports/football/the-town-of-colma-where-san-franciscos-dead-live.html
http://www.sfgate.com/bayarea/article/Little-girl-rose-still-in-hand-found-in-coffin-7943552.php#photo-7897259
http://www.sfhistoryencyclopedia.com/articles/c/cemeteries.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Colma,_California
Quando alguém procura por informações sobre a cidade de São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos, principalmente pela internet, provavelmente irá encontrar informações belíssimas sobre as colinas, as manhãs nebulosas, o céu azul, o vento e o sol radiante, que fazem parte do cotidiano dos moradores dessa cidade localizada na Costa Oeste dos Estados Unidos. Uma cidade linda que encanta pela arquitetura, música, artes, gastronomia, parques, passeios e estilo de vida. A cidade foi construída em meio as montanhas sendo banhada pelo fantástico oceano Pacífico.
Dizem que seus moradores são criativos, liberais, divertidos e alegres, e suas ruas são cheias de cor, música e beleza. É possível até mesmo encontrar, que a cidade é um lugar onde "falsos moralismos não tem vez", e que recebe bem a todos, independentemente de suas preferências religiosas, sexuais ou culturais. A cidade oferece uma agenda cultural incrível, restaurantes deliciosos, transporte público eficiente e charmoso, sendo localizada apenas algumas horas de carro de regiões vinícolas mundialmente conhecidas, e lindas cidades costeiras. As ladeiras da cidade também já foram palco de inúmeros filmes e séries mundialmente conhecidas, produzidas evidentemente por Hollywood, que sempre a exaltou como um orgulho norte-americano.
Quase esquecemos da "Ponte Golden Gate", que liga a cidade a Sausalito, na região metropolitana de São Francisco. A ponte é o principal cartão postal da cidade, uma das mais conhecidas construções dos Estados Unidos, e é considerada uma das "Sete Maravilhas do Mundo Moderno" pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis. Sinceramente, diante de tantas informações desse gênero, quem não gostaria de morar em uma cidade assim, mesmo correndo o risco intríseco de estar dormindo sobre a Falha de San Andreas, que já praticamente destruiu a cidade em 1906, ao longo de intermináveis 28 segundos. E se você achava que o único problema debaixo da terra de São Francisco era uma falha geológica, bem você se engana.
Imagine que você contratou uma empresa para reformar a casa em que morou durante toda a sua infância, mas você atualmente vive em outro lugar enquanto a reforma não termina, em um outro estado. Um belo dia você está preparando o almoço ou o jantar para seus filhos, a cerca de milhares de quilômetros de distância do local onde antigamente morava, e o seu telefone toca. Na linha está um dos operários que trabalha em sua reforma, e ele simplesmente diz que encontraram um pequeno caixão de bronze, e dentro dele jaz o corpo de uma menina, praticamente preservado, de cachinhos dourados e segurando uma rosa vermelha na mão. Você corre até o local, entra em contato com a prefeitura, e ela simplesmente diz que o problema é seu. Além disso, você descobre que ela é apenas "um corpo" deixado para trás, de uma imensa e antiga operação que removeu cerca de 150.000 corpos da cidade de São Francisco no início do século 20, porque os cemitérios estavam ocupando muito espaço, e atrapalhando os negócios de empresários locais. Parece loucura? Acredite, tudo isso aconteceu de verdade. Vamos saber mais sobre esse assunto?
A Saga de uma Menina que Passou a Ser Chamada de "Miranda", e que Foi Encontrada Dentro de Seu Caixão na Cidade de São Francisco, nos Estados Unidos
Tudo começou quando uma mulher chamada Ericka Karner, decidiu reformar a casa onde mora desde a sua infância, na região de Lone Mountain, no Distrito de Richmond, nas proximidades do Parque Rossi, na cidade de São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos. Ela contratou uma empresa para realizar as obras, e tudo parecia transcorrer bem, quer dizer, ao menos até o dia 9 de maio desse ano.
Os operários estavam trabalhando na garagem de sua casa, após remover todo o concreto que havia no local, quando suas pás bateram em algo muito estranho. Obviamente, eles foram olhar mais de perto para ver do que realmente se tratava, e para o espanto deles, se tratava de um pequeno caixão feito de metal.
Imagem do Google Maps mostrando a localização do Distrito de Richmond, em São Francisco, nos Estados Unidos |
"Todo o cabelo ainda estava lá. As unhas estavam lá. Havia flores, rosas, ainda no corpo da criança. Era algo admirável de se ver", completou.
As duas janelas do caixão, que tinha por volta de 1 metro de comprimento, revelavam a pele perfeitamente preservada, os cabelos loiros e cacheados da menina, que usava um vestido longo e branco, com flores de lavanda tecendo o seu cabelo encaracolado. Colocado sobre o coração havia uma cruz feita com mais flores de lavanda, sendo que folhas de eucalipto ornamentavam as laterais de seu corpo. A criança estava segurando uma rosa vermelha na mão direita, e não havia nada escrito em seu caixão forrado com um veludo de cor roxa, que pudesse ajudar a identificá-la. Acreditava-se apenas que tivesse morrido, devido ao seu tamanho e aparência, quando tinha apenas 3 anos de idade.
Diante de uma situação dessas, eles fizeram o que qualquer pessoa faria. Eles ligaram para a proprietária da casa, Ericka Karner, que está morando no estado do Idaho, com seu marido e suas duas filhas, enquanto a reforma não termina. Ao chegar no local ela teve uma surpresa, e foi questionada por Kevin Boylan, que estava tão espantando quanto ela.
"Você faz ideia do que é isso? Acreditamos que é um caixão", contou Ericka Karner sobre a pergunta que Kevin Boylan fez para ela ao chegar no local, em entrevista pelo Skype para a KPIX 5, emissora local da TV, afiliada da CBS.
"Por um lado, era um pouco assustador, mas por outro era bem triste. A questão era: 'O que vamos fazer agora?’", disse Ericka Karner, em entrevista para a KTVU.
Os operários estavam trabalhando na garagem da casa de Ericka Karner, após remover todo o concreto, que havia no local, quando suas pás bateram em algo muito estranho |
Obviamente, eles foram olhar mais de perto para ver do que realmente se tratava, e para o espanto deles, se tratava de um pequeno caixão feito de metal |
Foto do crematório do Antigo Cemitério dos Odd Fellows, em São Francisco, nos Estados Unidos |
Entretanto, o espanto de Ericka Karner não terminaria ao encontrar aquele pequeno caixão debaixo de sua garagem. Evidentemente, ela ligou para as autoridades competentes, mais precisamente para o "Escritório do Médico Legista de São Francisco" (algo equivalente ao que conhecemos como Instituto Médico Legal, o IML, aqui no Brasil). Por mais surreal que isso possa parecer, ela foi informada que o corpo daquela criança era sua responsabilidade, ou seja, ela que deveria arcar com todos os custos e providenciar um "segundo sepultamento" daquela criança. Assista a reportagem feita sobre esse caso pela KPIX 5 (em inglês):
Para piorar a situação, o selamento que havia sido feito no pequeno caixão de bronze foi rompido, não pelos operários da obra, muito menos pela Sra. Harner, mas com as ordens do médico legista chefe, que por alguma razão queria ver o que realmente havia dentro do caixão. Com isso, tudo o que havia sido feito no passado, para preservar o corpo de "Miranda", se perdeu e seu frágil e pequeno corpo começou a se deteriorar. Em um comunicado, o porta-voz do "Escritório do Médico Legista de São Francisco" disse que eles apenas tinham coberto as janelas do caixão, cujos vidros tinham sido removidos anteriormente, muito embora as imagens não mostrem bem isso.
"Sendo mãe, é impensável e triste, que uma criança pudesse ter sido deixada para trás dessa forma", disse Ericka Karner, em entrevista para o jornal "Los Angeles Times".
A cidade de São Francisco se recusou a assumir a custódia do corpo da pequena criança, que passou então a ser chamada de "Miranda", nome esse dado pelas duas filhas de Ericka Karner. A Sra. Harner diante daquela situação faria o que qualquer mãe faria, ou seja, queria dar um enterro digno para "Miranda", porém isso não seria possível sem um atestado de óbito. E foi justamente nesse ponto que começou mais uma triste parte de toda essa história.
Ericka Karner entrou em contato com funerária na cidade de Colma, que para cuidar de todos os procedimentos para a realização de um novo funeral, passou para ela um valor de US$ 7.000 (cerca de R$ 25.000 pela cotação atual) pelos serviços funerários. A situação iria piorar, porque ao entrar em contato com uma empresa de cunho arqueológico de East Bay, a mesma passou um valor de US$ 22.000 (cerca de R$ 77.000) para realizar os mesmos procedimentos. Ericka Karner mora desde 1976 na mesma casa, e tem como principal renda, a venda de biscoitos, ou seja, valores muito acima de suas reais possibilidades.
Vista aérea de uma parte da cidade de Colma, próxima a cidade de São Francisco, nos Estados Unidos |
"Não conseguíamos ter um atestado de óbito. Isso nos colocou em uma posição de, infelizmente, ter que colocá-la em nosso quintal, e me sentindo horrível por ser mãe, e saber que era uma criança pequena", disse Ericka Karner, em entrevista para a KPIX 5. Como mãe ela não podia suportar a ideia de deixar o corpo de uma criança, completamente sozinha, no quintal de sua casa, sem ninguém para cuidar dela.
"Parece definitivamente ser a política de cidade, que o corpo seja de responsabilidade do proprietário da casa", contou Ericka, que naquela altura dos acontecimentos já estava sem saber mais o que fazer, em entrevista para a KTVU.
Desesperada, ela entrou em contato com a prefeitura da cidade de São Francisco, que disse que não poderia fazer nada por ela, mas a orientou a procurar a "Garden of Innocence" ("Jardim dos Inocentes", em português), uma organização sem fins lucrativos, que oferece funerais para crianças não identificadas, localizada nos arredores da cidade de San Diego, na Califórnia, cuja fundadora se chama Elissa Davey.
"Essa menina era filha de alguém. Você precisa fazer a coisa certa. Ela não tinha voz, então precisávamos dar uma voz a ela", disse Elissa Davey, em entrevistas para o SFGate e KTVU.
Elissa Davey entrou em contato com os Odd Fellows, que concordaram em fornecer os recursos financeiros necessários para a realização de um novo funeral. O caixão de "Miranda" foi recolhido pela "Garden of Innocence", e está sendo mantido temporariamente em uma câmara mortuária na cidade de Fresno, na Califórnia, na tentativa de ainda preservar seu o corpo.
Elissa Davey, fundadora do "Garden of Innocence" ("Jardim dos Inocentes", em português) |
"Só de olhar para a forma como eles a vestiram. A tristeza deles foi muito grande. Vamos amá-la da mesma forma", continuou.
Elissa Davey contratou sua sobrinha para que fabricasse um segundo caixão feito de madeira de bordo (maple), que fosse grande o suficiente para então colocar o caixão original de "Miranda" dentro dele.
"Não quero que ela seja ainda mais pertubada do que já foi", acrescentou.
Na semana que vem, Elissa Davey irá até a cidade de São Francisco para uma reunião com representantes dos Odd Fellows para providenciar um funeral para a menina, que está sendo planejado para o mês que vem no Parque Memorial Greenlawn, na cidade de Colma, isso se a organização receber uma autorização de sepultamento por parte das autoridades de São Francisco, é claro. Ela também tem como objetivo, ao menos tentar identificar a menina, por mais que essa seja uma árdua tarefa.
Sinceramente, AssombradOs, não sei nem o que dizer nesse momento para vocês. Quero apenas continuar um pouco dessa história, e contar para vocês sobre quem é Elissa Davey, o "Garden of Innocence", e um breve resumo sobre a sombria história, que muito provavelmente deu origem a tudo isso.
Um Pouco do Trabalho de Elissa Davey e do "Garden of Innocence"
Quando Elissa Davey, que trabalha como genealogista, leu um artigo de jornal, no ano de 1998, sobre o corpo de um bebê, um menino, que foi simplesmente jogado em uma lata de lixo no campus de uma univesidade, ela não conseguiu esquecer a sua história.
Um mês depois, ligou para o médico legista do condado, perguntando o que tinha acontecido com o corpo do bebê, e ele lhe disse que ainda tinha o corpo, ou seja, mesmo depois de todo aquele tempo ainda não havia sido reclamado. Porém, o corpo da criança iria para uma sepultura não identificada ("sepultura de indigentes", por mais que eu não goste desse nome) caso ninguém aparecesse para reclamar o corpo. Então, contrariando toda a lógica diante de casos assim, Elissa Davey perguntou o que ela precisa fazer para reclamar o corpo de uma criança que simplesmente não era dela, e poder enterrá-la.
Elissa Davey, que tem cinco netos e dois bisnetos, fundou por conta própria o "Garden of Innocence" para abrigar os restos mortais de crianças, que nunca foram reclamados. Desde a leitura daquele artigo de jornal em 1998, ela e sua equipe de voluntários forneceram cerca de 327 serviços memoriais e funerais de crianças em 11 "jardins" por toda a Califórnia. Assista a um vídeo publicado pela própria Elissa Davey em sua conta no Youtube, em dezembro do ano passado:
"Sentimos que essas crianças merecem ter sua jornada concluída. Para nós isso é coisa certa a ser feita", disse Elissa Davey, em entrevista o site InsideEdition.com, em novembro de 2015.
As crianças recebem nomes e, em seguida, seus corpos são colocados dentro de pequenos caixões de madeira, que são feitos por escoteiros. |
Cada corpo tem sua própria história. Um deles foi deixado em um rio, outros foram vítimas de assassinato, e alguns nasceram prematuramente, sendo abandonados por suas famílias nos hospitais. Contudo, o "Garden of Innocence" não compartilha os detalhes nos serviços memoriais, em vez disso, eles preferem se concentrar apenas nas crianças.
"Não sabemos as razões pelas quais os pais abandonam seus filhos e não questionamos isso. Não é essa a história que temos para contar. Focamos apenas no presente", contou Elissa Davey.
As crianças recebem nomes e, em seguida, corpos são colocados dentro de pequenos caixões de madeira, que são feitos por escoteiros, e posteriormente são forrados com rendas através de voluntários. Cada criança recebe um cobertor feito à mão, uma pelúcia e um poema personalizado. Policiais, militares e até mesmo moradores locais comparecem aos funerais, que acabam sendo divulgados de boca em boca, e que chegam a contar com mais de 300 pessoas. Cantores e músicos também tocam para o público presente.
"Salvamos a vida das pessoas dando-lhes uma razão para viver. Estamos ajudando os vivos, os mortos, e as pessoas que estão sofrendo", continuou.
Women of Worth" ("Mulheres de Valor", em uma tradução livre para o português) devido ao seu trabalho, porém, na época ela disse que tudo isso era apenas o começo. Assim que ela conseguisse mais recursos financeiros, eles esperavam que fosse criados mais jardins, para que pudessem levar conforto e paz para o restante dos Estados Unidos.
"Certa vez perguntei aos voluntários que revestiam os caixões: O que vocês estavam pensando enquanto faziam isso? Eles disseram: 'Foi a coisa mais tranquila que nós já fizemos. Para nós, isso é o verdadeiro significado do jardim'", completou.
"Quando você tiver um problema, vá ao jardim. Vá e diga às crianças. Você vai se sentir melhor", finalizou Elissa Davey.
Não sei se vocês estão tão emocionados quanto estou nesse momento ao escrever diante de uma tela em branco, e tentando repassar a vocês a maior fidelidade possível das palavras de cada pessoa envolvida nessa história. Porém, precisamos dizer a razão pela qual "Miranda" foi encontrada debaixo da garagem Ericka Karner, uma históra na qual muitos de vocês não fazem ideia que um dia aconteceu.
Um Breve Resumo do Sombrio Passado que o Solo de São Francisco Esconde de Seus Novos Moradores
A pequena cidade de Colma, fica localizada ao sul da cidade de Daly, no Condado de Sao Mateo, na Califórnia. Segundo o último censo realizado em 2010, a cidade conta com pouco menos de 2.000 habitantes, porém, nem de longe essa é uma cidade comum, como tantas outras dos Estados Unidos.
Imagem do Google Maps mostrando a distância entre a cidade de Colma e a cidade de São Francisco |
Quase três quartos da cidade que possui uma extensão territorial de aproximadamente 5.697.974 m² está coberta por cerca de 17 cemitérios, que abrigam um vertiginoso número entre 1,5 e 2 milhões de corpos. Isso mesmo que você leu, não errei nessa conta.
Cemitério Nacional de São Francisco, que fica localizado no Parque Presidio, uma antiga aérea militar da cidade, portanto tecnicamente é um cemitério federal (do próprio governo norte-americano). O único cemitério da cidade seria apenas o "Mission Dolores", porém atualmente ele ocupa apenas um sexto de seu tamanho original, sendo que 11.000 corpos tinham sido enterrados no local entre os anos de 1782 e 1898.
Pode parecer estranho, mas um dia a cidade de São Francisco já esteve repleta de cemitérios.
Durante o período da "Corrida do Ouro" (também conhecida como a "Febre do Ouro") na Califórnia, entre 1848 e 1855, as pessoas decidiram construir cemitérios na região oeste da cidade, onde na época ninguém jamais iria querer viver. Quatro grandes cemitérios foram construídos: Laurel Hill, Calvary, o "The Independent Order of Odd Fellows" (Cemitério dos Odd Fellows) e o "Masonic Cemetery" (Cemitério Maçônico). Eles ocupavam o espaço onde atualmente está localizada a Universidade de São Francisco.
O Cemitério Golden Gate, exibido em um mapa de 1876, por William P. Humphreys & Co. |
"Os cientistas alertaram que doenças relacionadas a garganta, constantemente se tornam algo do tipo maligno... quando os pacientes são expostos a um vento que sopra de um cemitério lotado", escreveu Michael Svanevik e Shirley Burgett, em um livro chamado "Cidade das Almas", publicado em janeiro de 1995. Resumindo, uma onda de boatos assustadores começou a se espalhar por São Francisco.
Entretanto, essa proibição gerou um problema ainda maior. Depois que a cidade São Francisco proibiu novos enterros, não havia dinheiro para cuidar dos cemitério existentes, e muitos cemitérios simplesmente caíram em ruínas. Estátuas e lápides foram derrubadas. Os valiosos portões de bronze de mausoléus particulares foram roubados. Segundo informações da época, as pessoas ficavam vagando totalmente bêbadas dentro dos cemitérios, e até mesmo participavam de orgias sexuais durante as madrugadas. Esqueletos inteiros foram levados para serem utilizados como "decoração de Halloween" por muitos moradores locais, e houve relatos que pessoa jogavam futebol com crânios, que davam lugar as bolas de futebol. Um verdadeiro caos se instaurou nos prestigiados cemitérios da cidade ao longo do tempo.
Sem dinheiro para custear as devidas manutenções, cemitérios como o de Laurel Hill (na foto) rapidamente se deterioraram |
Foi assim que em 1924, cerca de 14 associações de cemitérios fundaram a cidade de Lawndale (nome original de Colma). A única cidade fundada com o único propósito de preservar e proteger os mortos. Os fundadores tinham boas razões para ser bem sinceros sobre o propósito da nova cidade, visto que muitos dos restos mortais que foram parar em Colma, tinham sido realocados por diversas vezes. Eles não queriam que ninguém vivesse em Colma, exceto se fosse uma floricultura ou com alguma finalidade relacionada a cemitérios (muito embora não seja bem essa a realidade hoje em dia).
Ao final desse processo, cerca de 150.000 corpos foram desenterrados dos quatro grandes cemitérios de São Francisco e realocados em Colma. A exumação e transporte dos corpos, no geral, foi uma operação muito sofisticada para a época. Se o caixão estivesse em bom estado, eles o transportavam juntamente com o corpo. Se o caixão havia se deteriorado com o tempo, os ossos eram colocados em caixas. Os restos mortais eram obrigados a serem levados por um carro fúnebre no mesmo dia da exumação. A Igreja Católica também exigiu a presença de um sacerdote para testemunhar a exumação de corpos de alguns cemitérios, como foi o caso do "Calvary Cemetery" ("Cemitério do Calvário", em português).
Quando os cemitérios de São Francisco deixaram a cidade, os corpos foram transportados gratuitamente, porém o mesmo não se podia dizer a respeito das lápides. Se o corpo possuísse algum familiar ainda vivo, o mesmo teria que custear o transporte da lápide. Muitos parentes não puderam ser encontrados,e a maioria das lápides não seguiram viagem para Colma. Em vez disso, cada uma delas foram vendidas por alguns míseros centavos para serem utilizadas em obras públicas.
Trabalhadores removendo os corpos do cemitério dos Odd Fellows |
Em 1950, durante a construção da Biblioteca Glesson, que pertence a Universidade de São Francisco, e que por sua vez foi praticamente construída sobre o Cemitério Maçônico, pelo menos 200 corpos foram encontrados durante as escavações. Em 1966, durante a construção do Dormitório Estudantil Hayes-Healy, também na Universidade de São Francisco, os operários encontraram muitos ossos e crânios, tantos que eles se recusaram a continuar trabalhando até que os restos mortais fossem transferidos para outro local. Em 2011, quando as escavações começaram para construção do Centro de Ciência e Inovação, cerca de 55 caixões, 29 esqueletos e diversos crânios foram descobertos na mesma área universitária.
Diagrama mostrando onde alguns dos restos mortais de pessoas que tinham sido enterradas no Cemitério Golden Gate foram encontrados durante uma reforma no "Legion of Honor", em 1993 |
Restos mortais encontrados durante a reforma do "Legion of Honor", em 1993 |
Comentários Finais
Quem é "Miranda"? Quem é aquela garotinha que acreditam ter apenas 3 anos de idade, que nos fez querer estar em seu "segundo funeral" ao longo de toda essa postagem? Não sei quanto a vocês, mas eu me emocionei por duas vezes em traduzir e escrever todo esse texto, e isso me fez questionar as razões pelas quais "Miranda" estava justamente quieta, repousando ao longo de décadas embaixo de uma casa onde um dia, uma menina igual a ela nasceria e seria mãe de outras duas crianças. Não é de hoje que "Miranda" havia encontrado seu lar, visto que ela sempre esteve no lugar certo. E mesmo que seu destino a tenha feito passar pelas mãos sórdidas de empreiteiros ao longo das décadas, ainda sim ao final de tudo isso ela se encontraria em mãos abençoadas de uma mãe, que ao se deparar com seu corpo dormindo profundamente em sua última morada, a adotou como filha, assim como aqueles que um dia a amaram em vida.
Miranda não é apenas um corpo dentro de um caixão, ela é uma reflexão sobre nós mesmos e os valores que damos as pessoas as quais amamos. Ela é um símbolo de todo um processo que aconteceu na cidade de São Francisco durante o início do século 20, onde mais de 150.000 corpos de pessoas foram realocados sumariamente em outros locais, até que finalmente pudessem ter um relativo descanso em uma cidade fundada somente para eles. Infelizmente, sepultamentos coletivos fizeram parte desse mesmo processo, e muitas lápides foram perdidas pelo descaso das autoridades públicas na época. Sinceramente, com a opinião pública norte-americana e o conhecimento científico que temos hoje em dia, essa história talvez não se repetisse com tanta facilidade em São Francisco. Porém, a ponta do icerberg exposta pelo gélido corpo de Miranda, dentro de um caixão de bronze, não reflete essa opinião. A prefeitura da cidade de São Francisco simplesmente lavou suas mãos diante de um problema visivelmente muito mal administrado por eles mesmos por mais de um século. Não importa quem assume, se deseja ocupar o cargo para gerenciar uma cidade, que aceite também toda sua história.
Talvez nunca saibamos a real história por trás de Miranda, quem eram seus pais, do que ela morreu, e o quão feliz ela pode ter sido durante sua breve estadia nessa terra. A cidade que tentou ocultar seus mortos, fingindo que eles não eram de sua responsabilidade continua fazendo descobertas. Essas descobertas possuem um nome, uma vida, uma família, uma história que muitas vezes jamais será lembrada novamente. Tenho certeza que se nesse caixão houvesse algumas moedas de ouro, mesmo que fossem poucas, rapidamente apareceria alguém da administração pública para confiscá-las em "nome do interesse público", e prontamente a sepultariam de forma simbólica para demonstrarem sua gratidão. O caixão de Miranda não reluzia tanto quanto gostariam, porém ele refletia a dignidade de muitos dos novos moradores de São Francisco, que não aceitaram ou não se esconderam atrás de uma hipocresia histórica, e foram atrás para devolver a tão almejada paz para aquela menina. A verdade é que Miranda não faz mais parte da cidade de São Francisco, ela faz parte, ainda que uma pequena parte, de cada um de nós.
Até a próxima, AssombradOs.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://sanfrancisco.cbslocal.com/2016/05/24/san-francisco-young-girl-miranda-casket-discover/
http://touch.latimes.com/#section/-1/article/p2p-87357464/
http://viagem.uol.com.br/noticias/2015/03/13/cidade-da-california-tem-quase-1000-mortos-para-cada-morador.htm
http://ww2.kqed.org/news/2015/12/16/why-are-so-many-dead-people-in-colma-and-so-few-in-san-francisco
http://www.dailymail.co.uk/news/article-3612053/145-year-old-coffin-young-girl-San-Francisco-home.html
http://www.inquisitr.com/3142125/145-year-old-coffin-of-little-girl-with-rose-in-hand-found-under-san-francisco-home/
http://www.insideedition.com/headlines/12775-meet-the-woman-who-organizes-funerals-for-children-who-were-abandoned-after-they-died
http://www.ktvu.com/news/145216662-story
http://www.nytimes.com/2016/02/06/sports/football/the-town-of-colma-where-san-franciscos-dead-live.html
http://www.sfgate.com/bayarea/article/Little-girl-rose-still-in-hand-found-in-coffin-7943552.php#photo-7897259
http://www.sfhistoryencyclopedia.com/articles/c/cemeteries.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Colma,_California