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Será Verdade que um Adolescente Canadense de Apenas 15 Anos Realmente Descobriu uma Cidade Maia Perdida?

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Por Marco Faustino

Havia muito tempo que eu não publicava nada no âmbito da Arqueologia. Se não me falha a memória, a última vez que abordei algum "assunto arqueológico" foi na postagem sobre "O Estranho Caso Sobre a Suposta 'Esfera Misteriosa' Encontrada em uma Floresta na Bósnia". Entretanto, o estudo das antigas sociedades e culturas humanas por meio de vestígios deixados por elas, assim como por objetos fabricados e utilizados no passado, se baseando principalmente no conhecimento histórico, é algo que sempre me fascinou. Não é toa que esse ano tivemos notícias e matérias muito interessantes sobre os mais diversos assuntos: as supostas ruínas de antiga civilização na Antártida, a polêmica "Cidade do Deus Macaco" em Honduras, e até mesmo ajudamos a revelar a farsa em torno da suposta espada romana que teria sido encontrada em Oak Island. Convido a vocês acessarem as postagens mencionadas acima, para que vocês possam conferir que tratamos a Arqueologia com muita seriedade, e sempre tentamos trazer o conteúdo mais completo possível para que vocês possam formar suas próprias opiniões.

Dessa vez iremos comentar sobre um caso que desde o dia 10 de maio praticamente viralizou na mídia internacional, em sites como a BBC, Daily Mail e Popular Mechanics, assim como no Brasil, por intermédio de sites como o Portal G1, Yahoo, Rede TV, Revista Veja, entre tantos outros. O motivo de tanta repercussão? Segundo o que foi inicialmente noticiado, um garoto canadense de apenas 15 anos de idade teria descoberto uma antiga cidade maia, considerada perdida, sem sair de sua própria casa. Seu nome era William Gadoury, e ele teria comparado o mapa celeste dos maias, formado por cerca de 22 constelações, com o das 117 cidades já conhecidas. Para sua surpresa, cada estrela dava a "localização exata" de uma cidade - as mais brilhantes correspondiam às maiores, as menos brilhantes, às menores. Essa relação nunca teria sido percebida antes, mesmo após décadas de estudos.

Ao longo de seu estudo, o jovem canadense viu que apenas uma estrela, das três estrelas das quais uma 23ª constelação era composta, não apontava para nenhuma cidade maia. Ao consultar o Google Earth ele teria encontrado uma espécie de construção na região onde suas coordenadas, referentes a essa mesma estrela, apontavam. Inclusive "isso teria sido confirmado pela NASA, a Agência Espacial Canadense, e até mesmo a Agência Espacial Japonesa (JAXA)". Entretanto, poucas horas depois desse assunto tomar uma proporção muito maior do que o esperado, diversos arqueólogos entraram em cena para acalmar um pouco a euforia e a espectativa criada pela mídia, apontando que o garoto muito provavelmente teria encontrado apenas um antigo campo de cultivo de milho ou até mesmo uma mera plantação de maconha. Vamos saber mais sobre esse assunto?

Entenda Como Toda Essa História Começou


Se você pensa que todo esse caso começou a partir de algum tabloide do Reino Unido ou através de uma notícia publicada em algum site de notícias de cunho conspiratório, acredite, talvez você fique um pouco surpreso em saber que essa história é um pouco mais antiga do que estão dizendo por aí. Nessa postagem você vai entender toda a dinâmica de como um projeto de uma feira de ciências se tornou, da noite para o dia, e quase dois anos após sua apresentação, uma sensacional descoberta arqueológica nas mãos da mídia. Portanto, pegue sua pipoca e acompanhe o passo a passo dessa história.

William Gadoury, 15 anos, é morador de um pequeno município chamado Saint-Jean-de-Matha, que de acordo com o último censo realizado em 2011, possui cerca de 4.300 habitantes. O mesmo fica localizado a cerca de 102 km de distância da cidade de Montreal, na região de Lanaudière, na província de Quebec, no Canadá.

Vale ressaltar que Montreal é a maior cidade da província de Quebec (muito embora não seja sua capital, que é a cidade de Quebec), a segunda maior e uma das cidades mais bilíngues do Canadá, sendo que 56% da população (estatística referente ao ano de 2011) fala tanto o idioma inglês, quanto o francês (idioma oficial da província de Quebec).

Imagem do Google Maps mostrando a localização do município de Saint-Jean-de-Matha em relação
a Academia Antoine-Manseau, no município de Joliette, bem como Montreal, no Canadá
O jovem canadense atualmente cursa o 4º do Ensino Médio da Academia Antoine-Manseau, uma instituição de ensino particular e mista no município de Joliette, que fica localizado apenas a 30 km ao sul de Saint-Jean-de-Matha.

Foto de uma parte da fachada da Academia Antoine-Manseau, localizado no município de Joliette,
na província de Quebec, no Canadá
Entretanto, em julho de 2014, enquanto estava cursando o 2º ano do Ensino Médio, William Gadoury conquistou o primeiro lugar como "Recrue Génial" (uma espécie de prêmio de jovem revelação) da Feira de Ciências da Hydro-Québec, pelo seu projeto experimental na categoria Júnior de "Ciências da Terra e do Meio Ambiente", em sua final em Quebec (muito embora tivesse vencido também a final regional). Ele ainda recebeu o prêmio IGARRS 2014 do Simpósio Internacional de Geociências e Sensoriamento Remoto.

Danielle De Sève (à esquerda), pesquisadora do Instituto de Pesquisa de Hydro-Québec e membro do Comitê do Programa Técnico do IGARSS, ao lado de William Gadoury (à direita), vencedor do IGARSS 2014 oferecido conjuntamente pela SCT

Daniel Morin, diretor geral da CLMS, ao lado dos medalhistas da categoria Júnior (da esquerda para direita),
William Gadoury (ouro), Dominic Grenier e Olivier Lévesque (prata) e Félix Lapierre e Samuel Veillette (bronze)
Seu projeto denominado "Né du ciel" ("Nascidos do Céu", em uma tradução livre) contava com o seguinte resumo escrito pelo próprio William: "Descobri que os maias e algumas outras civilizações antigas posicionaram sua suas principais cidades em função do posicionamento das estrelas em suas respectivas constelações. De acordo com meus cálculos, a correlação entre a posição das estrelas e das cidades é superior a 95% de certeza".

William Gadoury e seu projeto denominado "Né du Ciel" ("Nascidos do Céu", em uma tradução livre)

William Gadoury disse ter descoberto que os maias e algumas civilizações antigas posicionaram sua suas principais cidades em função do posicionamento das estrelas em suas respectivas constelações. De acordo com seus cálculos, a correlação
entre a posição das estrelas e das cidades era superior a 95% de certeza.
Provavelmente você não sabia que ele tinha recebido essa premiação em razão do projeto que ele havia apresentado naquela época, mas ele não estava sozinho nessa história. Em 13 de novembro de 2014, a Agência Espacial Canadense (CSA) recebeu o jovem William Gadoury em sua sede no município de Saint-Hubert, também na província de Quebec, sendo que foi publicado algo bem interessante na própria página da agêncial espacial no Facebook.

Postagem realizada no dia 13 de novembro na página oficial da Agência Espacial Canadense, no Facebook
Confira a tradução do que eles publicaram:

"A Agência Espacial Canadense teve o prazer de receber hoje um convidado muito especial na hora do almoço! William Gadoury, um estudante de 14 anos da Academia Antoine Manseau, da cidade de Joliette, conquistou o primeiro lugar nas finais da Feira de Ciências da província de Quebec. Ele apresentou seu projeto na Conferência da IGARSS na Cidade de Québec no último mês de julho. Após esse evento, a CSA o convidou para compartilhar suas descobertas com os nossos funcionários.

O jovem William Gadoury (centro) apresentando seu projeto para funcionários da Agência Espacial Canadense


'Descobri que os maias e algumas outras civilizações antigas posicionaram sua suas principais cidades em função do posicionamento das estrelas em suas respectivas constelações. De acordo com meus cálculos, a correlação entre a posição das estrelas e das cidades é superior a 95% de certeza', disse William Gadoury.

William Gadoury (à esquerda) ao lado de Daniel le Lisle, gerente de projetos da Agência Espacial Canadense
A Agência Espacial Canadense forneceu ao William, imagens do RADARSAT-2 para ajudá-lo a encontrar uma cidade perdida. Parabéns a esta jovem cientista! Para maiores informações sobre o projeto (página parcialmente em francês), acesse: http://exposciences.qc.ca/en/awards-winners/winner/record/5087/ne-du-ciel."

Apesar das premiações e do reconhecimento por parte da Agência Espacial Canadense, que estimulou o jovem William Gadoury em sua análise ao correlacionar as estrelas às cidades maias, e até mesmo a outras civilizações, ninguém na época deu a menor importância para isso. Entretanto, após quase dois anos de sua apresentação em uma feira de ciências, e cerca de um ano e meio após mostrar seu trabalho na sede de CSA, um jornal de Montreal, querendo ou não, projetaria William Gadoury para o mundo.

A Notícia Publicada pelo "Le Journal de Montréal"


No dia 7 de maio desse ano (um sábado), o site do tabloide canadense "Le Journal de Montréal", considerado o jornal diário de maior circulação em língua francesa da América do Norte, publicou uma notícia com o seguinte título: "Un adolescent découvre une cité maya" ("Um adolescente descobre uma cidade maia", em português). O motivo da notícia era basicamente dizer que o William Gadoury estaria na Feira de Ciências Pancanadense, que será realizada entre 18 e 20 de maio desse ano, na Universidade McGill, cujo campus principal está localizado na cidade de Montreal, para explicar sua descoberta e também ser um dos representantes oficiais do evento.

O texto escrito pelo jornalista Michel Harnois dizia que um morador da província de Quebec, de apenas 15 anos de idade, havia descoberto uma nova cidade maia, até então desconhecida, graças a sua teoria que essa civilização tinha escolhido o local de suas cidades em razão do formato das constelações estelares.

No dia 7 de maio desse ano, o site do tabloide canadense "Le Journal de Montréal" publicou uma notícia com o seguinte título "Un adolescent découvre une cité maya" ("Um adolescente descobre uma cidade maia", em português). O motivo da notícia era basicamente dizer que o William Gadoury estaria na Feira de Ciências Pancanadense, que será realizada entre os dias 18 e 20 de maio desse ano, na Universidade McGill
Foi citado que William Gadoury, um adolescente do município de Saint-Jean-de-Matha, na região de Lanaudière, no Canadá, havia se tornado um pequeno astro da NASA, da Agência Espacial Canadense e também da Agência Espacial Japonesa, sendo que sua descoberta estaria prestes a ser difundida em uma revista científica, porém não foi citado o nome dessa publicação em questão.

De acordo com a notícia, William era um apaixonado pela civilização maia já tinha alguns anos, e foi assim que ele analisou cerca de 22 constelações maias, e percebeu que elas se correlacionavam com um mapa estelar de constelações, de modo que cada uma delas correspondiam as localizações de 117 cidades maias que são conhecidas atualmente. Nenhum cientista jamais havia encontrado tal correlação entre as estrelas e a localização das cidades maias.

Uma das Cinco Maiores Cidades Maias


A genialidade de William, no entanto, teria sido analisar uma 23ª constelação. Essa constelação possuía três estrelas e apenas duas cidades se correlacionavam em relação ao mapa utilizado. De acordo com sua teoria, deveria haver uma 118ª cidade maia em uma localização remota e inacessível na Península de Yucatán, no México. As análises realizadas a partir das imagens de satélites, de diferentes agências espaciais, revelaram que havia de fato uma pirâmide e trinta estruturas no exato local que tinha sido identificado pelo jovem.

Imagem do Google Maps com destaque para a Península de Yucatán, no México
O "Le Journal de Montréal" disse que teve acesso as imagens de satélite, nas quais eles puderam verificar diferentes estruturas do que pode ser uma antiga cidade.

"Formas geométricas, tais como quadrados ou retângulos, apareceram nessas imagens, formas geométricas que dificilmente podem ser atribuídas a fenômenos naturais", disse o Dr. Armand LaRocque, especialista em sensoriamento remoto da Universidade de New Brunswick, no Canadá, em entrevista para o jornal.

Aliás, William não teria apenas descoberto uma nova cidade, mas sim uma das cinco maiores cidades maias que já teriam sido catalogadas até hoje.

"Quando o Dr. LaRocque me disse em janeiro, que podíamos identificar uma pirâmide e trinta estruturas, foi extraordinário", disse William Gadoury, que nomeou a cidade perdida de "K’àak’ Chi’" ("Bouche de feu", em francês ou simplesmente "Boca de Fogo", em português, sendo que o nome original está no idioma utilizado pelos maias).

O Dr. Armand LaRocque, especialista em sensoriamento remoto da Universidade de New Brunswick, no Canadá
"Não entendia o porquê os maias construíam suas cidades longe dos rios, em terrenos pouco férteis ou montanhosos. Eles tinham que ter outra razão, e uma vez que eles adoravam as estrelas, tive a ideia de verificar a minha hipótese. Fiquei realmente surpreso e empolgado quando percebi que as mais brilhantes estrelas das constelações correspodiam às maiores cidades maias", completou.

O Jovem Canadense Deseja Visitar o Local


Por enquanto, ninguém disse que teria ido local, em meio a selva, para dar uma olhada na "Boca de Fogo".

"A questão sempre gira em torno do dinheiro. Organizar uma expedição custa terrivelmente caro", disse o Dr. Armand LaRocque.

O jovem disse que conversou com dois arqueólogos mexicanos, os quais ele apresentou o seu trabalho, mas ambos disseram que ainda não foram até o local. De qualquer forma, eles teriam prometido levá-lo quando fossem iniciar as escavações no local, visto que esse é o maior desejo do jovem canadense.

"Seria o auge dos meus três anos de trabalho, e o sonho da minha vida", disse William Gadoury.

As Estrelas Foram Fundamentais em sua Descoberta


Foi publicado que William Gadoury passou a se interessar pela civilização maia após a publicação do calendário maia, que supostamente anunciaria o fim do mundo em 2012. Assim sendo, o adolescente identificou 22 constelações no Códice Maia de Madri (também conhecido como Códex Maia de Madri).

Cenas representando as cobras trazendo a chuva no Códex Maia de Madri
Tenha em mente que o "Códex Maia de Madri"é o mais longo códice (no caso dos maias seria uma espécie de "livro dobrável" contendo manuscritos antigos) de apenas três códices pré-colombianos que teriam restado da civilização maia, e que foram levados para a capital espanhola pelos conquistadores. Seu conteúdo consistiria principalmente de almanaques e horóscopos usados para ajudar os sacerdotes maias na realização de suas cerimônias e rituais divinatórios.

O códice também conteria "tabelas astronômicas", embora em menor quantidade do que as encontradas nos outros dois códices maias. As imagens do "Códex Maia de Madri" retratariam rituais como de sacrifícios humanos e invocação de chuvas, bem como atividades do cotidiano, tais como a apicultura, caça, guerra e tecelagem. Seriam 112 páginas, anteriormente divididas em duas seções distintas e conhecidas como o Códice Troano e o Códex Cortesianus, sendo que teriam sido reunidas em 1888.

O Códex Maia de Madri pertence ao acervo do Museu das Américas, em Madri, na Espanha, sendo que
uma cópia idêntica ao original é que pemanece em exposição ao público


O Códex Maia de Madri está sob os cuidados do Museu das Américas, em Madri, na Espanha, sendo considerado a obra mais importante de seu acervo. Entretanto, o códice original não está em exposição devido à sua fragilidade, portanto uma cópia idêntica ao original é exibida em seu lugar.

Enfim, vamos voltar a notícia publicada pelo "Le Journal de Montréal". Quando William Gadoury correlacionou as estrelas dessas 22 constelações de modo a criar formas geométricas e aplicou transparências contendo as constelações em um mapa do Google Earth, ele descobriu que as mesmas correspondiam às cidades maias da Península de Yucatán.

Imagem do Google Earth mostrando o que seria uma pirâmide, que pertenceria a uma antiga cidade maia perdida,
exatamente no local onde, segundo William Gadoury, corresponderia a uma estrela de una 23ª constelação maia


Mais uma imagem divulgada pela mídia do local onde se encontraria as ruínas de uma antiga cidade maia perdida
Ao todo, 142 estrelas correspodiam a 117 cidades maias, sendo que as estrelas mais brilhantes estariam correlacionadas as maiores cidades. Além disso, o método utilizado por William funcionaria com civilizações astecas, incas e até mesmo com a civilização harappa (considerada a primeira civilização da Índia).

A 23ª Constelação


Lembra que comentamos sobre uma vigésima terceira constelação? Pois é, William Gadoury acabou encontrando a 23ª constelação que estava faltando em um livro sobre a civilização maia chamado "Les Trois Codex Mayas". Ao correlacionar as três estrelas, ele notou que estava faltando uma cidade maia no mapa. Ele compartilhou essa descoberta com a Agência Espacial Canadense que lhe forneceu as imagens de satélite da NASA e da JAXA, a agência espacial japonesa.

Ele também visitou uma centena de sites que compartilham imagens de satélites, permitindo assim que pudesse observar imagens que datavam de 2005, ano em que um grande incêndio devastou a região, ou seja, um evento que acabava tornando as ruínas de sua cidade perdida ainda mais visíveis.

Os Cientistas Ficaram Impressionados


De acordo com o "Le Journal de Montréal" os especialistas e cientistas eram unânimes, visto que a descoberta de William Gadoury seria excepcional.

"O que é fascinante em relação ao projeto do William, é a profundidade de sua pesquisa. Ao associar a posição das estrelas em relação a localização de uma cidade perdida, e utilizando de imagens de satélite de um pequeno território para identificar as ruínas enterradas sob a densa vegetação, é bem excepcional!", disse Daniel De Lisle, gerente de projetos da Agência Espacial Canadense. Como dissemos anteriormente, a agência espacial contribuiu para o avanço da pesquisa do jovem ao fornecer imagens de satélite que lhe permitiram encontrar a sua cidade perdida.

Daniel De Lisle, gerente de projetos da Agência Espacial Canadense
A notícia fez questão de mencionar que o Dr. Armand LaRocque, especialista em sensoriamento remoto da Universidade de New Brunswick, teria desempenhado um papel importante na análise das imagens de radar.

"A descoberta de estruturas humanas escondidas na selva de Yucatán não foi fácil, mas a utilização de imagens de satélite, bem como a contribuição do processamento digital de imagens ajudaram a identificar essas estruturas e confirmar a sua possível existência, apesar de terem sido esquecidas por centenas de anos", disse o Dr. Armand LaRocque. Veja abaixo a localização e as informações relacionadas a essa cidade perdida de acordo com o que foi inicialmente publicado.

Mapa publicado pelo "Le Journal de Montréal" mostrando a suposta localização
de uma cidade maia perdida, apelidada de "Boca de Fogo" por William Gadoury
  • Nome: Boca de Fogo
  • Pirâmide: 86 metros
  • Área total: Entre 80 e 120 km²
  • Localização: 17° Norte 90° Oeste
  • Vasto complexo de ruas e alamedas
  • 30 estruturas visíveis do espaço
  • 4ª maior cidade maia
Por fim, a notícia mencionou que até aquele momento, a escola havia custeado 100% das despesas de William Gadoury relacionadas as feiras de ciências, tanto regionais quanto nacionais. Apesar de sua descoberta o ter credenciado para participar da Feira Internacional de Ciências do Movimento Internacional para o Recreio Científico e Técnico (MILSET) em agosto de 2017, que acontecerá em Forteleza, aqui mesmo no Brasil, a Academia Antoine-Manseau tinhado esgotado o seu orçamento destinado à Ciência, e só poderia custear cerca de 50% de suas despesas. Portanto, na época faltavam cerca de US$ 1.000 para ele viesse ao Brasil. O texto mencionou o email do adolescente (não iremos repassar nessa postagem), para que as pessoas entrassem em contato, e fizessem doações para que o jovem representasse Quebec nesse evento.

Do Saint-Jean-de-Matha Para o Mundo: A Rápida Projeção de William Gadoury


Tudo o que foi escrito anteriormente é basicamente o texto publicado pelo tabloide "Le Journal de Montréal", exceto uma ou outra imagem e as informações bem básicas sobre o "Códex Maia de Madri", que foram adicionadas de modo a complementar um pouco a notícia, e evitar que vocês ficassem perdidos ao lerem a postagem. Caso não tenham entendido muito bem, fiquem calmos que simplificaremos tudo isso daqui a pouco. Aliás, caso queiram ver as imagens no Google Earth, basta inserirem as coordenadas 17°57'01.81"N, 90°10'30.42"W ou acessarem os seguintes links no Google Maps:

https://www.google.com/maps/@17.946608,-90.1679676,15z/data=!3m1!1e3?force=lite
https://www.google.com/maps/@17.0092921,-88.992173,13z/data=!3m1!1e3?force=lite

Aparentemente, a notícia teve uma grande repercussão no Canadá, bem como na França. Dezenas de sites de notícias de ambos os países, tais como a versão canadense do Huffington Post, o jornal francês Le Figaro, o Demotivateur, o L'Express, entre outros, rapidamente repercutiram a notícia. Outras centenas de usuários também compartilharam a notícia através das redes sociais, tais como o Facebook e o Twitter. Toda essa grande movimentação foi motivo de comemoração do "Le Journal de Montréal", que publicou uma outra notícia sobre o jovem canadense no dia 9 de maio, ou seja, segunda-feira passada, com o seguinte título: "Des demandes d’entrevue des quatre coins du monde" ("Pedidos de Entrevista dos Quatro Cantos do Mundo", em português).

Dezenas de sites de notícias do Canadá e da França, tais como a versão canadense do Huffington Post, o jornal francês Le Figaro, o Demotivateur, o L'Express, entre outros, rapidamente repercutiram a notícia.
Segundo o jornalista Michel Harnois, após o "Le Journal de Montréal" ter publicado a incrível história sobre o jovem William Gadoury, no dia 7 de maio, o telefone da casa do adolescente não parou de tocar. Sua mãe, Josée Brisson, admitiu ter dificuldade em administrar toda a repentina popularidade de seu filho.

O adolescente recebeu centenas de e-mails de felicitações da Europa, da África e de todas as partes das Américas. Os veículos de imprensa de todas as partes do mundo queriam entrevistá-lo, mas a mãe recusou pedidos de entrevistas, ao menos pelas próximas duas semanas, para que o William pudesse se concentrar em suas provas da Academia Antoine-Manseau.

Novamente foi ressaltado que William Gadoury tinha descoberto, que os maias construíram suas cidades em uma localização bem precisa e com base nas constelações estelares. Ao perceber que havia uma estrela que não correspondia a nenhuma cidade, ele foi em busca de identificá-la. As imagens de satélite teriam sido analisadas por cientistas da Agência Espacial Canadense e da Universidade de New Brunswick, que realmente confirmaram estruturas de pedra, que se assemelhavam a uma pirâmide e cerca de trinta estruturas (semelhantes a construções) no local exato identificado pelo adolescente.

"As pessoas me dão os parabéns e me encorajam para que continue a minha pesquisa. No supermercado, alguém me disse que eu parecia com o jovem que descobriu uma cidade maia. Eu disse que era eu", William Gadoury.

Segundo essa nova notícia publicada pelo "Le Journal de Montréal", o editor do livro "Les Trois Codex Mayas", Bailey Franchitti, teria se encontrado com o adolescente, ainda no sábado retrasado, para lhe perguntar como seu livro o havia inspirado. Curiosamente, o livro que William Gadoury aparece segurando em uma das fotos, o próprio "Les Trois Codex Mayas"é do autor Eric Taladoire, e publicado pela editora Balland, porém não consegui encontrar nenhuma referência a alguém chamado "Bailey Franchitti".

O livro "Les Trois Codex Mayas" inspirou o jovem canadense William Gadoury
Essa notícia aparentava ser bem mais exagerada e com informações ainda mais imprecisas do que a outra, porém havia uma boa notícia. Em menos de 48h o adolescente conseguiu arrecadar uma quantia superior aquela que estava faltando para que viesse ao Brasil, em agosto de 2017, para participar de uma feira internacional de ciências. Ele disse que pretendia usar o dinheiro que sobrasse para ir ao México, e continuar fazendo contato com arqueólogos para conseguir visitar o local de sua descoberta.

A partir do dia seguinte (10 de maio) rapidamente sua "descoberta" ganhou destaque em sites como o Daily Telegraph, Daily Mail, Popular Mechanics, Gizmodo, e inclusive a BBC. Costumo dizer que uma notícia para se propagar pelo mundo precisa passar primeiro pela Inglaterra, e não é a toa que esse caso, aparentemente limitado a sites de notícias no Canadá e na França, simplesmente passou a repercutir pelos quatro cantos do mundo, a partir do momento que ganhou destaque na Inglaterra e demais sites renomados que abordam assuntos sobre Ciência e Tecnologia.

Um dos sites a destacar a suposta descoberta de William Gadoury foi a CBC (Canadian Broadcasting Corporation), uma emissora pública de TV e Rádio do Canadá, que fez uma reportagem com o menino. Confira o vídeo abaixo (em inglês):



A notícia publicada pela CBC foi bem simplificada, mas dizia que o jovem canadense havia descoberto o que poderia ser as ruínas de uma antiga cidade perdida maia de 4.600 anos de idade, ao comparar a posição das estrelas de mapas estelares antigos em relação as ruínas atualmente conhecidas da civilização maia.

"Os maias foram construtores extremamente bons, porém muitas vezes construíam em lugares que tinham pouco sentido prático - longe de rios, longe de áreas férteis. Parecia estranho para uma civilização que era tão inteligente. Eu sabia que eles eram bons em astronomia, então eu tentei fazer uma conexão", disse William Gadoury, em entrevista para a CBC.

Novamente foi repetido que Gadoury havia estudado 22 constelações maias e descobriu que ao serem sobrepostas em um mapa, as mesmas coincidiam com a localização de 117 cidades conhecidas atualmente. Porém, uma 23ª constelação estava incompleta. O jovem então se debruçou sobre imagens de satélite do Google Earth, procurando por "interferências" causadas na densa floresta, e que poderiam indicar uma cidade coberta pela vegetação no local que ele tinha identificado. Assim sendo, ele teria encontrado evidências do que acreditava que fossem as plataformas de pirâmides maias, mas ele precisava de uma prova mais conclusiva.

Foi nesse momento que teria entrado em cena a Agência Espacial Canadense (CSA) ao fornecer imagens de satélite do RADARSAT-2.

Uma das imagens cedidas ao William Gadoury do RADARSAT-2, um satélite que normalmente tem a função de apenas monitorar o gelo marinho e o transporte marítimo no Canadá, mas que foi apontado para uma localização remota no México.
"Ele foi muito convincente, e era muito organizado. Ele fala Francês e Inglês e tinha uma pasta cheia de possíveis perguntas. Ele tinha realizado muitas investigações, e tinha entrado em contato com um monte de gente", disse Daniel De Lisle, gerente de projetos da CSA.

"Isso é algo que costumamos fazer com os cientistas que apresentam propostas para nós, porém, uma vez que a proposta de William era tão extraordinária, nós decidimos apoiá-lo assim como fazemos normalmente com cientistas", continuou.

"A imagem de satélite apenas nos fornece um horizonte de informações - nós realmente precisamos fazer uma pesquisa de campo para ver se há alguma coisa. Porém, só de olhar para a própria vegetação é possível ver algumas características lineares que não parecem naturais, e eu diria que existe alguma infraestrutura por baixo da vegetação. Estamos bem convictos que existem algumas estruturas escondidas por lá... Acho que há um elevado potencial de encontrar uma cidade", completou.

Apesar dos sites repetirem basicamente as mesmas informações, o britânico The Independent também publicou declarações fornecidas tanto pelo Daniel Delisle quanto pelo  Dr. Armand La Rocque sobre esse assunto. O ponto em comum de todas as notícias? Bem, só havia a opinião de dois profissionais e nenhum deles era realmente um arqueólogo ou antropólogo.

Imagino que vocês já saibam o que acontece nesse tipo de situação. Pois é, ela nunca acaba bem.

Arqueólogos e Antropólogos Refutam a Alegação Sobre uma Suposta Cidade Maia Perdida


Um dos primeiros a se manifestar sobre o assunto foi David Stuart, um antropólogo do Centro Universitário Mesoamericano do Texas, nos Estados Unidos, através de uma postagem em sua conta no Facebook:

Postagem de David Stuart, um antropólogo do Centro Universitário Mesoamericano do Texas,
nos Estados Unidos, em sua conta no Facebook

"Essa notícia recente sobre uma antiga cidade maia ter sido descoberta é falsa. Estava tentando ignorá-la (assim como as perguntas da imprensa que tenho recebido), mas agora... sinto que eu deveria dizer alguma coisa.

Essa coisa toda é uma bagunça - um terrível exemplo de como a ciência barata faz com que internet esteja decadente. Os antigos maias não planejavam suas cidades de acordo com constelações. Ver esses padrões é um teste de Rorschach, uma vez que esses sítios arqueológicos estão por toda parte, assim como as estrelas. O quadrado que foi encontrado no Google Earth é realmente feito pelo homem, mas é uma antiga plantação de milho ou uma milpa", disse David Stuart, em sua postagem no Facebook.

Nesse ponto é importante ressaltar que o teste de Rorschaché uma técnica de avaliação psicológica comumente denominada de "teste projetivo" ou "método de autoexpressão", que foi desenvolvido pelo psiquiatra e psicanalista suíço Hermann Rorschach. O teste consiste em dar respostas sobre com o que se parecem algumas pranchetas com manchas de tinta simétricas. A partir das respostas, procura-se obter um quadro amplo da dinâmica psicológica do indivíduo. Já a milpa seria basicamente uma técnica de cultivo idealizada e implementada pela civilização Maia.

Imagem similar enviada por Thomas Garrison para o site Gizmodo, mostrando o que seria uma plantação
que teria sido abandonada mais recentemente, em uma região que ele trabalha na Guatemala
Outro a se manifestar foi Thomas Garrison, um antropólogo da Universidade do Sul da Califórnia, e especialista em sensoriamento remoto. Ele disse em entrevista por email ao site Gizmodo, que a estrutura identificada como sendo uma suposta pirâmide seria apenas uma antiga plantação de milho. Confira a sua declaração:

"Aplaudo o esforço do rapaz, visto que é emocionante ver esse interesse na antiga civilização maia e na tecnologia de sensoriamento remoto em uma pessoa tão jovem. No entanto, a pesquisa de campo é a chave para a pesquisa de sensoriamento remoto. Você precisa ser capaz de confirmar o que você está identificando na imagem de satélite ou outro tipo de imagem. Neste caso, a natureza retilínea e a vegetação secundária voltando a crescer em seu interior são sinais claros de uma antiga milpa. Acredito que ela tenha sido abandonada há 10 ou 15 anos. Isso é óbvio para qualquer um que tenha estado por algum tempo nas planícies maias. Espero que este jovem estudante considere levar suas pesquisas e dúvidas para a universidade, para que suas próximas descobertas (e há muito a ser feito) sejam realmente significativas", disse Thomas Garrison, que enviou ao site Gizmodo uma imagem semelhante de uma área onde ele trabalha na Guatemala, referente a uma plantação havia sido abandonada mais recentemente.

Quem também se manisfestou foi Ivan Šprajc, professor associado e consultor de pesquisas sobre Arqueologia Mesoamericana e Arqueoastronomia do Instituto de Estudos Antropológicos e Espaciais, na Eslovênia. Ele disse que os maias eram astrônomos muito bons, e que eles estavam interessados em certas estrelas e corpos celestes, mas ele estava cético em dizer que esses mapas estelares pudessem ser utilizados para revelar a localização de sítios arqueológicos maias.

Ivan Šprajc, professor associado e consultor de pesquisas sobre arqueologia mesoamericana e arqueoastronomia
do Instituto de Estudos Antropológicos e Espaciais, na Eslovênia


"Pouquíssimas constelações maias foram identificadas, e mesmo em casos assim não sabemos quantas e quais estrelas compõe exatamente cada constelação. Assim sendo, é impossível verificar se há qualquer correlação entre as estrelas e a localização de cidades maias. Uma vez que sabemos de diversos fatores ambientais influenciaram a localização dos assentamentos maias, a ideia de correlacioná-los com as estrelas é totalmente improvável", disse Ivan Šprajc, em entrevista para o site Gizmodo.

O site Parent Herald destacou que o Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH), na Cidade do México, não tinha confirmado a existência da nova cidade maia. Além disso, citou uma declaração do professor e pesquisador Christopher M. Gotz, do departamento de Antropologia da Universidade Autônoma de Yucatán, no México:

"Os maias não projetavam suas cidades se baseando nas estrelas. Eles o fizeram com base em fatores mundanos tais como fontes de água, disponibilidade de matérias-primas e de acesso ao solo cultivável", disse Christopher M. Gotz.

O site da Wired também ressaltou que os especialistas estavam céticos em relação a alegação de que os maias construíram suas cidades de acordo com constelações. De fato eles possuíam constelações, mas não há nenhuma lista canônica completa delas, então a teoria era difícil de ser testada.

"As constelações maias que conhecemos, com exceção de Escorpião, não têm relação com aquelas que encontramos em mapas estelares modernos", disse Anthony F. Aveni, professor de Astronomia e Antropologia da Universidade de Colgate, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Anthony F. Aveni, professor de Astronomia e Antropologia
da Universidade de Colgate, em Nova Iorque,
nos Estados Unidos
Aliás, o Dr. Anthony Aveni é considerado como um dos fundadores da Arqueoastronomia Mesoamericana, em particular devido a sua pesquisa sobre a astronomia da antiga civilização maia.

"A região da antiga civilização maia foi tão densamente ocupada desde tempos clássicos dos maias, que há muitos anos um arqueólogo bem conhecido, Ed Kurjack, me disse que a área parecia muito com o Vale do Ohio, despida de árvores e repleta de cidades que eram bem próximas umas das outras", disse Susan Milbrath, curadora do Museu de História Natural da Flórida, nos Estados Unidos, em entrevista por email para a Wired.

"Portanto, em qualquer ponto você provavelmente encontraria um sítio arqueológico", completou.

O Dr. Richard D. Hansen, um renomado arqueólogo norte-americano, e professor adjunto de Antropologia da Universidade de Utah, em Salt Lake City, nos Estados Unidos, destacou que o local parece ser muito próximo da antiga cidade maia de Uxul, que tem sido escavada desde 2009, ou seja, ainda que fosse uma cidade, não seria exatamente uma cidade que estivesse "perdida por muito tempo".

A mais contundente das declarações viria do arqueólogo Geoffrey E. Braswell da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos. Ela foi enviada por email ao jornal "The Washington Post", uma vez que Geoffrey Braswell disse que ele estava familiarizado com os sítios arqueológicos em questão. Ele disse que tem visitado esses mesmos locais com o objetivo de pesquisá-los juntamente com seus alunos.

"Uma imagem mostra duas áreas retangulares na extremidade sudeste de um lago sazonal seco. Esta é a 'Laguna El Civalón' na região sudeste de Campeche, no México, localizada nas coordenadas 17º 56' 42" N e 90º 10' 0" W. As duas áreas retangulares identificadas como pirâmides são pequenos campos repletos de ervas daninhas. Os campos podem estar abandonados ou podem ser campos de cultivo de maconha ainda em atividade, visto que são comuns na região. Não há nenhum sítio arqueológico importante por lá.


O arqueólogo Geoffrey E. Braswell, da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos
A segunda imagem mostra um pequena área de um pântano sazonal seco, a cerca de 500 metros ao norte da 'Laguna El Manguito', também conhecida como San Felipe. A imagem aparece em 17º 53 '44" N e 90º 6' 35" W. Não há pirâmides antigas, mas há um sítio arqueológico colonial muito interessante nas proximidades. San Felipe era um importante ponto de parada dos conquistadores espanhóis, que ligava Campeche, no México, ao Lago Petén Itzá, na Guatemala. O arqueólogo mexicano Teri Arias Ortiz trabalhou em San Felipe, e identificou diversas estruturas, incluindo o que poderia ser uma igreja muito antiga", disse Geoffrey E. Braswell.

Em entrevista para o site Gizmodo, Geoffrey Braswell disse que ele e seus alunos estavam familiarizados com aquela região remota do México, porque eles são colaboradores em um projeto arqueológico bem próximo daquela área. Esse projeto é liderado por Nikolai Grube, da Universidade de Bonn, na Alemanha, e Antonio Benavides do Insitituto Nacional de Antropologia e História, no México. Geoffrey ainda citou que o local poderia ser uma plantação de milho abandonada ou até mesmo uma plantação de maconha. Segundo ele, era importante ressaltar que os arqueólogos vêm explorando essa mesma região desde a década de 1930. Na verdade, essas vastas extensões de selva na Península de Yucatán vêm sendo fotografadas do alto por décadas.

O site da revista Superinteressante foi um dos raros sites aqui do Brasil, que atualizaram constantemente a informação divulgada pela mídia internacional. Fernando Pesce, pesquisador do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos da USP e Mestrando em História pela Unicamp, apontou algumas falhas na teoria de William Garoudy.

"Ontem, diversos jornais e revistas noticiaram a descoberta de uma nova cidade maia por um garoto canadense de quinze anos, além da possível relação da localização das antigas cidades maias com estrelas e constelações. Apesar do evidente esforço e dedicação de William, a história foi, a meu ver, mal explicada. Em primeiro lugar, diversos arqueólogos de renome internacional já se posicionaram em relação à estrutura que aparece nas imagens, que seria não uma pirâmide, mas sim um campo de cultivo de milho. Em segundo, a localização das cidades maias pode ser explicada por diversos outros fatores de ordem prática, como posições estratégicas e defensivas e inclusive o acesso a água - como no caso de Kaminaljuyú, que fica próxima ao lago Miraflores, ou como diversas outras cidades ao longo do Rio La Pasión e seus tributários na Guatemala como Aguateca e Ceibal. Ademais, seria muito complicado coordenar a construção dessas cidades, que não possuíam um governo centralizado ou imperial, para que correspondessem a estrelas e constelações", disse o pesquisador, na última quarta-feira, para a revista Superinteressante.

Em seu blog, Jason Colativo mencionou que a 23ª constelação em questão, e que não constaria no "Códex Maia de Madri", seria muito provavelmente a constelação de Órion. Ele apontou que o site Daily Grail havia comparado essa descoberta de uma possível cidade maia, com o trabalho de Robert Bauval, um egiptólogo amador que propôs que as pirâmides de Gizé representavam a constelação de Órion, que na ocasião também teria se inspirado em textos anteriores que apontavam para essa direção.

Jason Colavito
Segundo Jason Colativo, a ideia de Gadoury é interessante, mas ninguém até então havia detalhado os pontos cruciais de toda essa história.  Ninguém, nem mesmo os pseudo-historiadores, sabia exatamente quais estrelas a civilização maia tinha utilizado para representar suas constelações.

"Entretanto, até mesmo os detalhes básicos sobre o número e posicionamento das constelações maias, as suas respectivas posições no zodíaco daquela época, e o local em que suas constelações estavam no céu noturno, são objeto de discordância. As constelações diferem em diversos códices pós-clássicos da civilização maia, assim como nas construções, nas pinturas, e nos monumentos", escreveu Heather Irene McKillop, no livro "The Ancient Maya: New Perspectives", de 2004.

Antes dela, Susan Milbrath, escreveu em "Star Gods of the Maya", de 1999, que as constelações pós-clássicas (após 1000 d.C.) só poderiam ser parcialmente correlacionadas com as constelações que pudessem ter existido no período clássico, no qual a maioria das cidades maias floresceu, e especialmente no período pré-clássico, quando muitas cidades foram fundadas. Algumas constelações certamente eram as mesmas, mas outras poderiam ser muito diferentes. O "Códex Maia de Madri" seria um códice pós-clássico, por isso não seria fácil correlacionar a sua lista de constelações com o que o período pré-clássico e clássico da civilização maia. Resumindo, o que os maias viram no céu poderia ser bem diferente do que vemos hoje.

Diante de todos os comentários refutando a existência de uma possível cidade perdida da civilização maia, a questão secundária se voltou a entrar em contato com o Dr. Armand LaRocque, especialista em sensoriamento remoto da Universidade de New Brunswick, no Canadá, e com Daniel De Lisle, gerente de projetos da Agência Espacial Canadense, para saber o que eles tinham para dizer diante do que inúmeros arqueólogos e antropólogos estavam dizendo sobre o caso.

As Declarações de Armand LaRocque e Daniel De Lisle


Em entrevista para a Rádio Canadá (CBC), na última sexta-feira (13), o Dr. Armand LaRocque disse que estava convencido de que as imagens de satélite que ele viu da Península de Yucatán mostravam assentamentos humanos - e não um "campo de trigo" ou de maconha. De acordo com ele, a ideia de que uma cidade maia pudesse existir nesses lugares era sempre possível, embora os especialistas recomendassem cautela. Ele disse que os pais do menino estavam tentando deixar essas críticas de lado, porém o próprio Armand LaRocque disse que permaneceria defendendo sua teoria, visto que isso ao menos poderia acrescentar algo para o avanço científico, e que isso nada mais era do que "pesquisa científica".

Em entrevista para a Rádio Canadá (CBC), na última sexta-feira (13), o Dr. Armand LaRocque disse que estava convencido que as imagens aéreas e de satélite que ele viu na Península de Yucatán mostravam assentamentos humanos,
e não um campo de trigo ou de maconha
Daniel De Lisle resolveu emitir uma espécie de comunicado, que ele enviou como resposta e por email, a todos os sites que entraram em contato com ele para que ele explicasse o caso. Leia o conteúdo do mesmo:

"Na verdade, conhecemos o William durante o verão de 2014, porque naquela época ele ganhou algumas feiras de ciências com seu projeto. Por isso, assistimos a sua apresentação e percebemos que o garoto é realmente brilhante e muito organizado, visto que ele tinha colocado muito empenho em seu projeto... e ele estava se perguntando a razão desses templos, dessas pirâmides estarem em lugares estranhos. Então, foi assim que tudo começou. Ele levou os mapas estelares, cobriu os mesmos sobre um mapa, e percebeu que as constelações correspondiam. 

Logo, foi realmente isso que desencadeou todo este trabalho. Ele percebeu que uma grande estrela não se correlacionava com uma cidade no mapa, então ele disse que talvez pudesse haver algo enterrado sob a vegetação, de modo que essa é realmente a base de sua pesquisa. Nós o convidamos para vir até a CSA e fazer uma apresentação, e ele fez uma apresentação muito completa sobre isso. Eles realmente ficaram deslumbrados com este menino de apenas 15 anos de idade.

Outra coisa que fizemos foi fornecer imagens de satélite do local que ele acreditava que pudesse haver algo, e a partir daí eu processei as imagens para que ele pudesse sobrepor esta informação... As imagens de satélite mostraram algumas bordas que não pareciam naturais; mostravam bordas retas. As imagens mostraram que essas bordas estão em baixo relevo na vegetação. Então ele acreditou que poderia haver uma cidade sob a vegetação".

Comentários Finais


O comunicado de Daniel De Lisle soa muito mais como uma tentativa de fugir do constrangimento gerado por um membro da CSA, do que qualquer outra coisa. O primeiro veredito do Snopes.com (um site semelhante ao E-farsas) apontava que a história era simplesmente "falsa", depois mudaram para "não comprovado". William Gadoury teria descoberto o que os membros da Agência Espacial Canadense chamaram apenas de "uma área de interesse", algo que "tão somente sugere que haveria algo sob a vegetação". Ainda segundo o Snopes, "apesar das notícias apontarem para a direção oposta, o adolescente nunca teria afirmado ter encontrado uma cidade perdida; em vez disso, ele formulou uma hipótese com base em dados disponíveis, que ele passou anos pesquisando, de modo que os especialistas pudessem prosseguir a partir disso". Sério mesmo? Sinceramente, apesar de todo o respeito que possuo pela Kim LaCapria, responsável pelo site Snopes, acho que não.

O fato de duas notícias sobre esse assunto terem sido publicadas em um tabloide canadense, não significa que fossem totalmente mentiras, apesar dos exageros. Muitos sites ignoraram a segunda notícia publicada pelo "Le Journal de Montréal", e os comentários do Dr. Armand LaRocque, que permaneceu defendendo o que acreditava ser o certo. Por mais incrível que possa parecer, originalmente foi publicado muito mais uma tentativa de exaltar o jovem canadense, mostrando que ele havia sido credenciado para participar em uma feira de ciências aqui no Brasil, diante o trabalho apresentado por volta de 2 anos atrás, fruto de pelo menos 3 a 4 anos de interesse pelas estrelas e pela civilização maia, do que divulgar uma eventual farsa.

A exposição de William Gadoury no Canadá foi extremamente positiva, visto que ele foi elogiado e as pessoas ainda doaram dinheiro para que ele pudesse vir ao Brasil, assim como continuar sua pesquisa, que era totalmente apoiada pelo Dr. Armand LaRocque, especialista em sensoriamento remoto da Universidade de New Brunswick, no Canadá, e por Daniel De Lisle, gerente de projetos da Agência Espacial Canadense. O próprio Daniel sempre aparecia ao lado do rapaz nas imagens que foram anteriormente divulgadas. Aliás, diversos veículos de imprensa foram atrás de Daniel De Lisle, que se mostrava orgulhoso do adolescente, mencionando "estruturas criadas pelo homem, e que poderia haver algo sob a vegetação". Somente depois que tudo isso passou ser amplamente refutado, por inúmeros arqueólogos e antropólogos, é que a situação mudou e aparentemente "caiu a ficha" dele. Portanto, era o momento de simplesmente "tirar o dele da reta".

A mídia internacional que exaltou William Gadoury, faturando alto por cada visualização e milhares de compartilhamentos, foi a mesma que praticamente o derrubou, o condenando ao mesmo status de pessoas como J. Hutton Pulitzer e Semir Osmanagić. Apesar de concordar que o adolescente muito provavelmente não tenha descoberto nada além de uma milpa abandonada ou uma plantação de maconha mantida pelos cartéis mexicanos (que ninguém fez questão de mencionar, ainda mais em um ano eleitoral nos Estados Unidos), temos que lembrar que arqueólogos e antropólogos são espécies ameaçadas de extinção, principalmente se formos considerar nossa era digital. Ter experiência em uma área como essa requer décadas de muita dedicação e pesquisas em locais onde muitas vezes a ameaça de morte é real. É muito mais cômodo desmentir um adolescente de 15 anos sentado em uma cadeira de couro, no conforto do seu lar, do que ir cuprimentá-lo e dizer simplesmente que "não foi dessa vez". Além disso, o ideal seria oferecer a ele uma bolsa de estudos no futuro, afinal qualquer universidade ficaria orgulhosa por contar com seu interesse em pesquisar o passado de nossa própria espécie.

William Gadoury, sem dúvida alguma, é uma espécie ameaçada de extinção, e ao contrário do que se pensa, deve e precisa ser protegido. Daqui a 10, 20 ou 30 anos, e se eu viver o suficiente para isso, gostaria de ouvir novamente esse nome, e ler que houve uma descoberta que pudesse mudar completamente nossa história. Algo que pudesse nos dar uma perspectiva totalmente nova sobre a humanidade, muito além de qualquer teoria sobre "deuses astronautas". Desde já é muito triste imaginar o que esse adolescente irá enfrentar, desde cedo, nas próximas feiras de ciência, praticamente o berço de uma profissão tão nobre. Infelizmente, foram poucos os profissionais que tiveram o cuidado de preservá-lo diante das criticas que viriam pela frente. Serão esses mesmos arqueólogos e antropólogos que daqui alguns séculos serão apenas ossos enterrados em alguma parte do mundo, e se continuar desse jeito não restará ninguém para identificá-los, e nem mesmo para entender a importância que um dia eles tiveram.

Até a próxima, AssombradOs!

Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino

Fontes:
http://exposciences.qc.ca/en/awards-winners/winner/record/5087/ne-du-ciel
http://gizmodo.com/parts-of-that-lost-maya-city-might-actually-be-a-mariju-1776114019
http://gizmodo.com/teen-discovers-lost-maya-city-using-ancient-star-maps-1775735999
http://learningenglish.voanews.com/a/trending-today-lost-mayan-city-gadoury/3327792.html
http://quebec.huffingtonpost.ca/2016/05/08/adolescent-decouvre-cite-maya-william-gadoury_n_9864900.html
http://super.abril.com.br/historia/atualizada-garoto-de-15-anos-descobre-antiga-cidade-maia-sem-sair-de-casa
http://www.bbc.com/news/blogs-trending-36259047
http://www.cbc.ca/news/canada/montreal/william-gadoury-quebec-teen-mayan-experts-question-1.3576829
http://www.cbc.ca/news/canada/montreal/william-gadoury-quebec-teen-mayan-lost-city-csa-1.3575416
http://www.dailymail.co.uk/news/article-3582554/Canadian-schoolboy-discovers-lost-Mayan-city-comfort-bedroom.html
http://www.huffingtonpost.ca/2016/05/10/william-gadoury-mayan-city-stars-csa_n_9890328.html
http://www.independent.co.uk/news/world/americas/forgotten-mayan-city-discovered-in-central-america-by-15-year-old-a7021291.html
http://www.journaldemontreal.com/2016/05/07/un-ado-decouvre-une-cite-maya
http://www.journaldemontreal.com/2016/05/09/des-demandes-dentrevue-des-quatre-coins-du-monde
http://www.parentherald.com/articles/43184/20160512/mayan-civilization-discovery-update-forgotten-mayan-city-doesn-t-exist-experts-debunk-viral-report-on-canadian-teen-s-discovery-saying-findings-lack-evidence.htm
http://www.popularmechanics.com/technology/infrastructure/a20811/teen-uses-google-maps-to-discover-ancient-mayan-site/
http://www.sciencealert.com/a-15-year-old-just-discovered-a-lost-maya-city-in-central-america
http://www.telegraph.co.uk/news/2016/05/10/canadian-teenager-discovers-ancient-mayan-city-lost-in-jungles-o/
http://www.torontosun.com/2016/05/12/lost-mayan-city-no-likely-just-a-pot-field
https://en.wikipedia.org/wiki/IEEE_Geoscience_and_Remote_Sensing_Society
https://en.wikipedia.org/wiki/Madrid_Codex_(Maya)
https://www.facebook.com/CanadianSpaceAgency/posts/835792003109665

http://www.wired.com/2016/05/long-lost-mayan-city-teen-found-isnt-lost-city/ 
https://www.washingtonpost.com/news/speaking-of-science/wp/2016/05/11/did-a-teen-discover-a-lost-mayan-city-not-exactly/

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